Vi uma chamada de TV:
"O setor de achados e perdidos da rodoviária é o maior da América Latina". Não assisti à reportagem, mas resolvi escrever esta crónica.
Imagino um galpão enorme, com o que há de mais comum, como malas, guarda chuvas, telefones celulares, até o mais exótico, como um papagaio raro de origem amazónica.
Um espaço tomado por completo, do chão até o ultimo milímetro do teto, numa área de mil metros quadrados. Olho o cenário.
Penso comigo: "O que fazer com tudo isso? Esperar o dono aparecer?"
Faço a pergunta ao funcionário, que responde brincando:
- É mais provável que eu desapareça aqui dentro que o donos voltarem para buscar seus pertences...
Nos vinte anos de rodoviária, ele garante que pouca gente volta para buscar o objeto perdido. Perguntei:
- Por quanto tempo estes objetos ficam aqui?
- Esta decisão está sendo tomada há vinte anos pelo conselho diretor da rodoviária. Ainda não definiram. Posso dizer que tem objetos aqui que já completaram a maioridade.
- O senhor gosta deste trabalho?
- A gente se apega às coisas, sabe. Ainda mais essas , que vejo e revejo todos os dias. Estou mais tempo com elas que com minha esposa. Vejo elas envelhecerem, dia a dia.
Leva-me próximo a um local super empoeirado, onde estão algumas malas:
-Esta mala, por exemplo. Era novinha. Acho que o dono comprou para aquela viagem , e devia ser de alguém muito importante. Está aqui há doze anos. Perceba agora. Já está cheia de linhas e marcas do desgaste do próprio couro. Eu fico com pena, pois poderia ser adotada por alguém ao invés de estar abandonada aqui dentro.
-Como o senhor sabe tanta detalhe acerca destes objetos?
-Eu fico todos os dias aqui. Das oito as cinco. Nesses anos todos, eu desenvolvi um mapa super detalhado. Os objetos estão agrupados por setor e tem um código.
- O senhor saberia dizer quantos objetos tem aqui hoje?
- Com precisão: 4.824.
- E quantos, mais ou menos, já foram devolvidos aos donos?
- Uns mil.
- O senhor não acha pouco?
- É. Mas infelizmente eu não posso fazer nada.
- Não existe uma forma de tentar localizar estes donos logo que os objetos são encontrados?
- Não, pois a rodoviária é muito grande. São cerca de cinquenta onibus saindo a cada minuto,uma circulação média de trinta mil pessoas por dia. A senhora sabe, tem uma novidade. Aqui do lado tem um setor de ACHADOS E PERDIDOS: HUMANOS.
- Como assim?
- Gente que vem do norte, nordeste principalmente e não encontra o parente ou não tem onde ficar. Então, nós temos ali ao lado uma casa- dormitório que permite a pessoa ficar até setenta e duas horas. Só que tem gente que ta lá a mais de ano.
- E porque não volta?
- Não tem dinheiro.
- E não é mais barato para a rodoviária pagar a passagem a mante-los aqui?
- Esta é outra decisão que o Conselho está decidindo.
- Quem é esse conselho?
- Não sei. Mas falaram pra eu falar que existe um conselho que está decidindo.
- Onde me informo sobre esse conselho?
- Com o conselheiro do conselho. Eu também falo com ele quando tenho duvida.
- E onde fica?
- Eu te dou o 0800 e você liga. Só que tem que insistir, porque dá ocupado muitas vezes. E tem que ligar muito, pois ele demora a ligar de volta.
- Você já falou com ele?
- Varias vezes. Mas é engraçado que é sempre igual: "Você ligou para o conselheiro do conselho. Obrigado por ter ligado. Já estou tomando a sua decisão. Aguarde que em breve terá mais noticias".
- Só isso? Pergunto . Mas meu senhor, isso é uma gravação...respondendo
- Eu sei. Mas se ele tomar alguma decisão e resolver extinguir o departamento, eu perco o emprego.Por favor ...
