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Contos-->AMOR SEVERINA, AMAR PRA QUEM LUTOU PELA FELICIDADE... -- 19/05/2006 - 00:29 (VALMIR FLOR DA SILVA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SEVERINA, UMA RAZÃO DE AMAR,VIVER, LUTAR, BUSCANDO CONTINUAMENTE A FELICIDADE.

O céu testemunharia o início de um relacionamento, marcado pelo encontro de dois jovens ansiosos por viver e desbravar o mundo em uma aventura cercada de emoções, desejos, carinhos e acima de tudo, um ardente amor, que seria a causa e a razão para tantos acontecimentos felizes em suas próprias vidas. Era o ano de 1927 e no sertão nordestino, todos sofriam ainda, as conseqüências econômicas da primeira guerra mundial, circunstâncias em que a filha de Dona Alexandrina Cecília cruzou o caminho e fitou seu meigo olhar em um jovem conhecido por João Flor, brotando inicialmente, uma admiração. Era o princípio de um encantamento que os uniriam para o resto de suas vidas. João era um rapaz tímido, sem muitos atrativos mas comedido, inteligente e cheio de virtudes, demonstrando um coração sincero que cativou os sentimentos da então jovem Severina. A bela e jovial Severina possuía uma tez branca, encantadora, traços finos para o padrão da época e do lugar, encantando com sua beleza, todos que cruzassem o seu caminho, porem, era possuidora de atributos de uma personalidade forte e decidida, vindo ao mundo em um lar humilde. Uma família de sete membros, três homens e quatro mulheres: Alexandre, Zé Cabral e Antônio Cabral formavam o clã masculino, Emidia, Josefa, Francisca e Severina completavam a progênie numerosa, como é tradição, ainda hoje, nas famílias nordestinas. Uma casa, um lar e muitos irmãos formavam um ambiente, propício, para alicerçar traços marcantes na personalidade daquela jovem que desde tenra idade apresentava um brilho nos olhos e um coração cheio de esperança. Severina, como passou a ser chamada pelos irmãos, era até então, uma adolescente que sonhava muito, tendo uma fixação realista para essas aspirações, colocando seus ideais sempre sob a complacência de sua genitora, que a admoestava, orientando-a pelo caminho que devia trilhar, cumplicidade que somou valores relevantes na vida dessa jovem. Quando criança chamava a atenção pela sua beleza e simplicidade, passava um ar de graça, meiguice e carinho, mesmo assim, sua ligeira timidez, transmitia aos que a cercavam, respeito e acatamento da parte de todos que a conheciam por ser simplesmente Severina, menina alegre e brincalhona que ninguém se atrevia a afrontá-la em sua inocência cercada de razões. Inteligente, cresceu em meio às adversidades da vida que circundam as famílias do sertão nordestino, tendo em seu coração o ímpeto de uma amazona, disposta a conquistar e enfrentar as barreiras que o mundo iria lhe oferecer. Filha de Alexandrina Cecília dos Santos e Manoel Cabral do Nascimento, a progenitora, para manter o sustento familiar, lavava roupas, enquanto o pai com um mister nato, aventurava-se pelas caatingas do sertão nordestino como vaqueiro, ausentando-se por meses, levando boiadas de um estado para outro. Ora estava no Piauí, ora estava no Maranhão, quando não em Pernambuco, ficando por muito tempo, distante da família. Dona Alexandrina, em razão do ofício do marido, passou a assumir responsabilidade pela estirpe, impondo valores morais e preservando a dignidade de seus membros. A jovem Severina cresceu, já adolescente, percebia a realidade e as dificuldades enfrentadas por sua mãe, mantendo-se uma firme aliada, incorporando todos os valores morais e espirituais. Todos esses fatos aconteceram na pequena e pacata cidade onde nascera, Antenor Navarro, sertão do estado da Paraíba. A jovem Severina crescia e vivenciava o cotidiano de dificuldades enfrentada pela mãe e já adolescente, sempre se mantinha firme em seus conceitos, acatando e respeitando os ditames da madre. Já com a postura de uma linda moça, passou a ser cobiçada pelos olhos de homens que queriam cortejá-la. Reservada, procurava não se expor, ao mesmo tempo, avaliava os valores que só um coração sábio pode medir. Nesse ínterim, a figura de um jovem negro, trabalhador da Rede Ferroviária Federal passou a balançar seu lindo e meigo coração. Dona Alexandrina, mulher virtuosa, integra e exemplar, por morar próximo à ferrovia, muitos trabalhadores passaram a se dirigir ao seu domicílio, com o intuito de usufruir a prestação de serviço que abraçara, usavam também essa estratégia para cortejar suas lindas filhas Emídia, Josefa, Francisca e Severina. A jovem Severina se mantinha como uma donzela, dona do seu nariz e sempre impondo o respeito e postura ante os galanteios e flertes dos que a pretendiam cortejar, o que propiciava a admiração e respeito por parte de todos que a conheciam. De certo modo garboso, o jovem negro, conhecido por João Flor passou a despertar a sua atenção pela sua firmeza de caráter, simplicidade e determinação em vencer na vida.




