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Infantil-->A galinha que sonhava ser rainha -- 05/03/2003 - 23:37 (ROSANGELA TRAJANO DA SILVA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando eu era pequeno, quero dizer, quando eu era criança, porque na verdade eu não cresci muito, adorava passar as férias da escola na casa dos meus avós. Ah! A casa deles ficava num sítio, bem distante da cidade, um lugar cheio de árvores, animais, rio e muitas outras coisas gostosas que só existem nesses lugares.

Me lembro que lá tinha uma galinha que as pessoas costumavam chamá-la de “a dama de vermelho”, devido a cor das suas penas. Eram tão vermelhas, mas tão vermelhas, tão vermelhas mesmo que mais pareciam fogo e, à noite, a gente podia encontrá-la em qualquer lugar, pois além de terem uma cor exuberante, elas ainda brilhavam. Era uma galinha toda cheia de pose, magricela e muito bonita! Não gostava de comer. E sabem por quê? Para não engordar. Certo dia, o galinheiro inteiro me contou que ela fazia dieta. É, amiguinhos, a galinha não comia qualquer coisa que encontrasse: se a comida não tivesse gordura, nem açúcar demais, ela até comia, só um pouquinho.

Soube, também, que ela fez uma verdadeira festa quando encontrou um pedaço de espelho quebrado no meio do mato. As outras galinhas eram tiriricas com ela, pois não queria namorar os galos do galinheiro. Vivia dizendo que era uma rainha e, como tal, estava à espera do seu rei. Ele tinha partido para uma batalha com as raposas em um galinheiro distante, mas prometera voltar. Além de tudo, era uma galinha sonhadora. Assim fazia com que todas as outras sonhassem junto com ela.

Até eu me pego sonhando até hoje com esta história toda. Eu, menino moleque, daqueles irrequietos, corria pra lá e pra cá atrás de pegar a dama de vermelho, mas não tinha jeito. A galinha corria e voava como nenhum outro bicho. Na verdade, eu só queria conversar um pouco com ela; quem na minha idade não gosta de histórias de reis e rainhas? Acho que vocês adoram. Não vou me deter muito nas minhas lembranças, quero contar logo o encontro da rainha com o seu rei.

Era um final de tarde de verão ensolarado, e muito bonito. O sol já estava começando a se pôr, quando o meu avô trouxe nas mãos um galo feinho de dar dó. Com um pescoço comprido e sem penas, os pés gigantes, um jeito assombrado de bicho medroso; só faltei morrer de rir.

- Onde o senhor comprou esse galo, Vovô? – Perguntei assustado.

Pela idade do Vovô, as pessoas costumavam enganá-lo quando ia fazer compras na feira. A falta de respeito às pessoas mais velhas é uma coisa tão sem graça, mas tem gente que adora fazer esse tipo de coisa com os velhinhos. Nos transportes coletivos, por exemplo, alguns assentos são reservados para eles, mas poucos respeitam essa lei. Só que a Vovó era diferente do Vovô. Vocês nem podem imaginar o que ela aprontava quando alguém tentava enganá-la ou ofendia os seus sentimentos. Vovô andava sempre com uma bengala; a Vovó com um guarda-chuva bem grandão para se proteger do sol ou da chuva. Uma vez o homenzinho da mercearia, que sempre ficava com o seu troco de um ou dois centavos, não quis lhe vender um quilo de farinha de trigo porque faltavam-lhe três centavos. A Vovó ficou tão brava com ele, fez um escândalo na mercearia, veio gente de todas as partes, começou a gritar desesperada:

- Seu morto de fome, você sempre fica com o meu troco, e hoje, só porque eu não tenho três centavos, não posso comprar a farinha de trigo que estou precisando. – Dizia Vovó em voz alta.
- Mas a senhora tem que entender que eu não tenho culpa. Se nunca lhe dei o troco, era porque não tinha. – Desculpava-se o homenzinho.
- Eu não tenho que entender nada. Quero todo o meu dinheiro de volta, com juros corrigidos. E me faça isso logo.

