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Contos-->REENCONTRO -- 12/01/2001 - 10:25 (Paccelli José Maracci Zahler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
REENCONTRO


Paccelli M. Zahler

Aconteceu de repente, como um raio riscando o céu cinzento, atingindo em cheio um pé de pequizeiro em pleno cerrado e produzindo chamas que nem a mais forte tempestade conseguiria apagar.
Não houve tempo para pensar. Uma energia os envolveu completamente, largaram as taças embaixo do sofá e aproximaram-se o suficiente, hipnotizados, até o primeiro toque. Aí, aconteceu!
Depois de alguns meses de ausência, ela o convidou para ir ao seu apartamento. Não havia no convite nenhum plano premeditado mas, isto sim, uma saudade enorme, incomensurável, afinal não se viam há um bom tempo.
Ele relutou um pouco em aceitar pois sentia-se marcado por tantas idas e vindas. Pensou, ponderou, sua consciência acenava com o polegar voltado para baixo. Haveria algum problema? Conheciam-se bastante, já tinham vivido juntos, que mal um encontro furtivo causaria? Acabou aceitando.
O jantar foi soberbo. Ela não esquecera seu prato favorito – “crevettes au xérès” acompanhado de vinho branco, tampouco a sobremesa – “gâteau de noisettes, aux fruits”.
Conversaram bastante, riram e, sem perceber, beberam duas garrafas de vinho branco. Em um dado momento, seus olhos se encontraram, houve um silêncio profundo, sepulcral. Era possível ouvir o coração batendo, o peito arfando, as artérias e veias pulsando pelo corpo a fora.
Os dedos dele deslizaram delicadamente pelo corpo dela, explorando cada curva, cada vale, cada montanha. Escalaram escarpas, atingiram picos, provocaram arrepios, cócegas, despertaram a libido, “kundalini”, chegaram ao limite.
Minutos depois, o limite já havia sido ultrapassado. Não, não era um novo recorde mundial – algo que merecesse ser registrado no Livro Guiness. Eram tão somente dois corpos se encontrando, se buscando, como dois pólos opostos de um ímã. Macho e fêmea atraídos pelos feromônios produzidos por suas glândulas, sentindo as forças da natureza agindo em seus organismos, entregando-se ao êxtase total, libidinoso, irracional, despudorado, natural.
Não pensavam em nada. Queriam fundir-se, soltar-se, libertar-se da realidade. Conseguiram!
A saudade, o álcool circulando pelo cérebro, o desejo desenfreado, o sexo sem limites por horas a fio até o nascer do sol.
A noite nunca deveria terminar!


II


Na última vez em que se separaram, haviam prometido a si mesmos nunca mais se encontrar, não ceder, não dar o braço a torcer. Acabavam sempre se reencontrando, mortos de saudade.
Hesitavam ao se olhar nos olhos, afinal, já estavam bastante marcados por tantas idas e vindas. Todavia, o instinto selvagem, o cheiro do corpo e o carinho pareciam psicotrópicos, viciavam e não eram encontrados em mais ninguém por mais que os buscassem avidamente.
As pessoas que os cercavam ficavam impressionadas. À primeira vista, não havia como se entender. “Os dois são tão diferentes”, diziam, “mas deve haver alguma compensação que não nos cabe julgar, muito menos entender”.
Da mesma forma que se atraíam como pólos opostos de um magneto, repeliam-se como pólos iguais. Era um ciclo de harmonia-conflito-separação-retorno que se repetia, pelo menos quatro vezes por ano. Já havia passado oito anos!
Os amigos e familiares ficaram apreensivos a princípio, depois, se acostumaram. Não havia nada a fazer. Não podiam tomar partido. Os dois eram donos de sua própria vida. Não lhes cabia interferir.


