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Contos-->A CASA DOS RATOS - CONTO PARA O NATAL -- 14/12/2005 - 18:03 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A CASA DOS RATOS

Francisco Miguel de Moura*

Chega a hora da distribuição. De forma bem discreta, cada qual tinha ido ao shopping comprar algo para o parente eleito. Pelo que acontecia todo ano, à mente a importância que davam, mesmo que de plástico. A vida ficava mais cara, a dona enfeitara o jardim com vários gatos que comprara em lojas de novidade, todos muito coloridos. Uns dois ou três se destacavam pelo brilho, e de minuto a minuto soltavam miados eletrônicos meio ranhentos, principalmente quando as pilhas iam ficando fracas. A árvore era aquela mangueira que escapara da derrubada de tantas que deixavam cair folhas para o trabalho cansativo da empregada. Cheia de luzes e luzinhas, a maioria em lâmpadas de papel ou plástico, os presentes ao pé, cartões de plástico também, um papelucho enorme – a árvore já estava arranjada pela diligente matrona.
O mais velho – Juju, apelido de João – vira seu sonho cair por terra.
Desejara fazer uma festa diferente, na rua ou na calçada, mesmo que necessário pedir licença ao Diretor de Trânsito. No fim do ano o calor sufoca, fora de portas poderia pegar-se um ventinho, nem precisava leque – como as mulheres sempre o usam. Uma fogueira, não deixaria por menos, rompendo com toda a gritaria dos ecologistas. Por que somente em São João? E bem verdade que poderia pendurar lampiões de gás na árvore, outros nas paredes do muro. Também pensara (que inocência!) em abolir o plástico, matéria que tanto o aborrecia, quer pelo cheiro, textura e cor. Era impossível. Nas lojas, abarrotadas de mercadorias com todo tipo de chamamento, música e palhaços, cartazes e camelôs, eis o que se via: made in Japan, made in China, made in USA, made in Paraguay etc. A maioria deles vendidos a R$1,99. Comemoração com um grande jantar aa antiga há muito fora abolida, mas o resto da família – que família! – botou o pé na parede:
–“Tem que ter jantar à americana. Nesta terra se fala em ceia, mas todo o mundo sabe que não é ceia, é jantar. Muita comida, muita bebida, peru e champanhe, vinho e uísque rolando a noite inteira.
Pais, irmãos, cunhados, concunhados, primos, sobrinhos e mais parentes que era impossível identificar: primo do tio e da tia, sobrinha da mulher do tio, neto (não, o avô daquele não era o mesmo dos demais sobrinhos, e havia cossogros e cossogras ativos e inativos a valer). Resultado de casamentos cruzados, ajuntamentos, amancebos, separações, desquites, divórcios diversos e filhos de mulheres livres. Alguns casais tão logo divorciados se arrependiam e voltavam a conviver com a mulher, embora já cheia de filhos por viver amigada com um segundo homem e ter procriado de mais outro, em conseqüência de uma farra astronômica de carnaval. Casados com casadas (e os filhos e enteados de ambos estavam ali). Quinze filhos: uma família muito grande e diversificada. Não se podia falar em parentesco que não cometesse gafe. A confusão se estabelecia: a sobrinha poderia ser irmã e cunhada do tio, a prima poderia ser irmã do tio e da tia ao mesmo tempo (estes casados também entre si). Só o casal de avós - já existiam bisnetos direitos e tortos – sabiam da sua identidade: quem eram os pais, de quem eram irmãos, cunhados e primos até o 3º grau. Família, célula-mater da sociedade, célula que já estava doente de tanto crescer, de tanto confundir-se.
Juju deixou-se cair numa cadeira (também de plástico), macambúzio porque seu sonho naufragara. Muito católico, a festa do nascimento de Jesus queria-a de acordo com a natureza do menino. Debaixo da árvore, cercada de troncos como se fossem cadeiras, ceando coalhada com rapadura, músicas religiosas antigas, a voz poderia ser a de Simone, de quem gostava muito.. Tudo na maior simplicidade.
Também lhe fizeram uma ursada: Tanto que queria convidar seus amiguinhos – sempre tivera muitos amigos, todos do sexo masculino, meninos e adolescentes. E assim se dava muito bem. Por lá, por outras casas passava praticamente todo o seu tempo. E à mansão dos pais só aparecia para dormir, e tarde, tarde.
Lamentava. O que havia para comer e beber? Salgadinhos dormidos, comprados caros na padaria do centro do comércio, além do peru que estava sendo assado pela empregada.
Lá vem ela. Era o momento culminante, o auge da festa. Muitas garrafas secas, conversa alta, ninguém sabendo o que os outros diziam, que pela altura da voz, que pela música que se deixara repetir dezenas de vezes.
Juju finalmente tomara uma taça de champanhe.
É agora!
– “Este presente para mamãe, a dona da casa; este é do papai, o dono de mamãe” , gritou o Juju ainda meio desconsolado.
Sem que ninguém percebessem – incrível! – o jardim ia aos poucos sendo tomado por ratos que se espalhavam entre as mesas, cadeiras, comidas e o diabo a quatro. Subiam nas pernas das mulheres, entravam nos bolsos do paletó do homens...Perfuravam o bolos, lambiam os pratos. Refestelaram-se em cima dos ossos do peru e de mais coisas que sobraram como farofa, restos de bolinhos, carnes mastigadas e jogadas fora pelas crianças. Uma zorra. Começaram incomodar subindo até os cabelos das mulheres. Só uma gata velha rabujenta (e por isto ficara presa no quanto dos fundos, além da cozinha) saiu levantando o rabo e trazendo cheiro que para a rataria era catinga, começaram de mansinho a se espalhar, espalhar. Que castigo! As crianças ficaram admirando os bichinhos até a festa se acabar. A festa dos homens já morrera com os “ahs!” e “ohs!”, justo para procurarem os banheiros e as banheiras, as piscinas e chuveiros para a limpeza do corpo. A maioria não se incomodou com a limpeza, enquanto os ratos iam entrando para os quartos junto com os meninos. Estes logo dormiram na paz de Deus. Aqueles reclamava na cócegas que os bichinhos fazem nos pés.
E passaram a noite toda roendo, dos móveis passaram para os dedos dos pés e das mãos, o sangue jorrava e começou a formar-se um pandemônio. A saúde veio de manhã e ordenou que ninguém saísse. Estavam todos contaminados com um doença mortal, desconhecida.
Foi assim que aquela mansão ficou uma casa mal assombrada. Não obstante o governo tenha tomado a si a tarefa de higienizá-la e conservá-la, para uma espécie de museu do rato – todos os bichos foram empalhados. Os guias turísticos contavam uma história muito bonita daquele local, mas as velhinhas que pediam esmolas na frente, na calçada e na rua próxima me contaram esta história e disseram que verdade pura: - Os visitantes que lá entram, voltam assombrados. Os ratos andam, correm e sobem no corpo dos turistas e como querem arancar-lhes os olhos, as orelhas, entram pelos ouvidos e fazem-lhes às vezes sangue roendo os ossos. Um inferno!



______________________
*Francisco Miguel de Moura, escritor do Piauí, mora em Teresina e colabora em jornais desta Capital, das cidades de Varinha-MG, de Ponta Delgada, Açores Portugal e Porto, de Portugal.


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