Os dias passavam como se o tempo não tivesse pressa, na pequena e pacata cidade de Antenor Navarro. Ouvia-se ao longe o ranger aflito de um carro de boi que, serenamente, acompanhava o compasso do tempo. Em outras situações, quebrando a morosidade do local, ao longe, percebia-se o chiado estafado de uma Maria Fumaça que se aproximava, espargindo fumaça por todos os lados, quebrando a rotina e levando os moradores da cidade a apreciar, a chegada daquele monstro de ferro. Algumas crianças, percebendo que o trem ainda vinha longe, sem ainda o avistá-lo, corriam para o trilho e encostavam o ouvido, para antever a sua aproximação pela vibração. Na estação ferroviária, ouvia-se o barulho de um sino a batendo em ritmo frenético, como se quisesse avisar a todos os moradores que o trem estava chegando. Uma inquietação tomava conta do lugar. Parecia que todos estavam ali para aguardar a chegada de alguma pessoa que estivesse vindo no trem. O manobrista começava a caminhar lentamente para o cruzamento com uma bandeirola vermelha na mão, assumindo o seu posto, posicionando-se como se estivesse pronto para desviar o trem a algum outro lugar. Na estação, o Agente pelo traje impecável, parecia mais um comandante de navio, o Telegrafista mais modesto em sua roupagem, ambos, às pressas, colocavam o chapéu, arrumavam suas gravatas e se dirigiam ao setor de telégrafo, ficando prontos para atender a clientela fazendo, despachos das bagagens e vendendo bilhetes de passagens. Não era diferente a agitação no lar de Severina. Suas irmãs Josefa, Emidia e Francisca ficavam eufóricas com a vinda do trem, parecia que o comboio trazia esperança, uma expectativa de mudança ficava no ar, fazendo com que as filhas de D.Alexandrina sonhassem com novos tempos. Assim também, para todos os moradores, a chegada do trem alimentava sonhos de progresso para a localidade. Dona Alexandrina sabia que com o trem, chegavam alguns trabalhadores que a procurariam para lavarem suas roupas e com isso, arrecadaria meios para manter a sua prole. Severina se mantinha alegre pois com a volta do trem, vinha também um pouco do coração de um jovem negro a quem aprendera discretamente a admirar, o moço João Flor. Por isso, ficava radiante, com um ar de quem sabia que destino lhe preparava uma surpresa, fazendo seu coração bater mais forte. Por fim, com a aproximação da Maria Fumaça e seu barulho ensurdecedor, todos paravam e ficavam atentos, olhando os movimentos circulatórios das manivelas, acompanhados por um vapor esvoaçante, tendo em cima a figura do maquinista e do foguista. João Flor dava os seus primeiros ensaios como foguista e estava ali, um jovem forte, trabalhador, pronto a galgar outros postos, sentindo em seu labor que se estava almejando a colocação de foguista, um dia alcançaria o cargo de maquinista. Com isso, em suas visões de dominador de sua própria luta, assumiria em seus sonhos a postura de um herói, desbravando todas as cidades por onde passasse, como se em cada cidade que chegasse, ostentasse a figura de um colonizador, sentindo-se admirado por todos. Severina, comedida, embora fosse cortejada por outros jovens, mantinha-se recatada, como uma borboleta que procura a melhor flor para colher o nécta, sabiamente, se perfilava em sua missão de acatar e receber de sua mãe os melhores preceitos para a sua vida. Assim, embora sabendo que o trem havia chegado, não se agitava, mantinha-se em sua casa, aguardando e observando os passos daquele jovem labutador. A ferrovia, sempre representou um marco de progresso para as pequenas cidades aonde ela passava, abrindo frentes de trabalhos, quando não, efetuando contratações e selecionando pessoas dispostas a trabalhar na empresa. Foi com esse ímpeto que o jovem João Flor se aventurou em seu propósito, quando as dificuldades de se arranjar um emprego era difícil, apareceu na ferrovia, querendo simplesmente mostrar que era forte, honesto e trabalhador. Se há meses atrás, auxiliava o foguista que tinha a missão de manter a fornalha, agora já ganhava a confiança e acompanhava os maquinistas que viam nele um futuro promissor. Depois de alimentar a fornalha e realizar as atividades inerentes a sua função, João Flor não perdeu tempo e procurou o lar de Dona Alexandrina com o propósito de levar algumas roupas suas que precisavam ser lavadas. Havia no coração desse jovem, uma centelha de esperança de que sua postura honesta e seu jeito bem trajado de ser, caíram de bom grado nos olhos e no coração de Severina. Naquele dia, já ao longe, Severina, discretamente, com olhos em seus passos, acompanhava João elegantemente se aproximando. Era um entardecer e a cidade estava bem iluminada, o sol descendo no horizonte, fazendo do ocaso um momento propício para se abrir às portas de um coração. Na alma de Severina nascia uma esperança que só o tempo e a providência divina ajudaria a desvendar.



Era uma tarde de sábado ensolarada e a cidade estava inflamada de gracejos, histórias e risos. Crianças brincavam de amarelinha nas calçadas, as moças e os jovens ficavam eufóricos e já se dirigiam para a praça da cidade, respondendo ao clima de festejo. Com a chegada do trem, iam exercitar o flerte e tagarelar suas peripécias dos raros acontecimentos e novidades do local. Falava-se de tudo, principalmente de fatos ligados às famílias e dos que estavam viajando ou que retornaram para aquela pacata cidade. Na casa de D.Alexandrina as filhas Joséfa, Emidia e Francisca disputavam o espelho, se arrumando, fazendo travessuras e acompanhando os momentos alegres daquele final de tarde, querendo também desfrutar do costumeiro passeio na praça local em que, sempre, precisavam da companhia uma da outra, nunca indo sozinha. A praça, o coreto e a igreja matriz eram símbolo de lazer da cidade, onde os jovens costumeiramente ao final da tarde faziam passeios rodeando a praça fazendo brincadeiras e mexendo com as moças, ora passando com bicicletas, ora caminhando. Os mais velhos assentavam-se nos bancos e conversavam sobre assuntos diversificados, buscando com isso, passar o tempo e se detraírem um pouco. D. Alexandrina procurava de alguma forma não frustra os anseios de seus filhos e filhas. Por essa temporada o seu esposo Manoel Cabral do Nascimento retornara de uma longa viagem, pois havia levado um rebanho do Ceará para Maranhão, o que o levou a ficar cinco meses fora de casa sem mandar nenhuma ajuda para a família, fazendo com que D. Alexandrina e os filhos assumissem as despesas do lar. Alexandre era um jovem bonito e elegante, exibia a postura de homem sério e batalhador, mas sempre assediado pelos olhares das jovens que o cobiçavam. Antônio Cabral cuidava da terra, gostava de plantação e criação, por outro lado Zé Cabral era o filho querido da madre, por ser gentil e se dispor sempre a compartilhar com D. Alexandrina os problemas do lar. ZÉ CABRAL assumia responsabilidade pelos acontecimentos de casa, consultando sempre a mãe e observando as irmãs em suas travessuras. D. Alexandrina agia para com seus filhos como se segurasse seus impulsos juvenis e a cada momento, percebia as circunstâncias propícias para que eles vivessem suas próprias experiências de relacionamentos e assim se sentissem livres. Em outros momentos, procurava segurar e direcionar esses anseios para não se transformar em futuras frustrações.
