SONHO DE NATAL (*)
“--Quarenta anos!... acreditei que tivesse morrido...
“--E morta estou... não acredite em aparências. A vida tem encontros e desencontros tão estranhos que parecem novela barata de televisão. Contá-los é cair em pieguismo ridículo, infelizmente.
“--Mas...
“--Perdi meu único filho, que também era seu. Saí do sol e fiquei sozinha no escuro, e no caminho tentei apagar a luz das estrelas. De olhos cansados, andei pela noite fechada, por ruas vazias em que tentei me esconder, enquanto o vento frio girava endoidecido e sem rumo, como eu mesma. E o mundo afora, esquecido e quieto, parecia escutar a solidão dos meus gritos mudos. Entrei em portas de fuga e dor. Chutei latas de lixo. A mente rompida perdera as bases íntimas e aquelas de fora nada mais me diziam. Deitei-me com um desconhecido, ouvindo música de Natal no rádio.
“—Eu não sabia!... Você sempre foi articulada, racional...
“--A verdade é que me embriaguei com a esperança de descansar em algum lugar, à sombra de uma árvore ou de uma montanha imponente; sonhei ter de volta minha casa, pintar um arco-íris nas paredes e aprender a tocar violão. Adoraria destrancar-me por dentro, romper o medo que me cerca... a doença que não acaba... essas paredes surdas... Entre grades e olhares, solitária esperei receber uma carta, uma visita, um sinal de mão amiga. Mas, existe entre nós –o mundo e eu— uma parede de vidro: vemos, mas não nos aproximamos: os outros se afastam e eu me encolho. Hoje, só resta meu filho no coração, coração de tudo o mais vazio, onde nem a loucura encontrou caminho.
“—Reze...
“--Nesses quarenta anos foi só o que fiz e ainda imploro e espero que, ao menos uma única vez, a paz do Natal se estenda à minha sombra e pouse em minh’alma. “
(*) Triste? Choroso? Assim ouvi contar e, tanto quanto pude, tentei reproduzir.
José Eurípedes de Oliveira Ramos
Da Academia Francana de Letras
|