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Contos-->Carla, você precisa viver. -- 09/01/2006 - 11:35 (Paulo Milhomens) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Sandra, querida.


Completou seis meses esta semana, que não me ligas. Poderia me dizer o motivo da raiva? Ou desatino? Sinceramente, achei que me amasse. Não precisa vir me dizer aquelas mentiras de sempre, não preciso mais alimentar aquelas estórias. Isso é tão absurdo, te escrevo cartas e bilhetes, envio-te e-mails e, nada. Absolutamente nada. Achas que não tenho prazer na sua amizade? – de senti-la, vê-la, sonhá-la?. Gostaria que entendesse uma coisa: meu amor por ti não diminuiu. O verdadeiro amor não desaparece assim, da noite para o dia, como se fossem os astros do céu. Na minha constelação, há uma estrela que nunca irá se apagar. Todas as noites eu olho para ela. Está sempre linda como você. Não, realmente não sabes nem metade do que sinto, dos desejos insanos que tomam conta de mim mesma e ouço sua voz, cada vez mais próxima dos meus lábios. Sinto suas mãos macias, os fios finos e cheios dos cabelos castanhos que povoam minha mente. Só a imaginação não basta, não é? Eu sei, a vida é muito mais do que devaneios tolos por alguém. Certa vez tu me dissestes que, independente do que acontecesse entre nós, sempre diria o porquê de uma não abandonar a outra. Não consigo acreditar que fui tão ingênua – já não bastava teu temperamento – a ponto de sair da casa de meus pais por tua causa. Tolice acreditar na minha “irmã” àquela altura. Tudo que existia lá fora era digno de enfrentamento. A vida não é feita de sonhos que se tornam realidade, mas de realidades que não sonhamos. Mas estava decidida, com meu amor enfrentaria tudo ( e a todos, se necessário fosse ). Por ti poderia ir a qualquer lugar, faria qualquer coisa, nada tinha tanta importância para mim quanto o banal fato de estar contigo. Eu não queria explicação, só pensava numa única coisa: experimentar a ti. Tu não imaginas como sofri naquela dia, aliás, sofro até hoje. Os brados de minha mãe, meu pai mudo. Tu fazes idéia disso? Sair de casa por causa de uma mulher e não de um homem? Às vezes tenho a impressão que fui tão usada quanto falsamente amada. Não é a mesma coisa. Na sociedade patriarcal dos machos, boceta significa troféu. Mesmo que fosse arrancada de meu lar por um monstro ensandecido por sexo, na minha submissão largada de prestígio, meus familiares teriam chorado menos. Lêdo engano. Provoquei as chamadas reações ordinárias. Fui lamentar-me em teu colo, seu apartamento ficaria inundado de lágrimas não fosse os calmantes. Passei dois dias muito mal, mas não arrependida: tinha você. Isso bastava. Seria o início de uma longa vida juntas, trabalhando, estudando, viajando, fazendo cursos ( o de fotografia em Portugal ) e muitos planos. Compraríamos um apartamento maior, depois que eu terminasse a faculdade seríamos como duas divas da Comunicação Visual. Mágica & Sonhos, o logotipo que tu criastes. “Nosso sonho gata, nosso sonho”. Encarei a saída de casa com menos dor depois de suas longas explanações sobre a vida. Sua história me interessava, tu estavas sempre linda, aquela sua voz bem articulada. Os poemas da Hilda Hist, as situações darcquianas, nossa relação Almodóvar de mundo – éramos felizes enquanto fazíamos um barulhaço na hora de preparar o almoço. Em pouco tempo morando na Itapetininga nº 3865, com suas ruas e bares cinematográficos, comprei uma bicicleta para ir ao trabalho. O emprego na produtora de Ronaldo veio como uma benção, lembro ter passado à tardinha lá na catedral para agradecer minha nova vida, o emprego. O dia foi tão perfeito que, juro por Deus, pedi a ele que o tornasse eterno. Se todos os dias de minha vida fossem como aquele, não trocaria minha vã felicidade por nada deste mundo. Morreria em meus arrependimentos.

“ O interessante é tudo que interessa outrem mediante a surpresa de entender a vida e suas surpresas, sejam amargas ou doces...”