---- Josefa, Emídia e Francisca, o que vocês estão fazendo? Está na hora de arrumar a mesa para o jantar e preparar as roupas que estão para serem entregues, o pessoal da ferrovia está chegando, só a Severina está me ajudando.
---- Mãe, estamos nos arrumando. A Emídia demora muito no espelho, a Francisca e a Josefa já terminaram e estão indo ajuda-la.
---- Não posso entender vocês. Na hora do aperreio, quando preciso de ajuda, vocês estão se arrumando para irem passear. Pensem bem, pois a vida não é feita só de passeios e vocês só vão para a praça depois de me ajudarem a atender os clientes.
----- Severina, ajuda com isso aqui filha, a final de conta, parece que só você compreende o meu esforço para manter o sustento dessa casa.
----- Sim. Mamãe. Já vou ajuda-la. Não vou sair, quero ficar com você.
----- Josefa, Emídia e Francisca vocês só vão passear na praça se um de seus irmãos forem com voces, podem tirar o cavalo da chuva que sozinhas vocês não vão. Já está escurecendo e não quero filha minha andando a noite pelas praças, entenderam!?
----- Severina, onde está o Alexandre, esse menino ainda vai dar trabalho pois só quer viver na rua. Não sei não mamãe...
----- Oh!! Zé Cabral, onde anda Alexandre e Antônio, pensei em um e não vejo o outro. O que eles estão fazendo? Podiam estar aqui me ajudando.
----- Mamãe o Alexandre e Antônio foram ver a chegada do trem na estação e não voltaram, ainda devem continuar por lá.
----- Sim meu filho, mas não saia de casa, já está ficando de noite e eu preciso de alguém comigo. Se as meninas forem à praça, não quero que elas saiam sozinhas entendeu.
----- Olha lá Severina o pessoal da ferrovia já estão vindo buscar as roupas que foram passadas e engomadas, veja quem são e vamos separar para entregá-los, não esquecendo que é pagamento a vista, estamos precisando de dinheiro para essa semana. Seu pai retornou de viagem e apesar de trazer muita mercadoria, não trouxe dinheiro.
----- Sim mamãe, não se preocupe estou preparando e até já sei quem está vindo primeiro.
----- Quem é minha filha?
---- O João, aquele moreninho calado, pouco fala mas anda sempre limpo e não gosta de brincadeira, ele é muito educado.
---- Filha prepare a roupa de João Flor para entregá-lo mas não dê muita confiança, pois esse pessoal da ferrovia é muito paquerador e cheio de histórias, arranjando namorada em cada cidade que vai.
---- Mamãe, não se preocupe, estou vendo como são esses trabalhadores da estrada de ferro e sei onde ponho os meus pés e a quem posso dar confiança. Ora essa mamãe!!!
---- Josefa, Francisca e Emídia vocês só vão passear quando fizerem as tarefas de casa e não quero ninguém saindo de casa sozinha, entenderam?
---- Sim mamãe. Está certo, vamos já lhe ajudar. Respondeu Emídia
---- Severina, o João Flor está chegando.
---- Vou atendê-lo.
---- Boa tarde Severina. Você pode me atender?
---- Sim. João. Vou pegar sua roupa que já está pronta. Você tem bom gosto, suas roupas são as melhores e bem conservadas. Os outros trazem as roupas cheias de sujeira principalmente com óleo e isso dá um trabalho dobrado para lavar. Vou até falar para mamãe cobrar mais caro.
---- Eu gosto de trabalhar sem me sujar. Tenho facilidade de suar muito mas procuro usar freqüentemente estopa e não lambuzar-me com graxas ou óleos, conservando assim as minhas roupas, acho que se assim fizer, elas vão durar mais tempo, não tenho muito dinheiro para comprar roupas freqüentemente.
---- Está certo. Hoje em dia as coisas estão muito difíceis e precisamos economizar para ter alguma coisa no futuro rs rs rs. A mamãe sempre fala para fazermos economia em tudo.
---- Você já foi fichado na ferrovia ou ainda está como ajudante?
---- Estou trabalhando e dando o melhor de mim para que isso venha a acontecer, mas vejo que na ferrovia, conta muito o apadrinhamento, por outro lado, não existe dificuldade quando agente está fazendo o melhor. Creio que logo, reconhecerão o meu trabalho e serei contratado.
---- Dona Alexandrina, muito obrigado. Quanto foi essa lavagem de roupa Severina?
---- Trinta reis.
---- Está aqui. Muito obrigado, estão limpas e cheirosas.
---- Vai deixar mais roupas para lavar?
---- Não. Por enquanto não.
---- Está certo João, quando tiver outras roupas sujas é só trazer.
---- Obrigado!!!
Nesse pouco diálogo e troca de olhares, uma fagulha de emoção passou pelo coração de Severina e João Flor. Um ato, um gesto e a esperança de um sentimento estavam brotando no coração de Severina. João Flor garbosamente, impunha uma postura nobre de quem quer conquistar um coração, deixando a porta dos seus sentimentos aberta. Não ficaria apenas em palavras ou gestos. Seria uma conquista firmada em sentimento puro e verdadeiro que abriria a alma de Severina. Assim, naquela tarde e começo de noite, deixaria o lar de D. Alexandrina pisando leve, sabendo que semeou esperança no coração de Severina e que essa futura amizade poderia lhe render todos os gestos, todos os olhares, o coração de uma linda e singela jovem que em seus pensamentos nunca acreditou que isso viria a acontecer. Passados alguns meses em que João se dirigia para casa de D. Alexandrina, depois de ser muito observado, esse foi o primeiro momento que João Flor e Severina trocaram palavras e olhares que emudeceram seus corações, deixando um sentimento de admiração e de cortejo um pelo outro. Eram as primeiras emoções de um jovem que se aventurava em sonhos futuros e conquistadores que estariam por vir. João Flor saiu da casa de D. Alexandrina sem olhar para trás, sabendo que no olhar de Severina havia um quê de emoção, carinho e ternura que sacudiu seu coração, marcando indelével presença.