Vovó era uma mulher esperta. O povo começava a gritar em seu favor, e ela foi se enchendo cada vez mais de coragem. Então ele pegou uma calculadora, com as mãos trêmulas, riscou num papel tantos números, recalculou.... Aliás, ele nem sabia por onde começar ou terminar toda aquela confusão.

- Olhe, minha Senhora, eu acho melhor a gente esquecer tudo isso. Pode levar a sua farinha de trigo, e nem precisa pagar. – O homenzinho estava suado igual chaleira de água fervente.

- Esquecer o meu troco, você tá é louco. Agora que comecei vou até o fim. Anda calcula. Tá pensando que me enrola? Vai ver, depois de tanto calcular, viu que me deve muito mais do que um pacote de farinha de trigo. – A vovó meteu o guarda-chuva na cabeça do pobre homem.

Até que, de repente, entra um galo na mercearia, sobe no balcão da confusão e começa a cantar. Não se sabia se a pobre ave estava assustada, ou contente, por toda aquela barulheira. Era um galo diferente dos da Vovó: ele não tinha cara de brigão, era mansinho, e foi logo se aproximando dela. Seu canto era tão belo que silenciou a todos. Mais pareceu um rei, sobre seu trono, mandando todos se calarem.

- Tá resolvido. Já sei como deve me pagar. – Vovó olhava encantada para o galo.
- Ufa! Graças a Deus a senhora chegou a uma solução. Como a senhora quer receber o seu dinheiro? – Perguntou o homem aliviado.
- Você me dá o galo pelo valor que me deve. Ficará me devendo, é claro, alguns centavos, mas esses eu deixo para você. Quero o galo, agora.

Eu nunca vi velhinha tão metida quanto a minha Vó. Ela só andava toda arrumada, mesmo morando no sítio. Mas, quando precisava fazer alguma coisa no centro da cidade, colocava seu vestido mais belo e lá se ia. Naquele dia, ela estava com um longo vestido amarelo, os cabelos presos feito um coque, um chapéu elegante na cabeça e seus velhos óculos de grau com lentes bem redondinhas, que lhe caíam bem. A carroça que levava a Vovó para aonde ela queria ir, também era toda decorada, do seu jeito: arrodeada de flores; o burrinho todo enfeitado com laços de seda azul e branco. Era tudo muito engraçado.

Enfim, o dono da mercearia precisava acabar com aquele escândalo. Antes que chegassem o delegado, o prefeito da cidade, a assistente social e todos começassem a dar razão à velhinha querida. Só ele sabia o que ela aprontava em sua mercearia. Imediatamente pegou o galo, deu um beijo no mesmo, despediu-se dele, dando-lhe um abraço. Na hora de entregar, a Vovó puxava de um lado e ele segurava do outro. Com os olhos cheios de lágrimas o homenzinho falou:

- Este é o rei do meu galinheiro. É assim, magrinho, sem jeito, mas é um grande galo. Nunca nenhuma raposa atacou o meu galinheiro, ele quem coloca os outros bichos para dormir, e também os acorda. Eu dito as normas, e ele faz os outros animais cumprirem. Estou lhe dando, Vovó, porque sei que cuidará dele com carinho.

Com toda aquela cena do homenzinho, a Vovó quase desistia do galo. Mas não seria besta de recusar um galo inteligente como aquele. Além do mais, ele poderia ser o rei que a dama de vermelho esperava há tanto tempo. Sempre sonhou com uma ninhada de pintinhos dela, com aquelas penas vermelhas e brilhantes, todos bonitinhos. Colocou o galo embaixo do braço, e foi embora.

- A senhora não vai levar a farinha de trigo?

Perguntou o dono da mercearia quando Vovó ia saindo de fininho, antes que ele desistisse do negócio.