O que eu mais queria, era escrever nossa história. Transformar as coisas simples em grandiosas tinha um significado especial para mim. A necessidade de produzir um reflexo saudável de tudo que se vive – fazer os outros sentirem a necessidade de ver a felicidade de outra forma. Quem, neste mundo, não sonhou com a felicidade eterna ( se é que ela existe ) em seus sonhos fechados? Achei que a mais pura necessidade do convívio bastaria. O que era valioso para mim, aos poucos passou a ter uma importância menor para ti. O tempo foi passando e senti as coisas um pouco diferentes. Não era semelhança insólita de dois sexos geneticamente iguais. Eram duas almas distintas agora, coisa que, juro por mim, não notara antes . Independentemente disso, as questões da vida a dois tendem a se resolver de acordo com o temperamento mais brando do outro. Nem sempre essa dialética funciona, claro. Mas a necessidade de trabalhar a paciência quando estávamos juntas, nem sempre acompanhamos isso. Nossas ocupações profissionais não significavam tanto, essa parte da equação fora resolvida há tempos. Uma coisa que não suportava, era ter que admitir a possibilidade de dividi-la com outra pessoa. A fina agulha que atravessara meu coração, espetara a dor com mais intensidade depois daquela ligação no seu celular, quando estávamos no Bexiga, na peça do Durval. Pela primeira vez, em três anos de relacionamento, seus olhos mudaram de cor, a face ficou seca. Havia algo ali. Não se tratava de um corriqueiro ciúme – não condizia com seus ataques sentimentais de começo de namoro – , fiquei atônita. Senti uma tensão amarga, não consegui mais concentrar-me durante o espetáculo. Percebi, serenamente, que o meu sofrimento começaria ali mesmo, não identifiquei de imediato – nem podia – o gênero da ópera. Uma tragédia perfeita ou um drama interminável de brigas e discussões. Detestava quando discutíamos e não olhava-me nos olhos. Sabia que estava mentindo. “ A Carla, qual é? Só falta agora começar a sentir ciúme dos meus amigos”. Alguma coisa durante um relacionamento fá-nos aguçar os sentidos. Eu sabia que minha mediunidade não era falha, impreterivelmente naquela hora. Bastaria a vida toda para saber por um momento o que estava acontecendo. A sensação de medo era desconcertante demais. Eu só queria somente ir pra casa. “A Carla, qual é? Só falta agora começar a sentir ciúme dos meus amigos”. Tu dissestes tudo. Não podia comentar mais nada. Nem queria. Esse acontecimento não diminuiria minhas atenções para contigo. Um ano marcante: 1999.

Na manhã seguinte resolvi não tocar no assunto. Também não fui trabalhar. Liguei na agência com a desculpa que tinha de resolver uns problemas. Passei a manhã reflexiva, inconstante. Como uma simples cena suspeita ( coisas minhas ) poderia tornar uma manhã longa. Claro, quando você saiu eu menti. “Não vai se arrumar para o trabalho? “Vou, hoje posso chegar mais tarde”. Olhou-me de soslaio mas não deu muita importância. Não retruquei, como meu temperamento sempre fora mais brando que o teu, era fácil contornar ( ou melhor, evitar ) certas situações. No fundo, sabia dos riscos que estava correndo. Minha natureza submissa, relativamente ponderada nas situações adversas, definia meu comportamento conjugal. Dividir tudo contigo era simples ( por incrível possa parecer ), menos uma coisa: teu caráter. O problema era que Deus havia lhe dado um cérebro perigoso e uma boceta gostosa. Tu convencias um homem com a palavra, com gestos, situações, usava-os como querias. Era estranho para mim ver-te rindo de coisas tão sombrias que era capaz de fazer. Claro, tu jamais escondeu a predisposição ao sexo oposto. Os homens que haviam namorado contigo confirmavam isso e um pouco mais. Lembro dos casos interessantes que costumava dizer: um tal Roberto, Guilherme, Franco. Homem nunca significou nada para mim. Quando fiz minha primeira análise com psicólogo, falei dos meus desejos, das “esquisitices” tratadas por minha mãe. Ser filha única era um mal. Meu psicoterapeuta, Cláudio Picazio, acostumado a atender casais hetero e homossexuais, manteve um vínculo importante na minha vida. Éramos dois gays confidenciando a vida. Consultava três vezes por semana e, sempre que podia, fazia questão de exceder o tempo. Não sei porque estou lhe dizendo isso agora, mas hoje tenho consciência que naquela época não usavas de forma saudável tua bissexualidade. Em várias conversas falamos de nosso amor mútuo. Dizia que estava certa do que encontrara, o que não incomodava certas desfeitas da natureza humana. A caixa de Pandora, que libertou os males da escuridão na Terra, deve ser a metáfora das paixões humanas. Na mitologia hebraica, temos a maçã e a criminalização da mulher, com aquele papo da costela – sempre metade, meio, atrás. Muitas pessoas passaram a não mais discutir a sexualidade por pura mitologia. Não me considero judia nem cristã. Não sou adepta do Opus Day ortodoxo, tampouco do Vaticano. Tu