III


Nenhum dos dois sabia explicar como se encontraram nem como aconteceu o clique que os aproximou.
Na Feira Mística de Brasília, um taróloga havia falado que era carma. Haviam sido inimigos mortais há três reencarnações e esta era a oportunidade para se entenderem e se perdoarem. Por outro lado, um babalorixá conjeturou sobre o encontro de Ogum com Iansã. Quem sabe? Os orixás costumam enviar mensagens através dos búzios...Segundo um astrólogo, o planeta Vênus de um fazia quadratura com o planeta Marte de outro. Será?
Embora as razões do coração sejam incompreensíveis, o fato é que os dois se aproximaram e as diferenças não contaram.
Ela mostrou-se meiga e recatada (talvez enfeitiçada pela magia do namoro – precisava impressiona-lo e a única maneira era parecer-se com ele).
Ele, por sua vez, encheu-se de júbilo. Finalmente, encontrara alguém com idéias semelhantes, porém, extrovertida. Na realidade, via nela a qualidade que lhe faltava – a livre expressão de sentimentos e pensamentos.
Nas reuniões sociais, ela era sempre o foco das atenções. Conversava com todo mundo, era benquista e ouvida. Ele, de sua parte, mal abria a boca, contudo, realizava-se ouvindo-a.
As coisas mudaram drasticamente com o casamento. Em pouco tempo de convivência, todo o encanto se desfez. A meiguice e o recato transformaram-se em rebeldia e insatisfação. Fazia de tudo para provoca-lo. Viajava sem avisar, ausentava-se por vários dias sem justificativa para desafia-lo. Jogava com as palavras e os sentimentos para provocar-lhe ciúmes. Inventava-lhe amantes, queixava-se o tempo inteiro.
Ele ficou surpreso com a mudança radical de sua mulher. Como não sabia se defender, dizia apenas que não era culpado pelas frustrações dela, todavia, começava a ficar dividido em seus sentimentos. Perguntava-se se ainda estava apaixonado por ela. E por muitos dias remoeu o assunto. Mas não havia outra coisa a fazer senão dar um “basta!” à aquela vida de gato e rato. Uma decisão difícil para quem levava as coisas a sério e sofria muito quando não havia contrapartida. Teria de recomeçar sua vida, porém desacompanhado. Para que continuar sofrendo?
Foi assim que, após muito pensar, arrumou sua mala, muniu-se de coragem e disse: “Basta!”
Tirou um peso de seus ombros. Respirou aliviado contemplando o céu azul e voou junto com as garças em direção ao novo horizonte que se abria à sua frente.
Ainda não conseguia avaliar o que fora oito anos de convivência com uma pessoa tão doida que quase o enlouquecera. Porém, estava livre!





IV


Quis o destino que, meses depois, se reencontrassem, jantassem, conversassem, rissem, bebessem vinho branco, permitissem a ação dos instintos, apesar de tudo.
O tempo havia passado. As coisas tinham mudado. Sentiu-se culpado por ter rompido a promessa que a si mesmo fizera – não a veria mais – no entanto, estava feliz, ali, ao seu lado. Tinha consciência das diferenças que os separavam. Jamais combinariam. Tentaram viver pacificamente por oito anos e fracassaram. Conheciam-se profundamente. Sabiam de seus pontos fracos e a forma adequada de se agredirem mutuamente. Valeria a pena recomeçar?
Ela abriu os olhos, sorriu, pegou sua mão e pediu que ela ficasse. Quem sabe desta vez...
Ele a olhou no fundo dos olhos. Um nó formou-se em sua garganta ao mesmo tempo em que sua mente repassava as divergências, as diferenças, as brigas, as separações, as humilhações, os vexames em público. É, não dava mais!
Seu estômago deu algumas voltas como que para botar para fora o que sua boca nunca pode ou soube dizer.
Levantou-se abruptamente, ante o olhar surpreso dela. Vestiu-se o mais rápido que sua agilidade permitiu e saiu porta a fora sem se despedir, sem olhar para trás.
Mudou de cidade, não deu o endereço nem o número do telefone para ninguém. Arrumou um novo emprego.
Remexendo em suas coisas, encontrou uma fotografia dela. Esforçou-se para lembrar do seu abraço, seu calor, seu cheiro, seu beijo, seu sorriso. Percebeu que isso não mais fazia sentido para ele. Era coisa do passado. Seu cérebro, em uma atitude de autodefesa, havia jogado no subconsciente todas as lembranças, embora o coração ainda sentisse uma pontinha de mágoa.
Nunca mais a viu, tampouco recebeu notícias dela. Provavelmente, já estivesse vivendo com outra pessoa, sem brigas ou provocações. Afinal, as coisas são assim mesmo!
Não há como conhecer completamente as pessoas ou prever suas reações, embora se tenha vivido com elas um bom tempo.
Costuma-se pensar que a separação é o fim do mundo e que não se vai ter forças para viver sem determinada pessoa. O tempo, na sua discrição, é sábio e tem ensinado que ninguém é de ninguém e que ninguém faz falta para ninguém. Tudo parece acontecer no seu momento certo.
Sempre haverá uma forma de recomeçar, apesar dos encontros e desencontros. Acima de tudo, é preciso reencontrar a si mesmo.
Assim pensando, dirigiu-se à sacada e contemplou a montanha e seu pico nevado. Comparou-o à Vida com seus obstáculos, seus altos e baixos.
Estava disposto a recomeçar, a renascer das cinzas como Fênix, a reencontrar-se em meio à solidão dos Andes.

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