- Não, Senhor. Farei o bolo outro dia. Hoje ficarei com o meu crochê. Muito obrigada.

Assim, está explicado de onde surgiu aquele galo feioso que Vovô tinha em mãos. Quando ele me contou que aquele galo com cara de medroso ia ser o namorado da dama de vermelho, eu lhe fiz o seguinte comentário:

- Vovô, ele não tem cara de rei. Nem cara, nem beleza, nem jeito algum.

Estava espantado com a atitude dos meus avós, mas não podia fazer nada para salvar a dama de vermelho daquele galo maltrapilho. Logo ela que vivia se produzindo para um rei todo perfumado, de penas bem arrumadas e amareladas, de longos pés bem cuidados, com o peito erguido sempre para a frente, culto e inteligente.

Depois daquele comentário, aprendi a maior lição da minha vida, e foi Vovô quem me deu.

- Venha cá, Lino. Olhe bem para este sítio. Veja como tudo é lindo! Você já me disse isso várias vezes, lembra?

Vovô pegou no meu braço carinhosamente, e me levou para o meio do pátio. Não entendi direito o que ele queria me dizer, mas fui, meio tonto, respondendo às suas perguntas.

- Se eu pudesse, moraria aqui, Vovô. Você sabe que amo esse lugar. - Falei feliz da vida, enquanto passava por mim os cheiros dos cajus e das goiabas, trazidos pelo vento.

- Tá vendo essa foto? Não se assuste, esse homem feio que está aí é o seu bisavô, o meu pai.

Ele retirou do bolso a sua carteira de couro, e nela tinha uma foto amarelada de um homem muito feio mesmo. Uma barba enorme, os cabelos longos e arrepiados, uma cara séria, gorducho, a roupa parecia suja, dentro de um chiqueiro de porcos.

- Esse é o seu pai? Puxa, Vô, mas ele era grandão!
- E também não era bonito. - Disse Vovô, com o olhar fixo para as montanhas.

Eu também não o achei bonito, mas não falei nada. Que importância teria para mim se ele era bonito ou feio, ele já tinha morrido mesmo. Eu só não sabia de onde tinha surgido tanta gente bonita na minha família, com um bisavô daquele jeito, que mais parecia um homem das cavernas.

- Mas nós somos bonitos. Eu, você a Vovó, mamãe, papai, o titio...
- Lino, presta atenção no que eu vou te dizer agora. – Ficamos frente a frente, um olhando os olhos do outro.
- Fala, Vô. O que está querendo me dizer? – Comecei a ficar curioso com todo aquele mistério dele.
- A beleza das pessoas está dentro delas. A gente não consegue enxergar a maior beleza do ser humano, pois ela não aparece no corpo. Ela só aparece nas coisas que fazemos, como agimos, como vivemos. Seu bisavô era um homem muito feio, mas ele amava os animais, era um homem bondoso, ajudava os mais pobres, construiu essa casa, plantou essas árvores, criou todos esses bichos, e nunca teve coragem de fazer o mal sequer a uma formiga. Era um homem tão bom, que todas as mulheres da cidade queriam casar com ele. Sabe por quê?

Balancei a cabeça, dizendo que não. Estava perplexo com toda aquela história, nunca alguém tinha me falado aquilo.

- Porque ele sabia amar e, quando a gente sabe amar de verdade, não é preciso ser bonito para que as pessoas gostem da gente.

Dizem que a minha mãe era uma mendiga que bateu à sua porta certa noite para pedir abrigo com medo da chuva e, desde aquele dia, ela nunca mais foi embora da nossa casa. A sua bisavó era uma linda mulher que morava nas ruas. Seu bisavô quando a acolheu já estava cego, e não podia ver a sua beleza, mas ela tinha as duas belezas: a da alma e a do corpo. O que é muito difícil encontrar em alguém. Por isso nascemos assim bonitos de corpo e alma. Mas lembre-se: a mais encantadora beleza é a que mora na alma, e não pode ser vista.