costumavas dizer que os padres eram gays – ou quase todos – por saberem instintivamente que o orgasmo retal era uma sensação religiosa. Aquelas tuas predileções por Marquês de Sade eram bem diferentes dos sentimentos que nutrias por Jean-Paul Sartre. Isso não abalava tua aguda inteligência pela Enciclopédia da Filosofia nem pela Divina Comédia de Dante. A palavra de cunho pejorativo sodomia, remetia à Sodoma, destruída pelo fogo do céu do Senhor. Os motivos? Estava cheia de homossexuais. Nem a mulher de Ló foi poupada, ao olhar para trás durante a fuga, foi petrificada. O que ela escondia, afinal? Se todas as vezes que fosse beijar a boda de uma mulher pensasse nessas coisas, me transformaria num demônio. As mulheres beijam melhor do que os homens. Não por causa daquele papo retrô da sensibilidade feminina, brandura, candura, que eu não agüentava mais. Questões biológicas, droga. A textura da pele feminina é muito diferente. Até a saliva masculina é mais grossa. A grande maioria dos homens mal sabe pegar numa mulher. Recordo do Alex, meu namoradinho, tão bonitinho, carinhoso, um amor. Era uma exceção. Foi minha primeira paixão da infância e, talvez, da minha vida. Queria ser engenheiro e casar-se comigo quando crescesse. Beijá-lo atrás do muro da escola passou a ser meu divertimento todas as tardes. Eu tinha 12 e ele 13. Estávamos nos “amando” dentro do nosso sonho de “Oz”, era tudo tão perfeito. Achávamos que nunca acabaria. E não acabou, é a minha primeira grande recordação pré-menstrual: Alex, o menino dos lábios de mulher ( a tecitura era semelhante ). Alguns anos depois tive notícias dele, não havia se tornado engenheiro, e sim, traficante de drogas. Quase não acreditei, chorei tanto, encontrei com a Fernandinha, também amiga de infância, ela me falou tudo. Quem sabe se não tivesse mudado de Florianópolis teríamos crescido juntos... Era gostoso imaginar. Doces recordações, não é? Sabes o motivo de tantas palavras endereçadas a ti? Minhas memórias? Vou dizer o porquê: seu egoísmo. Sua falta de caráter, suas mentiras. Duvido muito que tenhas usado de bom grado tua infância. Aposto como nunca foi capaz de apaixonar-se por alguém. Se teu coração era tão duro quanto as rochas de uma pirâmide, deveria pelo menos, por uma questão de bom senso, poupar aqueles que se apegavam a ti. Fico a questionar essa tua frívola espiritualidade. Toda a permanência dos desejos humanos mais baixos ( pelo menos como eu os via ) foi para ti um baluarte. Fechavas o teu mundinho medíocre, pronto. Ai daquele que ousasse contra a fortaleza saxônica de Macduff. Não descarto a possibilidade de que tu tenhas vivido na sombria Idade Média numa encarnação anterior. Teu sentimento feudal, senhora das pequenas vilas e condados, era o traço marcante de uma suposta rainha elizabethana. Quando falava-me de Shakespeare, tinha a impressão que zombavas da renascença. Arte sempre fora o teu forte. Falavas muito nela. Assim como toda a tua existência foi, e ainda é, marcada pela arte de representar. Não vou desperdiçar mais uma lágrima para lembrar alguns de teus papéis abomináveis em 03 anos de casamento. O que foi Oscar Wilde e James Dean para ti? Apenas uma sorrateira manifestação da tua personalidade, e rezo para que não tenha biografia semelhante à de teus ídolos. A arte pela arte é uma armadilha notável – uma obsessão doentia pelo sucesso, ou melhor, fama. O bom salário de produtora, a casa cheia de amigos, festas, presentes, teu ego passou a servir de combustível a aspirações fúteis. Éramos um casal de classe média estável ( como grande parte dos casais gays neste país ) querendo ascender para a elite. Embora fosse filhinha de burgueses, não me incomodava nem um pouco dividir as atenções com aquela nata paulistana golpista que fazíamos questão de cultuar por contingência social. Era a ordem do dia: falar em poodle, roupas de boutique, “Fashion Weeck” e rir das desgraças do país. Era tolerável. Duas mulheres brancas, bonitas, elevada renda mensal, bem sucedidas em suas profissões e apaixonadas, eram ingredientes férteis para a desestabilização familiar. Até quando podíamos, íamos nos masturbando mentalmente com aquelas pessoas, estava tudo perfeito e sabíamos que não estava. Entrei em contradição comigo mesma, com meus propósitos pessoais. Achei que o mesmo acontecia contigo. Meu segundo desengano deu-se em março de 2000m quando estávamos prontas para ir à casa de mamãe em Florianópolis. Já separada de meu pai, sempre ligava para longas e emocionadas conversas. Estava muito atarefada, mas prometera ir comigo para Santa Catarina, ficaríamos por lá 15 dias. Ela sempre te quis muito bem, embora não demonstrasse isso. Tu fazias questão de dizer o contrário. “Ela nunca nos perdoou, você só não vê porque é sua mãe”. Tu não fazias noção do que estava falando. Esse erro não foi menor do que os meus em nosso casamento. Minha possessão virou febre, enquanto tua inconseqüência tomava ares de graça.