Passado algumas horas, ouvia-se o barulho do sino na estação ferroviária dando sinal de que o trem estava pronto para partir. Toda a tripulação foi trocada. Todos ficavam atentos novamente para a partida do trem. O sol já estava se pondo e a noite tomava conta do lugarejo. A casa de D. Alexandrina era simples, duas janelas, uma porta e uma calçada que à noite, servia de local para encontro dos familiares, ocasião em que todos se sentavam e costumeiramente conversavam, contando suas aventuras e desventuras do dia. A cidade aos poucos entrava na penumbra noturna, fazendo seus moradores se agasalharem em suas casas. Lamparinas acesas nas janelas eram comuns. A praça virava um breu e não se conseguia mais ver ninguém. As ruas, às escuras, viravam contos de aparição, inebriando os pensamentos dos moradores com histórias de fantasmas e heróis do outro mundo. Ouviam-se cânticos infantis nas calçadas. Eram crianças brincando de roda e cantarolando, enquanto na presença dos pais e irmãos, os casais de namorados se emocionavam numa simples troca de olhar ou segurando a mão da namorada. Na calçada de D. Alexandrina chegavam primeiro Zé Cabral, depois Severina que procura o colo da mãe, Alexandre e Antônio retornavam da praça e corriam para a cozinha, indo comer qualhada, Josefa, Francisca e Emídia iam para o quarto trocavam de roupa e vinha para junto da família. Mais um pouco, chegava da rua Sr. Manoel Cabral que procurava a sua cadeira favorita e se assentava junto a família, cantarolando suas prosas, falando das aventuras da viagem. A noite estava agradável, o céu estrelado com a lua prateada despontando no horizonte. A calçada estava limpa fazendo com que Alexandre e Antônio se deitassem literalmente, enquanto Josefa, Francisca e Emídia, ficavam num entra e sai, ora ficando com o pai, ora com a mãe, todas envolvidas em brincadeiras pessoais. Quando estavam juntas comentavam as peripécias do dia, falando dos flertes e brincadeiras que ocorreram.A conversa dos familiares ia até a hora em que o sono chegava, dando tempo para o esposo de D. Alexandrina contar todas as aventuras da viagem e cantarolar todas as suas prosas. Não demorava muito e o sono chegava pois o dia dessa matriarca havia sido de muito trabalho. O céu estrelado, um horizonte enluarado e a cidade adormecida por uma leve brisa noturna, eram o cenário do lugarejo. A igreja matriz era o símbolo do fervor religioso de uma comunidade que encontrava na noite o descanso e a esperança de reviver no dia seguinte novas lutas e conquistas...



Como seria imaginar que o tempo e o destino se encarregariam de traçar a trajetória de uma bela jovem no fulgor da juventude, expressando a beleza de um rosa. Sob os encantos de muitos olhares cobiçosos, ostentaria o perfil de uma dama, uma orquídea em meio a um jardim florido, mantendo-se firme em sua determinação na luta pela felicidade e realização de seus mais simples ideais, assim era o dia a dia de Severina. Um cotidiano buscando razão para externar seus sentimentos, mantendo-se intocável na inocência dos seus desejos púberes. Uma época de valores controvertidos, arraigados de tradição em que a mulher assumia uma postura intocável, valorizada pelos seus próprios dotes impostos por tabus remanescentes de uma tradição oligárquica em seu desfavor. Tempos conflitantes no sertão, quando a saga de Lampião corria em aventuras os interiores do nordeste como a figura de um Robin Wood, um mito rodeado de histórias, acompanhado por uma legião de cangaceiros, manifestavam um poder particular em defesa de uma ideologia cercada de lutas, tragédias, projetando-se na mídia como defensor dos fracos ao arrepio da lei. Crescia Severina com ar pacífico de uma garça, uma beleza escultural, não medindo distância para o seu vôo no horizonte dos seus sonhos e sentimentos. Era o cenário de mais um cotidiano marcando a existência de uma família nordestina. Quando o sol ensaiava os primeiros raios do dia e ainda a aurora, em tons de um lindo arco-íris, presenteava com uma fina brisa que pairava no horizonte. O galo, já há tempo, tocava os ouvidos dos assonorentado com seu cântico acalentador. A casa de D. Alexandrina era um colchão de paz. Todas as consciências estavam afundadas no âmago mais profundo da modorra, uma trajetória do limite entre o acordar e o mais pesado estado da alma que esteja imersa no paraíso de suas mentes. O dia amanhecia como se a rua de D. Alexandrina estivesse sido abandonada pelos moradores, era o retrato de vilarejo, rua paralela aos trilhos do trem em que muitos pontos do logradouro a natureza se encarregou de marcar seus encantos verdes, externadas pela beleza pacífica do amanhecer, que fazia do local um celeiro de esperança para os que ali moravam. Dona Alexandrina era a primeira a madrugar nos afazeres domésticos. Enchia uma vasilha com água e ia até a cozinha e em seguia chamava o Alexandre para comprar leite e o pão. Não demorava muito e Severina acordava. Era o despertar de uma adolescente, inebriada pelo sono, com um meigo olhar sereno que abrigava um lindo sorriso. Suas mãos ao rosto, espargiam em forma de um alongamento sinuoso, pressionando os seus olhos com uma expressão de fé, reflexo de gratidão pelo novo dia. Sem nada comentar, dirigia-se com os braços abertos para o aconchego do colo da mãe.
--- Bom dia filha, cadê a bênção da mãe?
--- Benção mãe.
--- Deus te dê muitas felicidades filha.
--- Mãe Josefa se mexeu tanto na cama que eu me acordei durante noite.