Depois de ouvir as palavras do Vovô, que segurava o galo carinhosamente, percebi o porquê de toda aquela conversa. Fui com ele apresentar o galo aos seus novos amigos, e a sua futura esposa. As galinhas todas se esconderam com medo da feiura do galo, elas se pareciam comigo antes de ouvir a história do Vovô. Perguntamos a elas pela dama de vermelho, disseram que ela tinha ido ajeitar as penas e as unhas. Nós sabíamos onde ficava o seu salão de beleza, mas preferimos deixar o galo Serafim no galinheiro, à sua espera.

Tive pena de Serafim. A dama de vermelho, com certeza, ia ignorar a sua presença. Ouvi os outros galos fazerem comentários sobre ela, dizendo que era uma galinha chata, metida a bonita e que pensava ser rainha. Nunca quis namorar nenhum deles que, diante de Serafim, eram príncipes. Ouvi quando um deles falou:

- A não ser que a sua beleza esteja encantada, meu jovem. E, quando a dama de vermelho lhe der um beijo, você se torne um príncipe, rei ou coisa parecida. No momento, você mais parece é um sapo.

Todos gozaram do pobre Serafim. O seu encontro com a dama de vermelho foi realmente uma decepção. Ela nem olhou para a cara dele, quando retornou do salão de beleza. Jogou a bolsa no puleiro, sentou-se, esticou os pés cansados, bateu as asas e abriu a boca como se estivesse morrendo de sono. A galinha Chica se aproximou dela, e cochichou em seu ouvido sobre Serafim. Ela olhou para ele e, depois de alguns minutos, começou a sorri cada vez mais alto.

- Galo bobão, acha que vou me casar com você? – Perguntou a dama de vermelho, olhando para o pobre galo.

Serafim, que fingia dormir, nem deu ouvidos para as palavras dela, e continuou quieto. A dama de vermelho ainda tentou por diversas vezes provocá-lo, xingando-o e dizendo coisas horríveis. Mas Serafim era um galo esperto, e não se deixou cair pela inveja dos outros galos, pelas chatices da dama de vermelho e nem mesmo se deixou seduzir pelas outras galinhas.

O tempo foi passando, e Serafim foi mostrando os seus dotes dignos de um rei. Na primeira briga de galos, Serafim apresentou-se como um bom juiz, e disse que não queria mais aquilo ali e, se alguém quisesse lutar, que chamasse primeiro ele. Os galos começaram a sorrir, mas não foram muito longe. Serafim mostrou a dois deles como se lutava de verdade e colocava um galo metido a bravo no seu devido lugar. As galinhas que brigavam por um espaço no poleiro, todas às vezes que iam dormir, também tiveram que aprender algumas coisas com Serafim. Ele contou quantas tinham, e mediu o comprimento do poleiro, dividiu o espaço por igual para cada uma delas. Porém o mais engraçado de tudo aquilo era que a cada dia a dama de vermelho perdia uma para Serafim. O primeiro conflito dos dois foi quanto à limpeza do galinheiro, a única galinha que não fazia coisa alguma por ali era ela. Pois bem, Serafim criou o grupo das galinhas da faxina, as que guardavam a comida que sobrava e, para a dama de vermelho, ela deveria cuidar da beleza das outras galinhas, ou seja, fazer as unhas delas, cortar as asas, dar massagens no peito, sais de banho para ficarem perfumadas, etc. Ah! Gente, ela bateu o pé com o seu tamanco de salto alto e disse que não ia fazer nada daquilo, mas as outras galinhas acharam a idéia maravilhosa!