Uma coisa que jamais poderia deixar de mencionar são as tuas virtudes. Reconheço que as acusações sinceras que faço premeditam todo meu amor por ti. Se o amor existe, posso dizer com a mais clara chama da paixão que o sinto neste mundo. Te amo. As dificuldades do segundo ano de casamento fariam a prova de fogo na minha vida, a constatação mais importante do orgulho de ser lésbica. Lésbica ou homossexual? Não importa, acho que já lhe disse tudo. Pelo menos no quesito cama, sou uma felizarda. Se há coisas que prendem um ser humano ao outro, por partes essenciais e transitórias ( órgãos genitais ), digo com toda certeza que sexo é trivial. Num determinado momento de meu casamento achei que fóssemos duas desvairadas. Os finais de semana eram específicos para nossos exercícios de suor e gemidos. Há uma teoria machista de que a ausência de paus impossibilita muita coisa. O volume e não o tamanho, são nossas armas mais bem dispostas. As pessoas esquecem que o casamento gay supera a estabilidade dos heteros por várias razões. Nosso amor incondicional proibido trouxe grandes avanços. Leio uma notícia importante num portal da Internet: casamento gay é aprovado pelo governo da Grã-Bretanha. São as chamadas Uniões de Igualdade Civil. A situação reflete a postura de países como Bélgica, Holanda e Noruega, com suas devidas oficializações conjugais. Alguns Estados norte-americanos também legitimam a lei. Tu falavas muito de São Francisco, dos clubes, boates, bares, guetos e outros locais onde se podia ter mais liberdade. Desacreditei na viagem aos EUA depois da turbulenta ida a Portugal. Claro que o episódio de mamãe havia nos desgastado muito, os poucos momentos de alegria não se comparavam aos distúrbios de Lisboa. Quando na última semana às idas para Florianópolis tu me dissestes que precisarias articular com um empresário aquele show dos Artistas Plurais de Circo na Europa, fiquei em pânico. Mamãe já estava nos esperando, tudo pronto, e me fazes uma coisas dessas!? E o que é pior, deixei mamãe a ver navios e consenti, na minha cega loucura por ti, em viajar para Portugal. Quase não consegui liberação da agência, acreditei piamente – apesar dos riscos – no seu profissionalismo. Tinha que ir contigo. Onde tu estivesse era meu lugar. Havíamos feito um pacto, e eu o cumpriria. O vôo correu tranqüilamente, ressalvando as tumultuadas conexões em Berlim e Londres, claro, passando pela loucura do aeroporto de Congonhas ( aquele corredor de multidões ) em São Paulo, antes de deixarmos o Brasil. Fiquei irada contigo no avião. Ocorreu um problema com tua passagem na reserva de transbordo. Após algumas reviravoltas e busca de informações, tivemos que esperar ainda mais com o atraso da aeronave. Quando sugeri comprar algo para te distrair, respondeu com uma ligeira grosseria, coisa que já vinha se tornando hábito nos últimos três meses. Respondi prontamente, mas calei para evitar maiores transtornos até ali. Ficamos num clima desagradável até entrar no avião. Sentada próxima a janela, passei longos minutos contemplando o vazio daquele céu. Anoitecia, podia ver o crepúsculo dali, era lindo. Pensei em comentar o que via, mas quando me virei, estava ocupada em seu longo silêncio ranzinza. Senti no canto do meu olho esquerdo uma lágrima. Estava bem morna, mas minha pele estava fria. Começava a recordar, sem meias-culpas, o nosso primeiro encontro. Estava no segundo semestre da faculdade de Cinema, havia pouco tempo mudado para Florianópolis. Aos finais de semana ia para a casa de mamãe em Blumenau. Foi exatamente ao chegar na capital na segunda, que deparei-me contigo. Graduada em Publicidade e Propaganda, fora fazer mestrado na UDESC a fim de sair um pouco de São Paulo. Havia mergulhado com tanta violência na USP, que tua graduação trazia no currículo muita coisa interessante. Estava com aquele grupo de artistas “desvairados”, amigos teus, o Pablo, a Ana, o André. Gente muito boa , arriscavas o que podia e não podia. Encontro contigo no Seminário de Comunicações da Universidade. A maneira como tu me olhou a primeira vez me encheu de ternura. O abraço, o sorriso. Aquele beijo gostoso no canto da minha boca... “Algum problema?”.

- Algum problema?
- Não... Quer dizer...
- Desculpe.
- Não é isso, eu só achei diferente...
- Que bom!
- Por que?
- Por que estou com uma vontade enorme de beijar sua boca.
- A minha boca?
- Não, seu nariz bobinha.
- Você é..?
- Entendida? Não, sou bi.
- E posso saber quais os motivos de querer beijar minha boca?