--- Foi minha filha!? E você conseguiu dormir, mesmo assim?
--- Sim Mamãe, não vi mais nada, só o clarear do dia...
--- Mandei o Alexandre comprar o leite, vou já por o seu café na mesa filha.
--- O Zé Cabral não pediu para o que chamasse cedo?
--- Sim mamãe.
--- Minha filha, chame seu irmão agora mesmo. Ele está tratando de assunto muito importante e precisa acordar cedo para resolver os seus negócios.
--- Mãe vou me preparar para ir para a escola.
--- Chame a Josefa, a Francisca, Alexandre, Antônio e a Emídia filha, vocês não podem chegar atrasados na escola. Eu não tenho muita escrita mas quero que vocês aprendam a ler e a escrever para serem alguém na vida...
--- Sim mamãe, deixe que eu vou acordar todo mundo agora.
Não demorava muito, Manoel Cabral, esposo de D. Alexandrina aparecia, pegava uma vasilha com água e se dirigia para o quintal, procurando lavar o rosto.
--- Alexandrina, arruma uma toalha para mim.
--- Está bem Manoel, já vou levar.
Depois de lavar o rosto e enxugá-lo se dirigiu para D. Alexandrina dando-lhe um abraço.
--- E aí mulher!!! Conseguiu descansar?
--- Sim Manoel.
--- Hoje tenho muita coisa para fazer, vou negociar um gado que comprei e ver se consigo outros contratos para transportar bois para outros estados.
--- Manoel, essas tuas viagens só me deixa preocupada. São tão demoradas e incertas homem. Fico toda desprogramada, não sei quando vai partir nem quando vais voltar e a falta de comunicação me deixa muito nervosa. Não gosto disso não. Está bom de arranjar outro trabalho que não implique em ficar tão longe da família.
D. Alexandrina falava tudo isso enquanto Manoel cortava fumo na ponta da mesa e enrolava um cigarro de palha, pacientemente. De repente começava a cantarolar.
“Paiana nova, quando for me leve
para estrada nova ou pra linha de ferro.
Lá vem a lua saindo por destras das verdes matas...
Oh! Meus Deus será pecado eu dar um beijo na menina “
--- Hoje tenho muita roupa para lavar e preciso deixar tudo pronto cedo, não quero atrasar o almoço.
--- Alexandrina, não sei o que faço, tenho que trabalhar. Trabalho está muito difícil. Mesmo assim, o que eu ainda sei fazer é tocar boiada e negociar boi. Não consigo fazer outra coisa, parece que não tenho jeito para outro tipo de trabalho. Sei que é difícil, é trabalho duro mas por enquanto é o que tenho nas mãos para fazer. Sinto muita falta de ti quando estou longe de casa e dos meninos. Por enquanto tenho mesmo é que tocar gado...
--- Está bem Manoel, por enquanto temos que suportar essa carga, eu faço o que posso e tenho que dar atenção a tudo e resolver tudo em casa, até compreendo o seu sacrifício. Mas Deus há de providenciar para que as coisas melhorem para o nosso lado.

Antenor Navarro, cidade seduzida pela história, antes batizada por São João do Rio do Peixe, devido ao fato de estar situada a beira de um santuário aquático, por onde atravessava o Rio do Peixe, um dos mais importantes rios da Paraíba, que outrora dera o título original a então, na época, famosa São João do Rio do Peixe, constituindo a bacia sedimentar desse rio, localizada, em sua totalidade, no estado da Paraíba, alto sertão paraibano. Andar na região do Rio do Peixe é mergulhar num passado remoto dos nossos ancestrais, procurando desvendar os mistérios que só a paleontologia e outras ciências podem desmistificar.
Transcorria-se mais um dia, sem que o tempo pudesse esperar para desvendar os desafios que D.Alexandrina e sua descendência teria que enfrentar. Muitas são as ansiedades que cercam a vida desta madre, que assume postura aguerrida ante os valores a conquistar. São desafios, intrínseco a luta de quem tem uma família para criar, suportando toda sorte de dificuldades, não se rendendo aos impropérios, não se esbarrando no que a vida reservou como imolação, a uma guerreira paraibana. Era mais um dia e Severina e seus irmãos, seguiam a fronteira da luta, que a vida tem ensinado a palmilhar. Zé Cabral foi ao centro da cidade em busca de ocupação. D. Alexandrina, acreditava no futuro, investindo, apesar das dificuldades, no estudo dos outros filhos. Era assim, o dia a dia da família. Severina não desprezava as oportunidades e se dedicava com afinco aos primeiros conhecimentos. As barreiras cercavam a vida de D. Alexandrina e Manoel Cabral chegando a refletir na mesa, levando a família a reavaliar, tamanha dificuldade. Havia uma insegurança, manifesta em forma de desestímulo para aqueles que buscavam trilhar o caminho do saber, porta de esperança para dias melhores, entretanto, alem de estudarem, necessitavam laborar. Para D. Alexandrina, o viver era expor um sentimento que acabava em sonhos, fazendo a vida parecer mais real. Esses sonhos passam a ser um alvo que alicerçava toda a força para alcança-lo. Essa ansiedade de D. Alexandrina, refletia-se na vida de Severina que em momento algum, desde tenra idade, vivenciava situações emocionais de sua genitora, estreitando ainda mais os laços em defesa dos interesses defendidos por quem sempre a abençoou.
Hora do almoço. A casa se agitava com a chegada de Manoel Cabral que logo se pegava uma bacia, enchia d´água e ia para o quintal lavar o rosto.
___ Oi mamãe, chegamos!!! Gritava Severina.
___ Oi filha!!! Estou aqui num aperreio. A manhã passou tão depressa que nem percebi. Preciso de ajuda.
___ Oh! Mãe. Não sei se vai dá para agüentar àquela professora. D. Clarice está pegando no meu pé. Eu não aprendi a tabuada e ela implicou comigo e disse que se eu não aprendesse eu ia ficar de castigo. Queixava-se Emídia.
___ Mãe, a Emídia sabe que tem que aprender em casa e levar a tarefa pronta. Na hora, fica gaguejando, sem saber e dá nisso aí... Comenta Alexandre.
