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cronicas-->Saudades, Celeiros e Canteiros -- 01/05/2004 - 22:03 (Luciene Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Saudades, Celeiros e Canteiros

Tenho um celeiro. Cheira a bosta de galinha e a canteiro de rosas, pois ao lado dele está meu jardim. Foi assim que minha primeira mãe me ensinou. A ter todos os filhos, os bons e os maus, a seu lado. Dizia que "pisada de galinha não mata pinto". Por isso, quando um dos filhos fazia arte, batia neles. E a todos educou a seu modo. E foi assim que todos se tornaram humanos. Nem melhores, nem piores.
Eu?
Eu olho o celeiro e o canteiro. Oro pela consciência do mundo, cozinho feijão de corda e faço bolos de mandioca. E, às vezes, quando olho meu rosto no espelho, é o dela que vejo.
Já fui mulher de cidade grande. Viajei pelas Europas, pelos Tio Sam e pelos lados da Angola. E de todos os estudos que tive, nenhum me ensinou a ser melhor que toda a raça humana. Então, aportei aqui. E foi nesse pedaço de mundo, em casa mal caiada, que aprendi a sossegar meus ossos. Foi aqui que aprendi a curar-me das mazelas que já provoquei e também a tentar amenizar a saudade dos olhos dela que me seguiu mundo afora.
Depois de tantos maridos, de tantos filhos, de tantos netos e, agora, de alguns bisnetos, presumo que eu tenha chegado a esse rumo por causa do acumulo do que vi. Depois de ver atrocidades, benevolências e também maledicências, sai andando por aí e encontrei um retrato dela. Antigo. De mil novecentos e algumas épocas. E senti, de novo, a saudade rompendo minhas veias. E senti-me como ela. O clarão de meus olhos vão se apagando e sinto como se a visse outra vez. Só que ela não está mais aqui. Habituei-me, de resto, a dormir com uma oração sob o travesseiro. Assim, eu digo a ela que em sua ausência eu nunca mais fui alguém.
A oração é uma carta. Escrita por um moço chamado Drummond. Eu a li quando criança, quando nem sabia ainda a que amor ultimo estaria acorrentando meus últimos dias.

Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo,
estes sinais em mim, não das carícias
(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que ao sol-posto
perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
"Deus te abençoe", e a noite abria em sonho.
É quando ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.
Talvez, manhã dessas, eu não desperte mais aqui. Talvez, noite dessas, eu me pegue andando no paraíso, repetindo a oração. E, quando me der conta de que vivo não mais em corpo mas em espírito, eu pergunte a quem me receber "cadê ela, cadê o meu amor?"
E quando me encontrar com ela, talvez, de quebra, eu encontre-me também com o que escreveu a carta, a que eu oro para ela.
E o celeiro e o canteiro serão apenas simples peças que a ela poderiam me levar. E existência terá chegado a seu fim.

L.Lima
(Texto apresentado "A carta". De Carlos Drummond de Andrade)
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