- Primeiro que você é linda, segundo que acho estar solteira, terceiro, também estou.
- Nossa, tu é descarada, hein!?
- Sou mesmo, e daí?
- Preciso ao menos sair contigo primeiro...

Foi tão engraçado. Tu me pegaste pelo braço e demos uma volta no prédio da biblioteca segurando a minha mão. Pegou uma pequena flor e colocou entre minhas mãos. Depois saímos pelo pátio afora.

“As flores Carla, são a sublime manifestação da beleza e do amor. Seu perfume é a prova de todos nós, seres humanos, precisamos senti-lo. Quem nunca sentiu o desejo de amar. Quem, não experimentou sua presença, seus carinhos, suas cores e vontades? Sonhar com o eterno é a maior angústia do ser humano...”


A maneira como ilustramos este momento, serviu para nosso primeiro álbum a dois, nosso portrait. Seria um momento sublime – ou mais que isso – uma descontração de momentos imperdíveis ali. Quando tu recitastes aqueles versos, percebi o quanto tua delicadeza poderia iludir a princípio. Não que eu ficasse impressionada com seus trejeitos de paulistana moderna, dessas que freqüenta boates liberais na metrópole. Pela primeira vez, em muito tempo, percebi que poderia apaixonar-me por alguém. Senti uma determinada correspondência, uma sutil afinidade compreensível aos sexos iguais. Quando eu tinha 17 anos, era comum minhas colegas de classe beijarem outras meninas, mas nunca sentiram-se lésbicas. Depois do Alex, obviamente, vieram outros. Mas nunca me fizeram mudar de opinião – ou de orientação do desejo – nesse período. Foi um pouco difícil, até

entender o que de fato estava acontecendo comigo. Minha personalidade excêntrica me fazia acreditar piamente numa possibilidade de experimentação homossexual. Como havia dito, isso nunca acontecia com as outras, não lembro delas serem vistas como bissexuais. Não se comportavam como tal – e isso não provocava as piores reações entre nossos amigos. Minha mãe, em Blumenau, costumava dizer que o mundo evoluiu tão rápido, que a percepção da mente humana frente a determinados acontecimentos, levava um tempo maior para compreendê-los. Aceitei com mais calma meu comportamento quando frente a revelação de minha orientação de desejo, minha mãe admitiu uma relação com outra mulher na juventude. Era mais o fato de preservar o companheirismo entre ambas. Para uma pedagoga, não havia nada de ruim ou demoníaco. As teorias freudianas esbarravam em conceitos novos, simples, derrubando cada vez mais nossas indiferenças entre criadora e criatura. Fico imaginando como sofrem as pessoas que conheço, que tentam levar a vida de forma digna. Nesse quesito, tu sempre pousaste de cruel, arrogante. Até parece que empunhar uma bandeira colorida seria a salvação da pátria. A Igreja Católica não quer dividir o seu patrimônio, a marcha dos “excluídos” civis, que correspondem a 10% dos habitantes do globo terrestre, não evitou o discurso automático da abstinência sexual e do não-uso do preservativo. Tu sempre me disseras que os homossexuais nos EUA não representavam ameaças à KKK, que especializou-se em matar negros, judeus e imigrantes. Sofrem tanto como aqui. A única diferença: é mais fácil ser gay ou lésbica num país onde as condições financeiras permitem o isolamento do status. Nunca te preocupastes em explicar-me essa relação cultural entre os países. Tu não davas a mínima, pois era uma lésbica Cinderela – isso te bastavas. A mim não. A relação que eu colocava em cheque minha história, era de uma conquista recente, só que num país muito bruto. Brutos como foram ensinados nossos pais, avós e todo nosso tronco genealógico. Tinham aquelas conversas absurdas da Tia Geni, de vir dizer que tudo estava ligado aos pecados de Caim, irmão de Abel. O nível de hipocrisia dos relacionamentos condicionais-históricos ( que todos querem ter um dia ) sempre esteve num nível interessante nas sociedades. Quando terminei a faculdade de Cinema, tive a oportunidade de defender minha monografia de graduação sobre a obra de Pedro Almodóvar. Tu sempre tivestes uma admiração incrível por ele, isso me deixavas orgulhosa de ti. Costumavas citá-lo em teus discursos embebidos de euforia, coisas típicas de quem extrapolava nas doses de álcool. Até certo momento, achei conveniente depositar-lhe certa vantagem de tempo no que dizias. Sei que às vezes tu excedia naquilo que pregava. Apesar de politizada, não fazias bom senso da tua origem burguesa – utilizava-a como um desquite, uma incidência casual e inviolável das formas irresponsáveis de lidar com dramas sociais. Tu mesmo definias assim o teu caráter – e repito – bastava estar rodeada daquelas pessoas insuportáveis do glamour midiático tipicamente