___ Mãe! É por isso que eu procuro aprender tudo para não passar vexame. Comenta Francisca. Alexandre e Antônio caem em risos.
___ Não é também do jeito que voces pensam. Ela não tem o direito de ficar ameaçando ninguém, a Emídia esqueceu a tabuada e isso pode acontecer com qualquer um de voces. Francisca se manifestou em defesa de Emídia.
Severina arrumava a mesa, estando Alexandre, Antônio, Francisca e Emídia questionando o que ocorreu na escola.
___ Calma, filhos!!! É lá na escola que voces vão provar que aprenderam alguma coisa e a professora está ali para conferir se voces aprenderam mesmo. Ela tem o direito de cobrar de voces e até de castigar se voces não fizerem a lição direito. Voces pensam que foi diferente comigo. No meu tempo de escola, quando não sabia a tabuada, cheguei a ficar de castigo em uma sala. Outras vezes, cheguei a chorar pois tomei até palmada nas mãos. Não pense que com voces vão ser diferentes ou para que voces acham que tem uma palmatória na classe. Estudar é coisa séria, não é brincadeira não. Eu compro caderno, lápis e farda para voces, se não aproveitarem o que será de voces amanhã. Hoje só tem um bom emprego quem tem estudo.
___ Emídia, faça aqui ligeirinha uma farofa filhas.
___ Francisca pega laranja aí no saco e faça um refresco.
___ Antônio e Alexandre já lavaram as mãos? Façam isso e vão comprar uma rapadura na bodega do Sr. Luiz para agente comer como sobremesa. Não demorem gente, pois o pai de voces já está esperando pelo almoço há muito tempo. Zé Cabral já voltou Severina?
___ Não mamãe
___ Minha filha, ponha uma toalha na mesa agora. Que bom que voces chegaram, essa casa estava tão silenciosa que eu já estava ficando com tédio.
Quase toda a família estava em casa, só faltava Zé Cabral. Só Sr. Manoel Cabral ficara no quintal cortando um fumo bravo, enrolando em um papel para fumar. De longe, se ouvia Sr. Manoel cantarolando suas toadas. “Calabuchu está doente... Hei!!! Hei!!! Hei!!! Doente para morrer... Só um caldo de galinha. Eh!!! Eh!!! Calabuchu sofredor....” Enquanto D. Alexandrina não o chamava para almoçar, ele ficava fumando e se balançando em uma rede, ao mesmo tempo, cantarolava suas músicas de vaqueiro. Não demorava muito e D. Alexandrina gritava.
___ Manoel o almoço está pronto, venha almoçar.
Estavam todos na mesa, D. Alexandrina, Severina e Emídia ficavam preocupadas em servir e todos se deliciavam.
___ Alexandrina o que aconteceu com Zé Cabral, não chegou para almoçar?
___ Manoel ele foi resolver negócios na rua e até agora não voltou, mas logo mais ele aparece.
___ Alexandrina, eu fiz contato com um fazendeiro. O Sr. Amâncio que negociou uns bois lá para o Maranhão e quer fazer um contrato comigo para eu transportar esses bois até lá. Não vai ser por pouco dinheiro. Estou quase fechando negócio, só preciso saber quem vou contratar para me ajudar. A distância é longa.
___ Manoel, não tem jeito de arrumar um serviço que faça voce ficar mais perto de nós homem!!! Já é tão difícil criar esses meninos e voce longe imagina... Pena que voce tenha que trabalhar e ganhar alguma coisa para sustentar essa casa.
___ Alexandrina, a vida é assim. Não tenho jeito para fazer outra coisa se não trabalhar com gado. Também não posso ficar parado. O serviço que aparece é só desse tipo e tenho que aceitar... Vamos ter paciência, trabalho está difícil. Não quero ficar distante dos meninos, sei que eles estão crescendo e logo vão ajudar. Quando estou longe, sinto saudade!!!
Ente uma conversa e outra, durante o almoço, todos se alimentavam, após o que, cada um tomou seu destino. Severina e Emídia ficaram retirando a mesa. Francisca foi ajudar a D. Alexandrina a lavar a louça e a preparar um café. Alexandre e Antônio foram para o quarto e fizeram a sesta. Não demorou muito e Zé Cabral voltou.
___ Oi gente!!! Estou com uma fome...
___ Meu filho, na cozinha tem comida, faça o seu prato. A comida está em cima do fogão. Filho tem carne assada, farofa, feijão e um suco em cima da mesa. Porque voce demorou tanto filho?
___ Mãe! Estou tentando fechar um serviço, conversei com um amigo e ele me convidou para tomar conta de um negócio, acho que vou ganhar uns trocados bons!!!
___ Ah!!! filho, tomara que voce consiga...
Aos poucos a tranqüilidade tomou conta da casa, quando todos procuraram descansar após o almoço. Zé Cabral foi o último a aceitar a sesta. Já passava do meio dia e sol estava a pino. Após o almoço, todos se rendiam ao descanso. Se via poucos transeuntes na rua, apenas algumas crianças se aventuravam, brincando nas calçadas e outras jogando peteca. No período da tarde, após acordar, o Sr. Manoel, como de costume, foi ao quintal com uma bacia d´água, lavou o rosto e calmamente preparou um cigarro de palha cantarolando, saindo, em seguida, com destino, ao mercado da cidade. D. Alexandrina voltou para o seu ofício de engomadeira e começou a passar roupa. Emídia, Severina e Francisca aos poucos foram despertando para os seus afazeres naquela linda tarde. Alexandre e Antônio, como bons garotos brincalhões, foram para a rua brincar e o entardecer continuou ensolarado com todos os moradores envolvidos no cotidiano rotineiro da cidade. O sol na matriz esculpia a torre como um sinal, apontando para o céu, expressando a fé de um povo.