De fato, todos obedeceram a Serafim. E o galinheiro começou a ficar mais bonito. Os galos se preocupavam em não deixar nada quebrar, pintavam as paredes sempre que precisavam. E ainda ensinavam os pintinhos a ler, cantar e cuidar da higiene pessoal. Tinha um galo que fazia o papel do padre e rezava todas as noites o Pai Nosso. A única que continuava a não fazer nada era a dama de vermelho. Pois Serafim deu-lhe um castigo grande por aquilo. Perdeu o seu lugar no poleiro. Para dormir, teria que arranjar outro lugar, no poleiro não dormiria mais. Então a dama de vermelho ousou enfrentá-lo, e se pôs no seu lugar de sempre no poleiro, assim que anoiteceu.

Vocês nem imaginam o que aconteceu com a dama de vermelho naquela noite. Serafim ordenou que as outras galinhas não permitissem a dama de vermelho no poleiro, e assim elas fizeram. Expulsaram-na com a ameaça de dar-lhe um banho de lama. Mas Serafim fazia aquilo com o coração cheio de dó, pois sentia um carinho muito grande por ela. Aquele jeito metido que ela tinha, fascinava o seu coração frágil e meigo. Sabia que ela não podia passar por tamanha humilhação, pois sempre foi condecorada a rainha do galinheiro, mas precisava aprender uma lição, pois sempre usou-se disso para tirar proveito dos seus outros amigos.

Enquanto Serafim tinha pena, ela foi para o mato e conversou com uma raposa amiga sua para que atacasse o galinheiro. A raposa feliz pelo convite, seguiu o mapa dado pela dama de vermelho. Quando chegou, todos já dormiam, era o momento ideal para atacar. Mas Serafim não conseguia dormir direito, pois só lembrava da coitada da dama de vermelho, onde ela estaria dormindo naquele instante. Seu cantinho no poleiro era tão bonitinho, todo decorado de cor rosa, com fitas de seda, travesseiro, tudo confortável. De repente a raposa entra no galinheiro, e tenta atacar justo Serafim. Ele toma um susto quando vê aquela sombra enorme vindo ao seu encontro, e dá um salto bem alto, conseguindo escapar.

- Serafim? O que você faz aqui? – Pergunta a raposa assustada e envergonhada.
- Ora, eu moro aqui raposa. E você? Não tem vergonha de atacar um pobre galinheiro a essa hora da madrugada?
- Desculpe, eu não sabia que você era o rei desse galinheiro. Acho que errei o endereço. – Lamentou a raposa, olhando o mapa que a dama de vermelho tinha lhe dado.
- Quem mandou você até aqui? – Perguntou Serafim desconfiado.
- A dama de vermelho, aquela galinha lá. – Apontou para a dama de vermelho, que vinha toda se rebolando, batendo as asas e abrindo a boca como se estivesse morrendo de sono.

Então Serafim pegou a dama de vermelho, colocou-a frente a frente com a raposa, e pediu explicações. Mas ela negou, jurando até pela sua mãe. Que vergonha, dona galinha! Sabem, amiguinhos, a dama de vermelho fez igual a certas pessoas grandes que vivem mentindo e juram pela alma de todo mundo que estão falando a verdade. Isso é muito feio! Não se pode mentir nunca, porque como diz um velho ditado: a mentira tem pernas curtas.

Ajoelhou-se aos pés de Serafim, dizendo que a raposa estava enganada. A dama de vermelho dava para ser atriz, mentia tão bem.

Vocês conhecem alguém que mente? Eu conheço, e tenho horror a essas pessoas. Eu não quero que vocês mintam nunca, tá combinado?

- Pode ir embora, dona raposa. Eu resolvo o resto. Obrigado pelo respeito a nossa amizade. – Agradeceu Serafim.
- Não precisa agradecer, Serafim. Jamais atacaria um galinheiro de um rei tão belo quanto você! – Disse a raposa docemente.

Ouvindo aquilo, a dama de vermelho não conteve-se, e começou a sorrir. Deu tantas gargalhadas, que acordou as outras galinhas, os galos e os pintinhos. Ninguém sabia o que estava acontecendo.