paulistano. Em qualquer outro lugar do país, eu “consentiria” na mesquinharia daqueles tipos, mas em São Paulo não há vítimas quando o quesito chama-se burguesia. Eu sei o quanto essa gente faz mal à saúde do Brasil, e foi exatamente por isso, que aceitei nossa tola relação. Veja que absurdo? Vivi contigo durante três anos, é ridículo fazer-lhe uma declaração de amor e negar-te a cumplicidade política. Quando não se tratava de uma cama, lençóis, beijos molhados, mordidas, nossa indiferença ideológica era inevitavelmente irritante. Sempre quis Cara e Coroa nos meus relacionamentos, mas percebia o quão era difícil manter-te humilde frente às pessoas que nos rodeavam. Sabe o que muitas pessoas diziam? Que éramos duas bonecas de ponto-de-venda para publicidade gay. Claro, isso era coisa de intelectuais. “Veado” e “Sapatão” é mais gentil, por que não é mesquinho, é direto. São pessoas ignorantes que nos dizem isso na cara. Há muitas pessoas que falam do que vêem como foram ensinadas a pensar, elas eu perdôo. Mas uns idiotas que vinham com todo aquele papo moralista-religioso de gêneros do futuro, “evolução” das “práticas” indefinidas... Para o inferno! Ponham-se na minha pele, experimentem falar de mim! Digam isso para seus filhos supostamente homossexuais, que só querem apenas aceitação, coisa negada absurdamente, quando olham para o igual de forma diferente. Pais machistas não ensinam suas filhinhas a trancarem suas vaginas, tornarem submissas e agüentarem numa repressão psicológica e sexual um ejaculador – pois é assim que a maioria age – a vida toda? Não estimulam seus ‘hominhos’ do papai a gozarem em tudo que aparecer pela frente e nutrir o “poder da espécie do tipo correto” para suas satisfações e honrarias? O que achas que meus pais pensaram quando comecei a sair contigo? Tu já moravas sozinha há 09 anos, estava fazendo um curso de mestrado em Florianópolis, dando um tempo a São Paulo. Evitei, ao máximo, falar do teu passado, já que representava dissabores quando dizia estar presa ao “vir acontecer”. De certa forma, essa tua frase era o que mais me preocupava em relação ao novo. Aquele passeio no Campus universitário foi maravilhoso, tu não tens idéia... O primeiro encontro deveria ser o último. Lembro-me daquele filme com o ator norte-americano Matt Diamon, interpretando um talentoso jovem em “Gênio Indomável”, pelo menos esse foi o título que deram ao filme no Brasil. Era capaz de falar sobre tudo ligado às Artes, Ciências Naturais, Físicas e a Matemática. Mas incapaz de aceitar-se enquanto órfão e solitário. Podia conquistar a todos, mas nunca a si mesmo. Sua genialidade passou a ser uma barreira, um lugar seguro, que mais tarde o levou ao verdadeiro trunfo de sua vida. Serás que ainda é da mesma forma? Serás que teu destino será igual? Não me questiono muito sobre mim, pelo menos nesse aspecto. Admito que tê-la ao meu lado por três anos se passaram como trinta, pois foi assim que fui obrigada a encarar a vida: como um vendaval que varre todo o esforço humano de paciência e resignação. Por incrível que isso possa parecer, seria capaz de repetir muitas coisas que vivi. Acho que os momento maus, não superam os bons. Eu acho. Minha mãe nunca viu vantagens em nosso relacionamento, por que não via nossa independência. Fiquei presa a ti de várias formas, fui perdendo o controle da situação à medida que evoluíamos em nosso círculo social. Meu ciúme, repito, foi adquirindo um característica doentia. Ao passo de alguns meses de convivência, fui percebendo nossa fragilidade em amenizar discussões conjugais. Tu tinhas um plano louco de passarmos um tempo nos Estados Unidos, onde poderíamos nos casar dentro da lei, adquirindo dupla nacionalidade. Não era isso que eu queria, aliás, nunca quis residir nos EUA, mas por razões pessoais. Tu dizias que seríamos mais felizes longe daqui. Tínhamos dinheiro, boas profissões, poderíamos facilmente ir morar em outro país – mas não aceitei aquilo. Mais irritada fiquei, quando o maior mal de nosso relacionamento foi revelado: a existência da terceira pessoa. Como fui capaz de iludir-me contigo durante tanto tempo? Não consigo escrever o nome dele de ódio que nutri nas duas primeiras horas que revelou estar saindo secretamente com um homem há pelo menos um ano. Como permiti tal desfeita? . Meus olhos eram tão cegos assim? Essa miopia infame que preservava minha capacidade de perdoar foi perdendo espaço para tuas andanças. Sei que pareço uma adolescente escrevendo isso, mas saiba que tudo que digo, preservando nossos verdadeiros nomes, é por um motivo maior. Não quero segurar essa dor por toda à vida, muito menos