Um crepúsculo, com os raios do sol abrindo-se em leque, esculpidos em tons sobre tons, um arco-íris coroando a cidade, era o cenário de uma beleza divinal. A comunidade estava mergulhada em seus afazeres de um final de dia, ensaiando os primeiros atos para vivenciar mais um início de noite que estava para principiar. Via-se nas ruas, moradores colocando nas calçadas cadeiras e bancos, alguns já se sentavam e outros conversavam. Na praça, crianças ensaiavam algumas brincadeiras. O sino da matriz marcava as horas, ao mesmo instante, atraia os devotos para a missa das 18:00hs. O homem passava na rua, levando nas costas o sustento da família, sentia-se satisfeito, alimentando esperança de chegar em casa e levar alegria para os filhos e esposa. Um quadro se formava nas cabeças dos habitantes do povoado, tendo ao fundo a visão de uma paisagem vislumbrante, um descanso a deleitar-se, o encontro de familiares, o desejo do aconchego do lar...
João chegara ao depósito, antes, passara na estação e conversara com o chefe da estação, cumprimentara o manobrista e o auxiliar, bem como, os despachantes e carreteiros. Procurava se inteirar de sua missão para o dia seguinte. Dirigiu-se ao Agente da Estação e indagou:
___ Sr. Nelson como está a programação para amanhã? Quem vai ser o maquinista da composição que sairá com destino a Iguatú?
___ João Flor, estive vendo a escala e deve ser Celestino o maquinista.
___ Tem alguém escalado como foguista? Se não tiver, estou pronto para viajar!
___ João! Gostei de voce haver comparecido aqui, preciso decidir isto com antecedência. Voce me dá um tempo. Vou mandar alguém na casa do Celestino e pedir para que ele compareça aqui e definiremos já esta situação.
___ Está certo. Enquanto isto, eu vou ao depósito para ver como estão as coisas.
Não demorou muito e Celestino, um velho maquinista, chegava à estação. Parecia sonolento, como quem tinha dormido pouco ou se exacerbara na bebida.
___ Pois não Sr. Nelson.
___ Celestino! É voce que vai conduzir a composição amanhã até Iguatú, já vi na escala, gostaria de saber se voce já tem um foguista para auxilia-lo?
___ Na realidade eu tenho, o Damião, mas fiquei sabendo que ele está meio adoentado, pegou uma gripe e está acometido de febre, não sei se vou poder contar com ele...
___ Celestino, o João Flor compareceu aqui e está atrás de serviço, caso não possa contar com o Damião, acho melhor voce já definir esta situação para que a composição saia na hora.
___ Ah! o nego João Flor, esse eu já conheço, é muito bom de serviço. Onde ele está? Vou já falar com ele.
___ Está bem. O João Flor foi ao depósito, dá uma passada lá e acerta tudo Celestino.
___ Certo chefe. Fica combinado assim.
Celestino se dirigiu ao depósito e encontrou João Flor e já definiu que viajaria com ele. João se animou com mais essa oportunidade, acreditando que a experiência faria com que logo, pudesse galgar o posto de maquinista, esse era o seu maior anseio. João Flor tinha uma grande virtude. Era pontual em seu ofício, não falava muito mas era zeloso no serviço, como também em seu capricho pessoal. Andava sempre bem arrumado, roupa engomada, sapato engraxado, camisa impecável. Mesmo em serviço, fazia uso de materiais como estopas, flanelas, que o deixava sempre com a aparência agradável.
Definida o seu próximo serviço, João Flor não perdeu tempo e resolveu passar na casa de D. Alexandrina. Algo o atraia para aquele lar. Embora se sentisse intimidado por não ser um Don Juan, seu coração alimentava a esperança de conquistar o coração jovem da bela Severina, que embora fosse adolescente, já ensaiava seus primeiros flertes em segredos que só o seu coração podia revelar. Uma bonita moçoila, ainda buscando experiência na convivência materna, mas inteligente e decidida. Pertencente a uma família de origem portuguesa, trazia em seu rosto traços europeus, uma pele branca e macia como uma rosa, com a aparência mais para o lado de D. Alexandrina. João Flor sentia uma expectativa no ar, um desejo movido por um sonho. Ao ensaiar os primeiro passos para a casa de D. Alexandrina, sentia-se como se fosse conquistar uma princesa em um castelo. O que parecia difícil, encetava em pensamentos, a glória de uma conquista. Assim necessitava ir ao encontro de Severina para ver se era real esse sentimento ou se isto poderia subsistir em meio a tantos olhares. Mesmo assim, amoldou-se a um padrão que acreditava ser imbatível, como se revestisse de uma armadura, que o protegeria de todos os empecilhos e barreiras que dificultasse sua conquistar. Delineou em seu coração, parâmetro que deveria utilizar para conquistar o imaginável palácio, alienou a isso, um quadro natural de sua personalidade: postura integra, atitude sincera, preconizando acima de tudo a sua lealdade. Por outro lado, esbanjou suas qualidades pessoais, a postura de um jovem garboso, zeloso, qualidades inerentes a sua forma de viver, para com isto, chamar a atenção da então jovial Severina. Com o coração cheio de sonhos João Flor chegou a casa de D. Alexandrina.
___ Ola! D. Alexandrina, tem alguma roupa já pronta. Preciso apanhar pois amanhã estarei viajando.
___ João Flor, já vai viajar de novo!? Estas viagens estão ficando muito freqüentes, acho que voce vai terminar sendo contratado para trabalhar de vez na estrada de ferro.
___ D. Alexandrina, não vejo outro trabalho por enquanto, creio que está se abrindo uma oportunidade e não posso deixar passar. Imaginar que já lutei tanto para chegar onde estou e ganhar a confiança dos que me conhecem. Não posso desperdiçar tempo.
____ João, voce é um rapaz muito bom, não digo isto por estar em sua frente mas vejo suas atitudes e a maneira como voce encara a vida. Espero que voce consiga.
