No vaivém do balanço, ela sente o vento chicotear seu rosto, há pouco molhado pelo indiscreto correr das lágrimas. O semblante mostra faceirice, numa expressão exata do frescor pueril. No repetir dos impulsos, joga para o alto, como por encanto, todos os acontecimentos que lhe marcaram a pele. Sequer percebe a formação dos sulcos e cicatrizes. Vez por outra, a menina olha para as unhas das mãos. Sorri, ao imaginá-las coloridas e brilhantes. Não fosse a imaginação, que seria da vida? Áspera e cruel, serpente sibilosa. Nos meandros desse labirinto, sinuoso, a meninice não se dá conta do marasmo e da rotina que esfacela. Eis a graça! Mesmo na meninice as palavras duras ecoam como gotas de chumbo sobre zinco - tilintar que hipnotiza. Onde encontrar a meiguice? Só mesmo no encanto do desencanto.
Naquela tarde, Terê fora estudar na casa da amiga. Entre os exercícios de matemática e lições de geografia, os risos eram tantos, que os olhos chegavam a marejar.
“Vamos até o meu quarto?”
“Você tem esmalte de unhas?”
“Eu pinto as suas. Você pinta as minhas.”
“Combinado.”
O rosto de Terê ilumina-se ao ver as unhas pintadas. As mãos bem espalmadas, move-as lentamente, para melhor contemplar o brilho e o rosa que as deixavam tão belas. No doce enlevo de seus nove anos, era a cinderela beijada pelo príncipe encantado.
As meninas despedem-se rindo de tudo o que aconteceu.
Em casa, já em seu quarto, guarda os livros na maleta escolar e, diante do espelho, retorce o delicado corpo, bailando silenciosa. Leva as mãos para perto dos olhos e, com movimentos de cá para lá, contempla o colorido das unhas, vislumbre de vaidade.
“Terê, o que está fazendo aí no quarto?”, era a mãe a exigir explicações.
Terê volta à realidade e encolhe os dedos, escondendo-os na palma da mão.
“Venha até aqui. Conte-me tudo o que fez nesta tarde em casa de Luíza.”
Terê, a passos tímidos, vai ao encontro da mãe. É de medo, agora, a expressão do seu rosto. Esconde as mãos atrás da pequena cintura e, balançando levemente o corpo, responde às indagações.
“E tire as mãos aí de trás. Está escondendo o quê?
Ao ver as unhas pintadas, a mãe pega uma faca, ordena que Terê coloque as mãos abertas sobre a mesa e, vigorosamente, começa a raspar o esmalte. A ira é tamanha, que chega a ferir os dedos da menina.
“Nunca mais passe esmalte nas unhas. Isso é coisa do demônio. Safada, sem-vergonha. É esse o tipo de estudo que vai fazer em casa de amigas?”
Entre lágrimas inúteis, Terê não sonha mais com o príncipe encantado. Apenas impulsiona, lentamente, o movimento do balanço.