Vim para Brasília no ano da sua inauguração, 1960, mas meu pai, Luiz Pellizzaro, já estava aqui há pelo menos dois anos, trabalhando na legendária Construtora Rabello. Engenheiro civil, mineiro e amigo de Juscelino, a sua primeira obra foi a barragem do lago Paranoá, local de nossa primeira moradia. Em 1962 fomos morar na Vila Planalto, próximo ao Campus da UnB. Acompanhei de perto a construção do ICC, do qual meu pai foi responsável técnico. Mais tarde fui aluno, também de engenharia.
Até essa época, a garotada da Vila Planalto frequentava um local por nós conhecido como Brejinho, ou Minhocão. Era como um oásis no deserto. Em pleno cerrado ressequido, erguiam-se árvores monumentais, em uma mata que abrigava uma impressionante nascente d água borbulhante. A vazão era enorme. Parte dela era canalizada em curva de nível, no rumo do atual Centro Olímpico, de onde despencava de uma altura de uns oito metros. Ali os caminhões-tanque iam buscar água para as obras. Nos intervalos, a garotada entrava debaixo do delicioso jato de água gelada. As terras circundantes eram grudentas, riquíssimas em húmus e continham uma quantidade extraordinária de minhocas puladeiras e minhocuçus. Tudo isso ficava nos locais onde hoje erguem-se os prédios da Reitoria e da Biblioteca Central. Um dia, ficamos sabendo que o nosso Brejinho ia ser derrubado. Organizamo-nos, juntamente com muitos peões, para defender o nosso tesouro. A polícia foi acionada e retirou à força os manifestantes. Assistimos consternados dois tratores de esteiras D-8, com um correntão, arrasar em poucas horas aquela preciosidade. As árvores derrubadas, tudo aplainado e aterrado. Em nome do progresso... quanta estupidez !!! Por alguns anos, a nascente teimosamente ainda brotava um fio dágua, embora a maior parte tenha sido canalizada subterràneamente para o lago. Irónicamente, tempos depois, soubemos que o prédio do ICC, antes mesmo do seu término, já tinha um apelido: Minhocão. Mas era um Minhocão de aço e concreto, e não aquele que conhecemos, maravilhosamente construído ao longo de muitos séculos, pela mão na Natureza, para sempre perdido.
Essa a triste estória. Que fique como lição aos mais novos, para que saibam que a natureza destruída cobra mais tarde a sua conta aos homens. Se hoje a UnB sofre com a falta de água, é por esse erro histórico, que reputo como uma verdadeira catástrofe, um dos primeiros crimes ambientais praticados na construção de Brasília. Caso não tivesse sido perpetrado, hoje a UnB teria um verdadeiro parque ecológico, dentro do seu Campus ! E com autonomia de água, de ótima qualidade.
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