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Contos-->O MEU RETRATO -- 06/12/2005 - 21:37 (carlos alberto affonso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O médico me intimou a fechar a boca e praticar exercícios, com o risco de sofrer um infarto a qualquer momento, se não cumprir a receita. Minha mulher se encarregou da parte que se refere a fechar a boca e domingo de manhã fui ao parque do Ibirapuera abrir as pernas, com passa -damente, em longas caminhadas. Ela pediu que a esperasse, precisava caminhar também, era só o tempo de trocar o neném e colocar uma roupa esportiva. A descartei, alegando que tinha outras coisas a fazer antes da caminhada, ficaria pra outro dia. Acho ridículo casais obesos praticando Cooper de mãos dadas, aquele suor gorduroso escorrendo pela testa, o peito arquejante, a conversa intercalada pela busca de ar. Peguei o carro e me dirigi para o parque. No caminho, um casal de velhos atravessava a rua, vagarosamente,tive que frear para não atropela-los. Malditos, por que não ficam nas cadeiras de balanços na varanda de suas casas.

Andando pelo parque, parei para observar uns quadros expostos sobre a grama. O autor das telas me consultou:
_Senhor, queres que pinte teu retrato?
_Então, és tu o pintor! E quanto cobras por tal feito?
_Apenas R$50,00. É só teres um pouco de paciência que em breve tempo retratarei o teu rosto na tela.
_Vá lá! Mas, gaste suas tintas, que por este preço dá para comprar muitos tubinhos, e escolha uma boa tela, no esquadro e sem defeitos.
Aproveito para descansar, que não sou de ferro. Sentei-me no banquinho, enquanto o Renoir brasileiro se punha a realizar sua obra. Logo, minha paciência se esgotou e várias vezes interpelei o lerdo pintor. Por fim, terminou e o expôs para minha observação. Decerto, esperava elogios, para seu ego e quem sabe ganhar uma gorda gorjeta. Quando o vi, me espantei, aquele não era eu. O retratista é míope ou péssimo fisionomista.Aquilo me deixou muito irritado. Como alguém que se diz pintor, não consegue retratar o rosto de uma pessoa.
_Mas, senhor, o retrato está muito bem feito. Até me esmerei, por vê-lo tão exigente.
_Devias pintar paredes, e não se propor a fazer coisas que não podes.
Um guarda municipal, que passava por ali, se aproximou para mediar a questão. Observou a pintura e deu razão ao pintor, até o elogiou. Neste momento, outras pessoas, curiosas, se aproximaram e todas, unanimente, apoiaram o pintor. Uma velhinha botou a colher de pau no meio:
_Meu filho, temos que nos conformar com o rosto que Deus nos deu.O que importa é nossa beleza interna.
_Ora, a senhora que vá cuidar de suas rugas e não me aborreça.Não vou pagar R$50,00 por esta porcaria.
_Pague-me, então, apenas a tinta que gastei: R$10,00. Posso lavar a tela e aproveita-la.
_E quanto pagaste pela tela?
_A tela me custou R$20,00. Ganho apenas R$20,00 por meu trabalho.
_Apenas R$20,00, achas? Pois eu acho muito, pelo resultado. Tomas aqui R$30,00 e não se fala mais nisso. Tu não perdes nada, e fico com isso que dizes ser eu, pois é bem capaz de venderes a outro dizendo ser ele.
Peguei a tela e fui embora sob vaia geral. Ainda ouvi o pintor se dirigir ao guarda:
_Deixa pra lá, não vou ficar mais rico, nem mais pobre.

Chegando em casa, joguei o quadro em cima do sofá e fui tomar banho. Quando saí, minha mulher já arrumara um lugar na sala para pendurar o quadro. Retruquei:
_ Não, essa droga vou quebrar e jogar fora, não tem nada a ver comigo.
_Não acho, está muito bem retratado.Ele pintou o que viu, não pôde fazer milagre. Mas, a pintura é de muito boa qualidade, as matizes, a luz, os traços muito bem delineados.O autor tem um futuro brilhante.
_Espero que tenha, pois assim posso resgatar o que gastei, quem sabe até ter algum lucro.

Agora, toda vez que entro na sala, aquele estranho me segue com os olhos, malévolos, sombrios. Se me sento no sofá, ele crava os olhos em mim, com ódio, repugnância. Não sei porque insistem, que esse aí, seja eu; até minha mulher. Ainda boto fogo neste maldito quadro.
Outro dia, quando me dirigia para o trabalho de táxi, irritado por não poder ir com o meu carro por causa do maldito rodízio, olhei distrai -damente para o espelho retrovisor interno e levei um choque ao reconhecer o mesmo olhar do quadro.Desviei rapidamente o olhar, não queria admitir que eram os meus olhos. Fugia do espelho, olhando para fora, para o teto do carro, para o chão, para as costas do banco, para a cabeça do motorista – brigara com ele, ao entrar no táxi, pois me olhou com reprovação por ter batido a porta – para o quebra-sol, e relutante, para o espelho novamente, lá estavam os mesmos olhos do quadro: os meus olhos! É desse jeito que os outros me vêem: eu sou assim, antipático, asqueroso. Um peso enorme recaiu sobre meus ombros, sentia vergonha. O táxi parou e o motorista anunciou o meu destino. Olhei para ele, humildemente, pedi desculpas, apertei sua mão com afeição e lhe ofereci o trôco sem ser mesquinho. Ele me agradeceu, surpreso por ver outra pessoa.
Entrei no prédio de escritórios e fui cumpri -mentando, com um sorriso no rosto, todos que encontrava: o porteiro, a moça que faz limpeza, o ascensorista, a senhora que serve o café, os auxiliares, enfim todos os funcionários da empresa.No final da semana, aqueles que eu achava detestáveis, me pareciam amistosos e simpáticos. Serviços que eu dependia de outros, que geralmente eram demorados e de pouca qualidade, agora, eram bem feitos e rapidamente.

Quando cheguei em casa, naquele dia, abracei minha esposa com muito amor e ternura, beijei sua mão e pedi desculpas por tudo, agradeci o seu amor, sua tolerância, e prometi,que aquelas lágrimas, que brotavam de nossos olhos, irrigariam as flores do jardim da nossa vida.Peguei meu filho no colo, coisa que poucas vezes fiz, e quando o fiz, por obrigação, ele olhou nos meus olhos e sorriu para mim, pela primeira vez.Quanto amor eu desperdicei.

No domingo de manhã, fomos todos para o parque do Ibirapuera: eu, minha esposa, meu filho e o meu retrato. O pintor se lembrou do ocorrido, até com detalhes, porém, polidamente, evitou de se aprofundar para evitar constrangimento. Ao ver o quadro, pediu desculpas, não era de seu costume transfigurar fisionomias, devia estar de mau humor e transportou, inadvertidamente, esse estado para a pintura. Prometeu refaze-la sem nenhum ônus para mim.Eu e minha esposa nos olhamos, felizes, estava curado, só faltava o pintor me dar alta.Confessei a ele que eu é que estava de mal com o mundo e fui salvo pela sua arte:lhe serei eternamente grato.Pedi que cremasse aquele retrato e pintasse o da minha família.Logo após, fui, com o meu filho no colo, caminhar pelo parque de mãos dadas com a minha esposa.

carlinhosaffonso@aol.com
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