- Querida raposa, percebo que além de burra, você também necessita usar óculos. Como pode achar esse galo magricelo e despenado, belo? –Perguntou a dama de vermelho ainda sorrindo.
- Olha, moça, acho que você não devia sorrir assim. O Serafim é um belo galo! Aos seus olhos ele não pode ser bonito, mas acho que todos os outros aqui, nesse galinheiro, acham-no bonito em alguma coisa. Todos somos bonitos.
- Parem com isso! Estou cansado dessa história, dama de vermelho! Vá dormir. Dona raposa, vá para casa. Eu preciso descansar. Amanhã teremos um longo dia por aqui. – Serafim parecia nervoso.

Então todos os outros fizeram silêncio e a dama de vermelho foi se recolher em cima das pernas de um tamborete quebrado, desprezado no galinheiro. Serafim não conseguiu dormir naquela noite, o que a dama de vermelho tinha feito não podia ser esquecido. Passou o resto da noite pensando no que fazer para castigá-la. Até as aves merecem castigo quando fazem coisas más. Nascemos para fazer o bem. Vocês devem estar se fazendo uma pergunta que fiz a mim mesmo durante muito tempo: Por que as pessoas boas também são castigadas? Deus não quer que ninguém esqueça dele e de seus poderes divinos, assim como ele criou a terra, o sol, o mar, a lua, etc., criou também o homem. Então se as pessoas boas também não fossem castigadas, elas o esqueceriam, e poderiam até querer agir como Ele. É para que não esqueçamos nunca de Deus que recebemos castigos. Mas as pessoas boas recebem pequenos castigos, e esses castigos fazem com que elas recorram a Deus.

Pela manhã, bem cedo, Serafim acordou. Com o seu belo canto, acordou todo mundo. Cada um começou a fazer a sua tarefa. Até a dama de vermelho acordou e foi cuidar dos pintinhos: enquanto as outras galinhas trabalhavam, ela dava uma de babá. Serafim foi falar com o meu Avô. Ele queria pregar uma na dama de vermelho. Para ela nunca mais esquecer o valor que tem os amigos.

Era um domingo ensolarado. E todo domingo nós íamos almoçar no sítio; era quando matava a saudade daquele lugar, pois durante a semana ficava na cidade devido aos estudos. No almoço, como de costume, sempre tinha galinha, feijão verde, arroz, farofa, etc. Era um almoço tão gostoso, que meu pai costumava repeti-lo duas, três vezes. Saía com a barriga tão grande que mamãe morria de rir dele. Vivia dizendo: “Acho que comi demais.” O meu pai e as suas coisas, ele adorava comer! Mas voltemos para a história de Serafim e a dama de vermelho. Ele combinou com o meu avô um plano estratégico para acabar de vez com aquela pose da dama de vermelho.

Então o meu avô dirigiu-se para o galinheiro. As galinhas morriam de medo, quando chegava o domingo. Elas começavam a se despedir logo cedo, era meio tristonho. Ninguém sabia quem ia ser a escolhida, geralmente era a mais gorda, a que não tivesse com pintinhos novos, tinham as exceções. Por mim, nunca mataria animal algum. Eu sei que comer galinha é uma delícia, até comia, mas depois que vi aquela cena da despedida passei muito tempo sem comê-las. Vovô se aproximou das galinhas, e foi pegando uma a uma. Apalpava, olhava para a bichinha, fazia toda uma avaliação, era preciso escolher a mais gostosa de todas. Então ele se aproximou da dama de vermelho, coisa que nunca tinha feito. Pegou-a e começou a apalpá-la. Ela começou a se tremer, perdeu a pose, ficou toda mansinha e sem jeito. Serafim e as outras galinhas não estavam nem aí para ela, todos tinham combinado não achar estranho a escolha dela, afinal ela não era diferente das outras. Depois de muito examinar, o Vovô me perguntou em voz alta:

- Que acha, Bentinho? Essa aqui parece boa para comemorarmos seu aniversário. - Vovô sorria enquanto segurava a dama de vermelho pendurada pelos pés.
- É a mais gorda de todas, Vovô. Vamos levá-la. Vai dar para todo mundo comer. – Como eu já sabia o que estava acontecendo, entrei também no plano, e menti. Quem não sabia que a dama de vermelho de gordura não tinha nada!

