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cronicas-->Pressão Máxima -- 17/03/2004 - 11:23 (Manoel Carlos Pinheiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eu disse a mim mesmo que não estabeleceria comparações, pois são situações diferentes.
Ao mesmo tempo, como não comparar?
Poderíamos ter seguido caminhos similares.
Dez anos antes dele, nasci e me criei no Agreste de Pernambuco.
Ele nasceu e se criou numa favela carioca.
Diferentes formas de pobreza.
A diferença maior foi o supremo esforço do meu pai em nos fazer estudar.
Nenhum de nós trabalhou na infància, nossa obrigação, além das tarefas domésticas e da busca constante por água em tempo de estiagem, foi sempre o estudo.
Misso, esperto, ladino, inteligente, logo teve oportunidade de ganhar um dinheirinho.
Destacou-se em seu ambiente.
Não sendo jogador de futebol nem compositor de samba, ele foi atraído pela única atividade económica que lhe ofereceu prestígio e uma pequena possibilidade de ascensão social: o tráfico de drogas.
Jamais foi considerado "bicho-brabo", apenas exercia o controle da região.
Fora do Morro, agia como qualquer cidadão.
Até mesmo buscou participar de atividades sociais e políticas, sem qualquer pretensão eleitoral.
Não tivemos qualquer contato no seu mundo, no seu "movimento", mas no movimento social sim.
Ele jamais usou a sua condição de "gerente de boca" para fazer valer as suas opiniões.
Sua participação no movimento social era discreta, na sua área nenhum candidato era impedido de fazer campanha eleitoral.
Um cidadão comum... poderia ter sido eu.
Droga! Lá vem a comparação! Como não fazê-la?
Ele poderia ter sido eu e o inverso também, pois eu poderia ter sido um Misso qualquer.

Um dia Misso foi preso.
Não tive mais notícias dele, pensei que tivesse morrido, afinal já passava dos vinte e cinco anos de idade, tornara-se longevo demais para a sua profissão.
Apenas estava na prisão.
Cumpriu pena e saiu.
Soube disto quando o encontrei, numa reunião política, em Santa Tereza mesmo.
Apareceu com cara de desesperado, pedindo ajuda para comprar remédio para um filho doente.
Disse estar morando em São Gonçalo.
Tocado pelo seu desespero, dei algum dinheiro, coisa que não costumo fazer.
Tenho sempre em mente a letra de Zé Dantas: "Mas doutor, uma esmola a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão".
Vozes da Seca. Até o título diz muito.
Os retirantes não querem esmola, querem uma oportunidade de trabalho digno.
Mesmo pedindo esmola, Misso queria trabalhar.
No exercício de uma profissão qualquer, mas sem voltar para o crime.
A vida de crimes fora o único caminho, mas ele pensou que fora apenas uma opção.
Eu tive escolha, ele não tivera. Droga! Já estou comparando outra vez!

Misso tentou.
Com todas as suas forças ele tentou tomar as rédeas do seu destino.
Procurou emprego, foi a entrevistas.
Quando descobriam que ele estivera na prisão, perdia o emprego.
Retornou ao Morro, mas não ao tráfico.
"A Rapaziada do Movimento" admitiu que ele ficasse de fora, uma grande vitória pessoal.
Poucos conheciam a sua real situação.
Nenhuma instituição o apoiava.
E ele desesperado procurando emprego.
Procurado por "moradores do asfalto" que se queixaram de assaltos em plena rua Almirante Alexandrino, todo sábado pela manhã,
Misso esclareceu: - não é o pessoal dos Prazeres, eu estou fora do movimento, mas posso pedir que eles atuem.

No sábado seguinte, nenhum assalto foi registrado.
Misso, mais uma vez, fizera o seu papel.
Surpreendentemente, na segunda-feira, os habituais três assaltantes armados estavam agindo no local de sempre.
A Polícia chegou, subiu a escadaria, enquanto os assaltantes, armados de fuzis, andaram pela rua e embarcaram em um ónibus da linha Castelo - Silvestre.
Os policiais subiram e encontraram Misso, sem qualquer arma, sem qualquer droga, e o prenderam.
Algemado, mãos para trás, de bermudas e sem camisa, Misso foi executado com dois tiros na cabeça.
Os policiais o enrolaram em um cobertor e desceram com o corpo, o qual foi encontrado no Morro da Providência, oficialmente morto em um confronto com a Polícia.
Para Misso acabou a pressão da miséria e do desemprego.
Ele virou um número na estatística oficial.
O Secretário de Segurança se jactará ao dizer que um criminoso comum, com passagem pela polícia, reincidente, foi morto em confronto com a Nova Polícia, na aplicação da nova Política de Segurança: a Pressão Máxima.
Não é para comparar, mas bem que poderia ter sido um desempregado qualquer.

Manoel Carlos Pinheiro
http://www.agrestino.blogger.com.br/
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