Poemas escritos pela minha filha Ana Paula. Por senti-los bem trabalhados e com uma profundidade que obriga a relê-los e interpretá-los, aqui os deixo aos meus leitores com a disponibilidade para eventuais esclarecimentos.
ADAGA ÁGIL
Ao apetecer apimentar com acepipes
A apatia de Agosto, acomodei-me
Na almofada, a auscultar andorinhas!!!
Em acrobacia acidental, atraí o átomo.
Aborígene alimentado a água e amoras.
No ar, o aroma a alecrim adocicado.
Alpinista atingi a abcissa da alma…
Ao acreditar no altar da amizade,
Abate-se adamada, a adaga ágil!!
Anoitece no apuro dos abismos
Avantesma de axiomas absolutos
Afim de afagar o abissal amanhã
Aquém da adornada aragem!!!
BOLERO
O bebé balbucia a biberão e bibe
O bê-á-bá. Em busca do bico,
Beija a blusa balsâmica,
E baba de bola na boca.
O bule bicolor, balça a baunilha,
Num banquete de bolachas a boiar.
A brincar de baqueta e baú,
A begónia balança no balde!
A bucólica borboleta, de burel
Bordado a branco brilhante,
Baila na balaustrada de bambu,
Um bolero brutal e brusco!
Da barbárie, a beleza bainha
Num bondoso bemol breve…
Branda boémia de um babeiro
CÁRCERE DE CATEDRAL
Na caleche castanha calada,
Casta camélia conventual,
Cativante cambraia caiada
A carmesim cal e cristal.
Convicto de captar a cauta,
O califa de capa e cachecol,
Confiante como cosmonauta,
Caminha como um caracol.
Colina de capim cipreste,
A contrapor cisne celeste
De cachos canela cinzel…
Cavaleiro com chave de cela,
Comensal concerto. Clarim!!!
Carapim de calcanhar cetim…
D ÁGUA
Densa e despida
D’água desatada
Desliza decidida
A dor derramada
Difusa à direita
Destroço a dedal
Diáfana desfeita
De dupla desleal
Decalca e debrua
A dama decorada
Debica a doçura
Da derme dourada!
Débil e devoluta…
Desvanece deitada
ECO
Em exíguo ebúrneo
Escrevo eco ébano,
Enquanto a ebulição
Eclode em espuma.
Emendo a epiderme
Extinta esperneia
Esgrimo evocatórios
Eia!!! Estrofe emerge
Esmeralda efémera
Épica, enfarpelada
Em elmo enfeitada
Estóica, em escudo
Equipada, efectiva
Enviada, encantada
Esculpida, escaldada,
Envenenada, editada…
Eterna!!!
FÁCIES DA FADO
Fácies de fado fuzilam
E fitam o fosso finado.
A família fada o facto
Com fazenda fidalga.
O ferroso ferrão fecha
A fadiga num feixe floral.
A força das frases e da flauta
De frades, freiras e fraques
Fermentam um frugal fruir.
O farelo fatal, fustiga o fim,
Fraqueja a firmeza do féretro!
O filhote e a filha de fralda
Festejam a ficção da fábula
Num facetar fácil e fértil
De futuros feudais…
O feitiço de Fevereiro foge
Em furtivo festim de folhas
Na falésia faminta de fé…
GOTA A GOTA
A gravura grávida de galés e gaivotas
Guincha guerra gutural de golfadas,
Gemido de golpes a gole de gengibre.
A gadanha goteja gengivas e goelas
Numa genica de gume e groselha,
O general goza o grotesco grupo
Gargareja entre garfos e garrafas
Num galope de garfada gordurosa,
Gosma a gastronomia garrida a ginja
Em ginjeira gabarolice de genial glória
Gastrorreia de governadores de gabinete!
Com garra, o garraio genuflecte a génese
A giz a gramática de gaze e gesso
Guarda gente em glossário de granito…
HONRA DE HERÓIS
Horas, hipóteses e hipérboles
Habitam hermético horizonte,
Num hino de harpas e holofotes
De hectares humanos! Herança
De horticultores heréticos e hostis,
Húmus de horrenda história…
Hálito híbrido de holocausto
De hipófises, hemoptises e hera,
Horta de heróis humilhados
Higienizados a herbicida herege
Hiato da humanidade hipnotizada
Por hedionda hipocrisia hitleriana
ÍCONE
O impacto impõe-se à inércia invernal,
O Inocente irrompe do intacto imaterial
Inclinado em invólucro irracional
Imperceptível icebergue, impessoal…
A imagem infantil ilumina o inoxidável
O itinerário do imperioso inadmissível
Inverter de importância indesejável
Irreflectida da inacção incomportável
A imaterialização do incenso que invade
A imensidão de impróprias imprecações
Impostor a invasor, ilegal a imperfeito…
Imaculada insígnia, infinita, imperecível,
De um Infante ímpar, indivisível
Ícone incitador de imortal Igreja…
Já!!!
Justiça jaula justos e jibóias!
Num jacto de jornalista
O jornal justifica a jornada
Entre jogadas jurídicas,
E juízes de juba.
Num jogo jovial
Jorram à janela
Juramento jesuíta!
Juntam o joio e o jugo
Num justiceiro jejuar
De jogadores e jantares.
Justa… “A Jacinta da Jarra”
No seu juízo juvenil,
Justapõe o júbilo judicial,
De jaguares e joalharias,
À jocosa jorna de joanetes
E joelhos, de juta e junco
Jóias do jazigo da juventude.
A jusante, o jazz a jazer…
Juntamente com a jurisdição
Jornalística dos judas…
Jamais Janeiro de jangada
E jardins janotas…
Já!!! Justiça para Jaci…!!!
Ao Largo a Lua
No lavor lavro o lamaçal,
No lavatório lavo a lama.
A linha e linho, lacro o lixo.
O lufa-lufa ladeia o lodo…
A luz luxuriante da lua,
Lacónica liberta o lenço
E lanço o lamento no lençol
Legível de lusitano luto.
A limpidez do luxo lima a laje,
Lápide da liberdade lírica.
A lápis o leitor lê lágrimas
No lambuzar labial da leitura
De liras e lendas de lobos…
Lacuna laça de lembranças
De lagos e latidos à lua…
Mar de Mel
Moldada à melodia de Mozart,
Mestre na madrugada dos mitos,
Mercador de míticos e místicos,
Memória mármore de marés,
Multidão mímica de mudos,
Migalha num milhar de mundos,
Mortal e minúscula Margarida,
Move muralha na miopia mirante,
Melopeia de mutação musical.
Na mestria do movimento do mar,
Mergulha minuetes e murmúrios,
Nas matizes mágicas de Maio,
Momentos mananciais de mim…
SEPULCRO DE SONHOS
Sabático sol da savana
Sorvendo sumo de sombra,
Sódica seiva… Santana!!!
Sêmea, sêmola, sem sobra.
Sentada na sebe sentida
Soam sinos em suplício
Singular saudade sofrida
Só, sussurro em silêncio
Em seda safira, sedada,
Sacholo, sono sem sonho,
Serva de sina, sagrada.
Sentimento que sustenho.
Braga, 8 de Dezembro de 2006
Ana Paula Oliveira
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