A dama de vermelho esperneava desesperada. Fazia tanto có-có-ri-có para Serafim, mas ele parecia muito ocupado em seus afazeres. Quando vovô já ia saindo, a dama de vermelho gritou bem alto o nome de Serafim. Então ele correu, e foi ver o que estava acontecendo.

- Seu João, o que está acontecendo? Para onde vai levando a dama de vermelho? – Perguntou Serafim fingindo surpresa.
- Ora, ora. Ela vai ser o nosso almoço de hoje, meu jovem. Algum problema? – Perguntou o Vovô ironicamente.
- Me ajuda, Serafim! Me ajuda! – Gritava a dama de vermelho que, de tanto espernear as penas, essas já voavam para todos os lados, e um dos seus brincos tinha caído.

As outras galinhas e galos estavam todos olhando para a cena. No galinheiro, ouvia-se apenas o piado dos pintinhos. Serafim sentiu o coração bater mais forte ao vê-la clamar pelo seu nome. Tadinha dela, mas só uma lição daquelas para tornar-se uma boa galinha. Vovô nem ligou para as palavras de Serafim, e continuou andando a caminho da nossa cozinha. E lá fomos nós. A panela já estava com a água fervendo. O plano de Serafim estava dando certo. A dama de vermelho gritou tanto pelo seu nome, que ficou rouca. Perdeu as forças de tanto bater as asas e espernear, para Vovô soltá-la. Ao chegar na cozinha, quase não tinha voz para falar com Vovó.

- Dona Isabel, por favor não me mate. Eu sou a sua galinha predileta, a mais bonita de todas, sou tão bela, todos os seus vizinhos dizem isso! – Rouca e com os olhos cheios de lágrimas, olhava para Vovó.
- Você já está muito velha, dama de vermelho. Sua beleza foi embora há muito tempo. Temos outras galinhas bonitas lá no galinheiro. – Disse Vovó, que também estava do nosso lado.

Então, ela, a dama de vermelho, começou a chorar. Mas chorava tanto, que as lágrimas começaram a molhar toda a cozinha. Vovô amarrou os pés dela com um barbante e abandonou-a próximo do pé da mesa. Nós estávamos com o coração partido com tudo aquilo, porém, tínhamos prometido ajudar Serafim, e não podíamos largar o plano no meio do caminho.

Quando Vovó preparava-se para passar a faca no pescoço da dama de vermelho, as outras galinhas, juntamente com as suas famílias e Serafim no comando, apareceram na janela da nossa cozinha. Serafim trazia uma bandeira branca; uma outra galinha segurava uma placa que tinha escrito: "salvem a nossa rainha." Era tudo tão engraçado, é uma pena que vocês não tenham visto toda aquela confusão.

- Dona Isabel, não mate esta nobre galinha. Eu me ofereço para morrer em seu lugar. – Disse Serafim, como um grande cavalheiro.

Toda presa pelos pés de Vovó, a dama de Vermelho ainda pôde levantar o pescoço e olhar para aquele barulho infernal que as galinhas faziam na janela. Então elas começaram a invadir a cozinha. E por todos os cantos que olhássemos tinha galo, galinha e pinto passeando: em cima da geladeira, da mesa, dentro da pia, no armário, no piso. E Serafim lá, em cima da janela, firme e forte, como um rei pronto para salvar a vida da sua rainha.