permitir que outras pessoas passem por isso. Quando nossa carta for publicada – se é que alguma editora de livros irá interessar-se por ela – estarei bem longe de ti. Encarreguei tal fado a um jovem muito simpático que conheci, o Paulo Milhomens. Ele fará toda a adaptação de nossa obra, correções e mudanças necessárias na estória. Não se trata simplesmente de uma carta, é um ato de redenção. Quero falar de meu lado podre, dos meus erros, quero apagar essa etapa da minha vida para começar de novo – bem longe da tua presença. Deixarei referências e endereços falsos no exterior. Não quero que me sigas, não permitirei, não farei de mim mais um álibi irresponsável dos teus planos imundos. Vou para um lugar onde voltarei a viver, com pouco dinheiro, mas com responsabilidade e compromisso. Nossa vida será divulgada Sandra, para todos aqueles que se identificarem com ela, querendo ou não. Será uma advertência aos sobejos da vida suja que adquire o espectro dos vícios mundanos, nocivos à sociedade. Como somos medíocres, não é Carla Zomett Stein? A senhora deve estar se perguntando, se já estiver lendo isso ( sua vida ), se eu seria capaz disso. Não sou. Preservei nossas identidades, pois na minha raiva percebi o quanto poderia prejudicar as pessoas cercadas a nós, todos que nos amam. Eles não merecem tal desfeita, não admitiria repassar erros alheios. Ficará para a posteridade, para que saibam que existimos juntamente com nossa relação errada. Talvez na velhice, possamos refletir melhor, sobre tudo que se passou. Todas as lágrimas, sorrisos, ternuras, tudo. Nada foi medido, foi jogado como se estivéssemos brincando, duas meninas em seus mundinhos encantados. Como somos medíocres, não é senhorita Stein? Só uma única pergunta: diga que não me ama. Só responda para ti. Depois dessa confissão, veja se podes avaliar minha pergunta com sinceridade. Tu, somente, poderá responder ao que sempre tive dúvida: teu amor. Hoje sofro por outras coisas, mas gostaria de saber, definitivamente, se me amas. Não acredito mais em tudo que ouço, mas isso é proveniente da situação a qual me envolvi. Debochar do que penso seria ridículo a esta altura. Como bem sabes, o futuro tomará nossa história como referência de vida para outros. Isso, de certa forma, deixa-me orgulhosa. Porém, uma coisa quero deixar bem clara: não sou como tu. Achei que nossas diferenças temperamentais fossem a medida certa para o que chamaríamos de angústia. Curei-me deste mal, graças a Deus. Não me pego mais remoendo o que passou. Foi o céu e o paraíso – o purgatório em determinadas partes – , em doses bem similares ao que os gregos chamam de A Corrente de Prometeu, em sua pérfida metáfora da ambição. Lembra-te da analogia do Oráculo? Prometeu, o gigante, subiu aos céus e roubou o fogo dos deuses, ao subestimá-los em poder e glória. Jamais imaginariam que um mortal pudesse fazer tal desforra com as entidades de Zeus. Como castigo dos deuses, foi acorrentado num rochedo, e pela eternidade seu fígado seria devorado por uma águia. Mesmo podendo regenerar-se de tempos em tempos, seria carcomido pela ave audaz. Belo castigo, se comparado ao Frankstein, de Mary Shelley – um Prometeu “sem” correntes. Sinto-me aprisionada a ti de forma semelhante. É difícil, confesso, aceitar isso. Confrontei meus próprios limites ao aceitar sua companhia. Sabia do temporal que esperava-me, no entanto, consenti em lançar a embarcação ao mar, mesmo não sabendo da ilha portuária que pudesse vir a me abrigar. Confiei nos desatinos, nos pequenos erros. Acredito que outras pessoas poderão ser salvas em meu lugar. Quanto a ti, não sei, talvez continue agindo erroneamente – coisa que definitivamente não faz diferença em tua vida – , encontrando ouro barato. Sua especialidade era atacar os pontos fracos de quem melhor lhe prouvesse. Sabes que uma vez, ao dizer calúnias de Aguinaldo ( um dos meus melhores amigos ), tentou chantagear-me com a desculpa de que estivesse suspeitando de uma provável traição. Que tolice! Agora, o pior, foi saber do que realmente se tratava: dinheiro. Aguinaldo era um competente jornalista e publicitário, isso lhe despertava inveja. Começou a fazer alegações frias, infundadas sobre seu caráter, e eu, na minha ignorância lamentável, era incapaz de culpar-te pelo afastamento de Aguinaldo em minha vida. Digo isto, pois ele foi o caso de inveja mais notório de tua parte. Não o culpo em momento algum, pois sei que tu mentiste em todos os momentos ( menores ou maiores ) que achou possível para manter aquela tua conduta horrível de pequenas mentiras e cinismos cotidianas. Mais parecia um inseto em volta da lâmpada. Também