Um anjinho e uma anjinha subiam aos céus pela primeira vez. Curiosidade, ansiedade e nervosismo dominavam as angelicais criaturas.
- Anjinha, como será o paraíso? Será que é tudo aquilo que dizem?
- Puta m..., anjinho...
- O que é isso menina? Quer perder as asas agora mesmo e despencar daqui de cima?
- Foi um lapso, perdoe-me.
- E o que teria você a me dizer sobre o Éden?
- Bem, aquilo que é dito.
- Isso eu sei, mas o que você como futura habitante espera?
- Antes de lhe responder posso confessar uma coisa?
- Diga.
- Estou com medo de não agradar musicalmente. Não domino muito as partituras, e tocar harpa nunca foi o meu ponto forte. Todas aquelas cordas, aquela pedaleira toda. Sei lá, anjinho.
- Relaxa, você aprende. Teremos toda a eternidade para aprender a tocar bem.
- Tomara. Bem, mas respondendo a sua pergunta...
- Demorô...
- Espero encontrar seres celestiais como nós. Espero que tudo aquilo que seja provido por nosso Senhor seja aceito e respeitado. Aqueles que tem olhos castanhos, que mantenham castanhos, que os azuis permaneçam azuis e que os verdes assim continuem a encantar.
- E os vermelhos?
- Ao paraíso esses não pertencem anjinho. Ficam no andar debaixo...
- Ah...
- Também espero poder entender o que as pessoas fazem de suas vidas. Uma visão acima do fato sempre nos proporciona maior possibilidade de interpretação e compreensão.
- Será que chove muito lá?
- Claro que não. Acima das nuvens estaremos. Anjinho, como você é bobo!
- Sou?
- Sabe, estou cansada de voar.
- Por que escolheu as maiores asas? Eu peguei essa pequenininha mesmo, de segunda mão. Está meio depenada e por isso é mais leve. Você, como mulher, pegou as maiores e mais suntuosas... Eu é que sou o bobo?
- Quer discutir o sexo dos anjos como aquele Concílio Bizantino?
- Longe de mim. Vamos dar um descanso naquela nuvem.
- Não, prefiro chegar logo lá para fazer o check-in. Espero que não enfrentemos fila.
- Boa idéia. Mas, me diga outra coisa... será que teremos as respostas que os terrenos tanto anseiam?
- Por exemplo?
- Vida pós-morte, por exemplo.
- Havendo ou não, acho que a vida na Terra deveria ser aproveitada da melhor maneira possível. Assim, se não houver outra, pelo menos a vivida não terá sido motivo de arrependimento para todo o sempre. As pessoas sempre desperdiçam seu tempo com coisas e pessoas fúteis, jogam fora momentos de felicidade real por imaturidade, mesmo que a idade não mais seja para isso. Crescer é preciso.
- Como assim?
- Lembra do que lemos no Dossiê Celestial? O caso daquela menina que era apaixonada por um rapaz que também era apaixonado por ela? Ela tinha fixa a idéia de que não podia demonstrar a ele que sentia algo mais que amizade. Esperava que ele tomasse a iniciativa.
- Mas ele jamais faria isso. Afinal, ele não se sentia...
- Sim, e ambos acabariam tomando diferentes atalhos em suas vidas. Caminhos separados.
- Mas, afinal, o que ele queria?
- Saber...
- Saber o quê?
- A resposta que ele ansiava...
- Você está muito enigmática.
- Melhor do que ele, que vivia sorumbático.
- Veja, chegamos!!!
- Como é lindo!!!
Um ano depois...
- Então, depois de tanto tempo, o que você pode dizer do Paraíso, anjinho?
- Adorei. Aqui as coisas são claras. O que é sentido, é dito. O que é dito, é sustentado.
- E eu gostei da ternura com que as pessoas tratam as outras. Sem mesquinharia, sem fofoca, sem inveja. Todos fazem tudo por amor, fazem de coração. Pena que não seja assim lá embaixo.
- Lá embaixo ou mais abaixo?
- Não há muita diferença hoje em dia, anjinho.
- Será que não poderíamos descer para ajudar?
- Não. Cada um deve saber como transformar sua vida em um paraíso. Um passo de cada vez, uma palavra após a outra, uma batida de coração mais forte que a anterior. Sentimento, razão, desafio, coragem. Não é fácil aceitar que é difícil crescer. Não é fácil aceitar que o Paraíso existe. Basta querer, basta construí-lo.