- O que está fazendo Serafim? Enlouqueceu. O meu marido já escolheu, e tá escolhido. Essa galinha tá velha, feia e daqui a pouco vai começar a ficar doente. Sem contar que a sua carne deve tá dura, de doer nos dentes quando a gente for comer, de tão velha que tá. Caia fora daqui, e leve o resto do galinheiro junto com você. – Falou a Vovó, quase sorrindo.
- Não posso. Só saio daqui com a dama de vermelho. E se ela não for comigo, então a senhora vai ter que matar nós dois.

A dama de vermelho olhou para Serafim e, pela primeira vez na vida, sentiu o seu coração bater diferente. Ele não dizia tic-tac, tic-tac, ele dizia Serafim, Serafim, Serafim. Esticou o pescoço mais um pouco, e pôde vê-lo. Era uma galinha muito idiota, como nunca tinha percebido o quanto aquele galo era belo, como todos diziam? E a sua beleza parecia reluzir quando ele lutava em prol de uma causa justa. Bem que todos diziam a ela, que a beleza mais bonita era a que existia dentro da gente. Ah! Mas ela não era bela, sempre fez o mal aos seus amigos, merecia morrer.

No meio de toda aquela confusão, a dama de vermelho começou a ver tudo rodando, e desmaiou. A Vovó ficou com tanta pena da bichinha, que começou a chorar. Então o Vovô levou-a de volta para o galinheiro. Lá fui eu e Vovô, e atrás de nós todo o galinheiro. Serafim estava tão nervoso, ninguém sabia direito o estado de saúde dela. Mas uma galinha que se dizia curandeira apareceu, e disse que cuidaria dela. Fizeram um chá de ervas para a dama de vermelho, jogaram um pouco d’água na cabeça dela, para tentar acordá-la.

- Ai, meu Deus. Me perdoa por tudo o que fiz com os meus amigos. Eles eram tão bons para comigo. – A dama de vermelho acordou, pensando que estava no céu.
- Ei, você não morreu. Olhe, estamos todos aqui do seu lado. – Serafim se aproximou sorridente.

Então a dama de vermelho abriu bem os olhos para ver se era real tudo o que estava vendo. Emocionada e cheia de felicidade, abraçou Serafim e deu-lhe um beijo. O galinheiro aplaudiu aquele gesto, o primeiro gesto de amor de toda a vida da dama de vermelho.

- Meu rei, você salvou a minha vida. Oh! Meu rei querido. Como eu nunca percebi o quanto você é lindo? – Disse a dama de vermelho para Serafim.

O galo também estava feliz. Sempre sonhou com aquele momento, estar nos braços da galinha mais charmosa do mundo. Sabia que ela tinha aprendido a lição. Daquele dia em diante eles se casaram, tiveram vários pintinhos. A dama de vermelho tornou-se uma rainha bondosa, e ajudava a todos. O galinheiro era só festa e sorriso. A palavra de ordem era bondade. Todos deviam ser bondosos, gentis, amigos e carinhosos. Serafim nunca deixava faltar nada para o seu reinado, e a sua rainha passava o dia ensinando as outras galinhas a se embelezarem para os seus galos.

Foi assim, amiguinhos, que descobri o conceito de beleza e bondade. E vocês, o que acham que devemos fazer para ser bonitos? Vocês acham que devemos ser bondosos com as pessoas que nos fazem mal, também? Eu nunca consegui xingar o meu chefe, e olha que ele vive me passando a perna. Até teve um dia que o pneu do carro dele furou, e eu lhe dei uma carona. Ele nunca me agradeceu pelo que fiz, achou que era minha obrigação. Sabem amiguinhos, a gente não deve fazer o bem esperando que as pessoas agradeçam, porque Deus está vendo o que fazemos. Estou com sono, mas antes quero que prometam para mim que irão sempre fazer o bem, e poderei dormir sossegada. Prometem?
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