____ Mãe, onde está a Emídia? Estou arrumando o quarto e as coisas dela estão todas fora do lugar...
____ Severina, minha filha, não vê que eu estou ocupada atendendo...
____ Oh! Mãe! Desculpa. Pensei que estava sozinha. Boa tarde João Flor...
Severina suspirou quando viu João Flor e ficou sem jeito. Seu coração bateu forte, tinha um quê de admiração. Ficava como uma criança, com ar de riso ao mesmo tempo expressando seriedade... Algo estava mudando sua cabeça e a fazia pensar diferente, sentia-se admirada por João Flor e por outros rapazes que compareciam à casa de sua mãe. Não entendia que seu coração seguia os mesmos caminhos que um dia sua mãe se deparou, caminho que a transformava, fazendo-a deixar de lado as coisas de criança, procurando o lado sério da vida, descobrindo novos horizontes do seu interior. Sobre o seu corpo, pairava a admiração de ser jovem, inteligente e bonita, a ponto de atrair os olhares de tantos rapazes. Já aos quatorze anos, definia em seu corpo os traços de uma linda adolescente com os atributos de mulher. Uma jovem voltada para o futuro, ocultando os seus segredos em gestos e atitudes, palmilhava os seus primeiros passos, desvendando o segredo de ser uma dama...
____ Boa tarde Severina.
____ Olá João! Tudo bem.
____ E aí Severina, onde estão seus irmãos?
____ Aqui em casa, os homens só se encontram no café, no almoço e no jantar. Papai foi a rua, juntamente com Zé Cabral, Antônio e Alexandre estão se divertindo no rio e ainda não voltaram. Emídia e Francisca devem está lá pelo quintal.
____ Estou pegando minhas roupas. Vou viajando amanhã.
____ Deve ser bom viajar de trem, eu nunca viajei para lugar nenhum.
____ Estou viajando como ajudante do maquinista, sabe como é, aquele que pega no pesado, alimentando a fornalha da máquina.
____ Uhm! Deve ser pesado mesmo, só quem é forte pode agüentar esse serviço mas deve ser bom, pois se conhece muitos lugares...
____ Realmente é bom conhecer lugares novos, eu pessoalmente gosto e espero ser contratado, pois um dia sonho em ser maquinista.
____ Nossa, voce está querendo ir longe mesmo. Imagino voce dirigindo sozinho um monstro de máquina tão grande... Deve ser o máximo.
Dona Alexandrina, sentindo que a conversa estava se alongando e temendo a chegada de Alexandre e Antônio, assim como de Manoel Cabral, achou por bem intervir, temendo que os irmãos e o pai não gostassem de ver Severina conversando tanto com João Flor, um negro que não despertava tanta atenção e que poderia suscitar ciúmes.
____ João Flor, aqui estão as suas roupas, como sempre, as menos sujas, nem parece que voce trabalha com coisas que deveriam deixar-las imundas de tanta sujeira.
___ É o que eu sempre falo, procuro conservar minhas roupas pois nem sempre estou podendo comprar outras...
São os ossos do ofício D. Alexandrina. Quanto devo?
___ Bem, são três camisas e quatro calças, sete pares de meia e cinco cuecas, tudo foi vinte e cinco reis João Flor.
___ Está aqui. Muito obrigado.
___ Faça uma boa viagem. Espero que seja contratado, voce merece.
João saiu da casa de D. Alexandrina com os pés nas nuvens, teve a sorte de conversar com Severina que apesar de adolescente, aos quatorze anos, conseguia conversar e expor seus pensamentos. Saiu pisando leve como se o olhar de Severina tivesse seguindo os seus passos. Não poderia ser melhor, aquele final de tarde. A esperança rondava o coração de João Flor, alimentando seus sonhos de um dia ser maquinista e aliado a isto, no fundo do coração, uma centelha de expectativa de conquistar o coração de Severina.
A cidade mergulhou nos últimos raios de sol e estagnou o tempo, como se a noite adormecesse a cidade e fosse feita para o aconchego no recôndito do lar, depois de um dia de trabalho. Na praça às escuras, os jovens ensaiavam os últimos passeios e as meninas se despediam em direção as suas casas. A única coisa que quebrava a monotonia da cidade era o sino da igreja matriz que marcava a hora do Ângelo e convidavam os fieis para a missa das sete horas da noite. Na casa de D. Alexandrina, os filhos Alexandre e Antônio retornaram do rio. Manoel Cabral, após fumar e cantarolar suas músicas de vaqueiro, estava no quintal tomando banho.
As jovens Severina, Francisca e Emídia brincavam na calçada, à luz de um candeeiro que estava aceso na janela. D. Alexandre preparava o jantar, a base de farofa de pão de milho, café, leite, carne de sol, batata doce e inhame. A noite veio apaziguar os corações dos moradores da cidade que se recolhiam em suas moradias. Apenas algumas bodegas ficavam abertas e a cidade mergulhava comodamente numa escuridão, apenas destacadas pelas lamparinas acesas nas casas. Após o jantar, toda a família se reunia na calçada sob um céu límpido e estrelado. D. Alexandrina fazia cafuné na cabeça de Severina. Emídia, Francisca sentavam-se ao lado comentando os acontecimentos do dia. Alexandre e Antônio brincavam e de vez em quando tiravam prosas com as irmãs. Zé Cabral, como sempre, sentava-se com uma bacia e mergulhava os pés na água e ficava falando dos negócios realizados no dia. Manoel Cabral contava as propostas de serviço que estavam para ser firmadas e cantarolava algumas modinhas...
”Calabuchu está doente, Eeeeih!!! Doente para morrer. Só um cardo de galinha...” e assim ficavam até o sono chegar e todos se recolherem para o merecido descanso.





(LEIA O VII CAPÍTULO DA HISTÓRIA DE DONA SEVERINA, NA PRÓXIMA SEMANA - NÃO ESQUEÇA, CADA SEMANA, UM CAPÍTULO DE “SEVERINA, UMA RAZÃO DE AMAR, VIVER E SER FELIZ” *** SEU GRANDE AMOR, SUA HISTÓRIA, SEUS FILHOS, SUA FAMÍLIA, FATOS PITORESCOS E SUA LUTA, SUA GRANDE PAIXÃO... NA PRÓXIMA VEZ QUE ACESSAR ESSA PÁGINA)...


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