Valdecir é peão. Monta cavalos em torneios por todos os rincões do país disputando prêmios. Participa também de exibições eqüestres. Muitos tombos no caminho, tem um capitalzinho arrumado e pensa em casamento. Recentemente encontrei-o em Restinga, a mancar e a gemer a cada passo.
--E aí, Valdecir... o que aconteceu?
--O senhor lembra da mula preta que comprei do Barrinha?
--Lembro! -disse a ele.
Valdecir foi avermelhando o rosto, o pescoço engrossou e prosseguiu com voz raivosa, rascante:
--Pois é... bonita, escanelada, passo de dançarina. Comprei arreio novo e pindurei os adorno; comprei bota e chapéu novo, amarrei o cinto de campeão e vim pra cidade exibir minha beleza. Tudo pra me mostrá pra moreninha dos meus sonhos, que tá mais arisca que juriti na paiada. Passei em frente da casa dela, pra lá e pra cá, até que ela saiu na janela.
A emoção aumentando, Valdecir:
-Aí, vibrei o chicote, finquei a espora e apertei a rédia, pra mula empina. E num é que a disgraçada feiz um papelão, um aranzel do diabo. Olha... eu sou pião. Num sô coboi, que isso é coisa de fresco e de gringo americano. Tambéim num sô vaquero tiradô de leite, nem boiadero que empurra o gado no mato. Sô pião testado e provado nas raias do Brasil!. A mula pisoteô, cascateô, pulô, pinoteô, corcoveô, deu di banda, girô desorientada e desembestô numa carrera disgraçada, até que eu num güentei e bundei na braquiáia, quebrano a bacia. Já faiz trêis meis qui eu tô nessa situação. Agora mesmo vi a moreninha, que me olhou e ficô rino de mim, meio de lado. Coisa di minina inocenti qui ta florino muié.
Respirou fundo, acalmou-se, os olhos se iluminaram e, com a secular diplomacia matreira do caboclo, perguntou-me:
--O sinhor num qué mi compra a mula ?...
José Eurípedes de Oliveira Ramos
Da Academia Francana de Letras
