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Cronicas-->HÁ MALES QUE VÊM PARA BEM -- 19/03/2004 - 11:06 (Lílian Maial) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"HÁ MALES QUE VÊM PARA BEM"
por Lílian Maial


É um de meus ditados populares preferidos, justamente por eu ser uma pessoa extremamente otimista. No entanto, devo confessar que, nos últimos tempos, venho invertendo a frase, criando, eu mesma, a minha máxima: "há bens que vêm para o mal".
Tudo isso, por conta de um decreto do nosso querido Prefeito, que concede o adiantamento do 13° salário, para servidores municipais, em determinadas circunstàncias. Algumas delas, bastante claras, como gestação, adoção, cirurgias com internação. Noutras, contudo, a clareza dos fatos requer análise por uma comissão designada especificamente para esses casos. E eu tenho a graça de trabalhar junto com uma dessas pessoas, que avalia a concessão por doenças Cronicas.
Interessante que, para nós, médicos, a doença crónica é algo cristalino, como águia da fonte. Entretanto, quando começaram a chegar questionamentos sobre miopia e astigmatismo, ou perda dentária total (solicitação desse adiantamento para fazer óculos ou dentadura), percebemos que a expressão não é tão clara assim para o leigo. Ainda mais leigo servidor, que se acha no direito, por estar lidando com outros servidores, de automaticamente conseguir tudo o que pleiteia, sob pena de sonegar todos os votos da categoria, nas próximas eleições. Curioso, que o servidor reclamante sempre é amigo do Prefeito ou Secretário e, com certeza, vai nos dedurar, caso não paremos tudo o que estivermos fazendo, para ir procurar o seu processo, numa pilha de mais de 700.
Bem, mas isso são contingências do serviço, e eu, colega de mesa dessa integrante da comissão benfeitora, acabo passando o dia inteiro atendendo aos mais estranhos telefonemas que se possa imaginar.
Na verdade, não fazia idéia da quantidade de amigos íntimos que o Prefeito e o Secretário de Administração se permitiam.
Como se não bastasse, foi publicado um decreto, onde também seria concedido o mesmo benefício, mas para casos de endividamento. Só que, para nosso infortúnio, sem a devida regulamentação. Conclusão: choveram processos, que formaram verdadeiras torres de empilhamento sobre as mesas do setor, sem que se pudesse dar andamento.
Aí foi que o telefone não parou mais e, de Saúde Ocupacional, passamos a cuidar de Saúde Mental. A nossa: minha e de minha colega da comissão.
Foi um desfile de ligações recheadas de impropérios, ameaças, reclamações, desabafos, sem contar as longas histórias, que tínhamos que ouvir, sobre as razões das dívidas, absolutamente inúteis, posto que não estava ao nosso alcance agilizar nada, sem a devida regulamentação.
Servidor público sofre. Todos os erros ou equívocos do Prefeito, nós somos imediatamente responsabilizados, afinal, é o "nosso patrão". No entanto, todos os acertos são de sua exclusiva competência e da sua equipe de assessores.
Hoje, um inativo idoso esteve procurando a minha amiga, que havia percebido que ele era portador de doença crónica, e o havia instruído a transformar o processo por endividamento para o de doença crónica, a fim de liberar o pleito rapidamente, bastando apenas, para análise da comissão, que ele anexasse uma declaração de seu médico assistente ao processo, informando qual a patologia crónica que ele apresentava.
Tal servidor já havia me visto aqui, quando de sua visita inicial à minha amiga. Hoje, ao me ver, agiu como se nunca me tivesse visto, perguntando pela minha amiga. Expliquei, carinhosamente, que ela havia descido a outro andar, para buscar processos, e que ele aguardasse sentadinho ali, numa cadeira confortável. Voltei ao meu serviço.
Mal passados 3 minutos, o homem pergunta se ela iria demorar, já que ela o havia pedido para vir naquele horário. Eu novamente informei que ela estava ali desde cedo, mas que tinha ido a outro andar, etc e tal. Pedi, gentilmente, mais uma vez, que ele a aguardasse sentado.
Ele não sentou. Ao invés disso, foi conversar com outras pessoas, ali ao redor, possivelmente não acreditando nas minhas palavras. Depois foi à copa, bebeu um cafezinho e voltou.
Já estava imaginando para onde ele se encaminhava. Não deu outra! Cá veio ele saber se a minha amiga realmente voltaria. Isso, menos de 10 minutos da primeira abordagem.
Um tanto aborrecida pelas repetidas interrupções ao meu trabalho, por nada, mostrei a ele o celular e a bolsa da minha amiga, provando que ela não saíra para longe, pois não deixaria o celular sobre a mesa, caso premeditasse não voltar.
A essa altura, ofegando um pouquinho de nada, apontei para a cadeira onde ele deveria estar sentado, dizendo que já era a terceira vez que ele me interrompia para a mesma pergunta.
Nisso, antes que eu enlouquecesse ou saísse do sério, chega a minha amiga e passa direto por ele, para concluir, em outro setor, o que havia saído para resolver.
Não satisfeito, ele volta a me interpelar, para perguntar se ela iria demorar na conversa.
Para não estrangulá-lo, apenas respondi que ele me valorizava mais do que eu merecia, pois não tinha o poder de clarividência.
Só aí, o inativo retira um pequeno pedaço de papel - uma declaração médica - e diz que era só para entregar para a minha amiga.
Dito isso, após 30 minutos de sofrimento psicológico imposto, recebi o documento e avisei que o faria chegar às mãos da minha amiga. Anotei o número do processo no verso da declaração e o liberei.
Ele não foi. Ficou de pé ao meu lado, aguardando a minha amiga que, quando chegou, apenas o mandou embora. E ele foi. Ela deve realmente tEr parte com Santa Edwiges, a protetora dos endividados.
Pensando bem, de tanto ser penalizada com essas situações, vi ali o reflexo sombrio do futuro.
Todo servidor veio ao mundo para tornar outros servidores doidos. Ao menos, os endividados.
Se cada decreto do Prefeito trouxer essa avalanche de queixumes, vou me endividar (com gastos com remédios para os nervos e as sessões de psicanálise) e entrar na fila.





Rio, 17 de março de 2004.
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