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Poesias-->Brinco de formatura -- 08/01/2007 - 23:09 (Silvio Guerini) |
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O sinal fecha de repente!
Luz vermelha que brilha no poste.
Pare!
E incondicionalmente meus pés mudam de pedal.
O carro para.
Parece que a vida para junto.
Olho do lado e vejo o banco vazio.
Sem passageiro.
Sem você.
Um triste som de guitarras inunda o ar que me cerca
e um solo floydiano me arrepia
misturando o som doído de um piano
num solitário dedilhar de notas
juntando acordes de uma impiedade fria.
Fica difícil resistir àquela lágrima que quer sair
mas eu resisto...
tento...
mas nem tanto...
e ela vem...
Gota de lágrima que escorre do canto do meu olhar.
Gota quente que rola pelo meu rosto triste
enregelado pelo ar frio
ar condicionado pelo meu coração
que agora chora também.
E outra lágrima vem...
e mais uma outra...
e de repente me assusto!
Olho do lado e o rosto de uma criança
colado no vidro
nariz escorrendo
me tira do transe
lembrando que ainda estou vivo...
Seu rosto pedinte... maltratado...
faz meu vidro descer
vagarosamente...
trazendo o ar quente que vem de fora
de um abafado final de tarde
que parece não terminar nunca.
E aquele rosto maltrapilho que se revela
iluminado por um inesperado sorriso
me sufoca ainda mais
e me sinto chorando mais ainda
por dentro
quase que sangrando
lágrimas de desilusão
por tua ausência...
lágrimas tristes
por aquela presença...
do rosto triste de criança
que finge ser feliz
criança de rua
que estende timidamente suas mãos
sujas
onde coloco
meio indignado
meio resignado
algumas moedas que estavam perdidas no console
e de consolo
inesperadamente
recebo um franco e lindo sorriso de volta!
Sorriso branco
dentes alvos contrastando com a sujeira no rosto do menino
e como faca afiada
vem um “Deus lhe pague!” esperado
que soa sincero
cortando ainda mais meu coração na metade.
E um tímido “Fica com Deus!” quase que soprado
sai rouco da minha garganta
talvez pelo nó que se fez
talvez pela vergonha de ser humano
e enquanto o vidro escuro sobe
lentamente
isolando o mundo que gira lá fora
da minha solidão que revira aqui dentro
vejo a criança sentar na sarjeta
de pés imundos no chão
contar o punhadinho de dinheiro
que agora tem nas mãos.
O sorriso dela me alegra
um pouco...
mas a tristeza do som
que começa no rádio a tocar
me traz de volta para a realidade
para a minha dura solidão na verdade.
O amarelo do sinal me acorda
de novo
do transe que havia entrado
e vejo que estou só...
realmente só...
cruelmente em solidão...
e triste... abaixo minha cabeça desolado
e de repente
um ponto brilhante surge no carpete do carro.
Chama minha atenção!
A luz brilhante do sol poente
que caprichosamente atravessa o pára-brisa empoeirado
reluz efervescente num pedaço de você
jogado no chão!
Um pequeno diamante
delicada jóia
e num instante reconheço
teu brinco de formatura
que tua madrinha
tão docemente te deu um dia
num gesto de doce ternura.
Fico estático!
Não sei se crente no que vejo
ou descrente do que sinto
pois tua lembrança
feito um temporal de emoções
invade o espaço
preenche o vazio do carro
e fica impossível segurar as lágrimas
que agora rolam abundantes pelo meu rosto.
E um gosto de “por quê ?” vem até a boca
gosto amargo de uma dúvida
que levarei comigo para o resto de outras vidas...
Gosto de tristeza
que me faz sentir tão mal
que me atinge no peito
feito golpe mortal.
Pego nas mãos o pequeno brinco
e trago até bem perto do rosto
procurando por um resto do teu cheiro
pelo cheiro do teu perfume
e levo um susto tremendo
pois ele ainda está por lá
inebriante
que deixa meu sangue fervendo.
E tua lembrança
se faz ainda mais forte
dentro do peito
dilacerando o que ainda restava do meu coração
e me perco no tempo
nas brumas de um tempo que já se foi
levando consigo a minha razão.
E a impaciência do motorista de trás
me acorda nessa triste realidade
d’um vazio pesado que me oprime
de um desespero que me invade
Verde!
Siga!
Percebo que preciso seguir
mesmo sem você
mesmo que essa ausência me faça chorar
mesmo que tua falta me machuque tanto
mas tanto
que nem sei!
E com teu brinco apertado na mão
como se tivesse segurando um pedaço de você
mente girando em turbilhão
acelero...
O carro começa a andar...
A música no rádio parece ainda mais triste.
Olho a rua na frente.
Olho meu mundo ao longe.
Te procuro no horizonte
mas não te acho...
Maldição!
Diacho!
Quem sabe num’outra vida...
Quem sabe num outro tempo...
Acelero um pouco mais!
O mundo passa rápido pela janela do carro
pessoas... paisagens... a vida...
e deixo que a vida vá junto
sensação de desespero incontida!
Acelero um pouco mais...
Não sei bem pra onde!
Nem pra quê!
Quero fugir de mim mesmo
da tua ausência
que me dilacera.
Fugir do mundo
dessa cruel quimera
Mas continuo correndo...
feito louco...
até quem sabe... um dia...
num sinal vermelho seguinte
por mais que seja reles clichê
ou da vida... um novo acinte
Deus bem sabe o quanto queria
por mais um singelo sinal de você.
Silvio Guerini
27 de janeiro de 2006, 23h01
guerinis@uol.com.br
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