chego a conclusão de que isso não interessa a quem quiser ler minha obra. Pode se que minhas palavras sirvam de consolo a outras pessoas, mas isso não muda nada. Tenho a obrigação, como já lhe disse, de tornar público meu dilema ( mesmo com pseudônimo ) : sua presença. Vou repetir: amo-te. Sinto algo mais necessário ainda: te esquecer definitivamente. Já avaliei todas as condições para executar tal missão, não será fácil, assim como não está sendo. Por isso a decisão de deixar o país. O tempo que passarei estudando e trabalhando fora, ajudarão nos transtornos de sono, nas crises melancólicas, nos desesperos noturnos de acordar ( ainda ) achando que tu estás do meu lado. Que horror! O espectro que ronda minha vista já foi minha maior felicidade. A vida deu voltas, o estado de coisas ficou diferente, tenho que admitir com piorei nos últimos meses. Não estou interessada em ter de falar das frustrações conjugais. Estou falando das partes mais dolorosas deste livro. Difícil saber, as marcas de tudo o que aconteceu entre nós me deu forças para reerguer a vida. Quando tenho a fria sensação que sua luz nunca irá se apagar, é a nítida impressão que carrego, jamais vou esquecê-la. Está vendo quantas voltas sou capaz de dar em meu texto por conta disso? Estou repetindo frases e mais frases, fico confusa, basta ter de pensa em ti. Como ondas que se degladiam no mar, peixes fugidios, tubarões famintos, desespero-me no oceano das incertezas. Sabes o quando ainda sou romântica. Se Deus quiser, meu romantismo será guardado para outra pessoa...

Acho que minha pieguice será capaz de reverter isso. Se eu for capaz de lhe arrancar uma lágrima, as coisas podem começar a mudar. O que pode ser mais poético do que uma declaração de amor como essa? Uma criança faminta não se comportaria de tal forma, sua curiosidade e sua fome lhe dão aspectos amargos no olhar. Uma criança que têm sua infância roubada pelos desatinos da vida, torna-se um adulto arredio aos arrependimentos. Um dia, fará sua escolha: viver míseros dias como rei a passar toda vida como um invisível. Quem se importa? Tornei-me criança novamente, perdi meus sentidos e estou com fome. Tens idéia do que isso significa? Se disser que sim, está mentindo. Estou tão desvairada como as Macabéas de Clarisse Lispector, emblemáticas e toscas. Se a minha hora de estrela ainda não chegou, melhor. Mas sei que quando vier, estarei longe, do outro lado do Atlântico, onde poderei chorar melhor. Para onde vou há um ponte de mais de 500 anos, onde posso refletir sobre minha infantilidade, sobre meus conceitos estabelecidos e estáveis. Vou questionar a filosofia da vida, a razão da existência em um cume distante. Antes só. Assim é meu desatino: sozinha talvez seja melhor. Pensar às vezes trás o bem que um corpo doente precisa. Se estou cançada como nunca estive, sei que pedaços de felicidade sou capaz de juntar, um ímpeto de sentimentos me cobra determinadas escolhas. Quero repetir: urge a necessidade de lhe esquecer... Uma dificuldade maior em sê-lo, o óbvio de uma perda. Ninguém quer aceitar a perda, mesmo que represente um bem futuro. Toda queda é motivação para uma nova largada. Sei que posso me recuperar em breve, embora não tenha a exatidão do tempo. Talvez, creio eu, o tempo tenha se tornado um percalço de angústia. Antes de me apaixonar por ti, sentia angústia. Ela aumentou gradativamente depois das coisas que passei contigo. Se os homens pudessem sentir a diferença entre a paixão de duas mulheres, veria quantos equívocos vem cometendo ao longo de séculos. Poderia muito bem me relacionar com homens e ser lésbica a vida inteira. Talvez um macho me fizesse esquecer o que houve entre nós. Uma possibilidade remota, mas não impossível. A velocidade do tempo pode me dizer muita coisa a esse respeito. Percebes o quanto a palavra tempo me é corriqueira? Faço questão. Afinal, sou uma das suas vítimas. Queria entender-te, mas não consigo. O lugar para onde vou também é um templo. Lá, existem muitos. São como pedaços de ilusão – todos o são – para alimentar nossas indiferenças. Talvez me vista de negro por uns tempos, posso até compreender a razão a qual as viúvas portuguesas se vestem de negro. A cor da obscuridade, do não-viver. Deverei fazer o contrário quando chegar lá. Dar um novo rumo para minha vida, tenho certeza de que irei conseguir. Quando receber isso, estarei bem longe daqui. E que tudo que eu lhe disse seja apenas o grande momento de todos nós: a certeza de que a vida continua...
Fique com Deus, que ele ilumine seus passos.



Carla Oliveira, dezembro de 2003.





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