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Contos-->BELA ADORMECIDA -- 18/10/2005 - 21:58 (Maria Jose Zanini Tauil) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

BELA ADORMECIDA

Tânia era uma mulher que vivia há muitos anos ao lado de um homem sem formar com ele uma dupla, um conjunto, uma parceria, sem carinho, sem choque de pele e sem beijo na boca.

Após trinta anos de casamento, filhos casados, ela era um containers de ressentimentos. O vazio era imenso e a tristeza de ter vivido só para se doar, não a abandonava. Suas carências eram mascaradas com chocolates, sorvetes, bolos e caldas carameladas.

Anos atrás, o analista lhe disse que ela engordava para chamar a atenção do indiferente marido. Um dia, escutou uma conversa telefônica dele com uma mulher. Teve a certeza de ser traída. Segurou-se no limbo de sua autopiedade, aumentou a compulsão alimentar e engordou quarenta quilos. Chegou quase à obesidade mórbida.

Os atrativos físicos, que outrora chamaram tanto a atenção masculina ,desapareceram sob quilos e mais quilos de tecido adiposo e peles caídas. Os braços se encurtaram e se arredondaram. Não dava para descobrir onde acabava o queixo e começava o pescoço, era um papo só.


Não sabe como, mas colocou o dedo na ferida e buscou a cura.. O sentimento de rejeição passou a ser incentivo para trilhar novos caminhos.
Mergulhou fundo numa nova mulher, que aos poucos foi surgindo das profundezas de um poço que parecia não ter fim e, finalmente, chegou à tona,
começando a operação resgate. Transpassou a cortina de lágrimas e desamor, que vivera por anos.

Na verdade, surgira um oásis no deserto árido de sua vida: um alguém a valorizou como mulher, sem nunca tê-la visto. Tânia colocava suas desditas e desabafos nos poemas que escrevia para vários sítios da internet. Falava de sonhos, anseios de ser amada, da terrível carência de carinho.

Curiosamente, Paulo escrevia e sua temática era a mesma: carência, solidão...as afinidades, inúmeras. Era viúvo, preocupado com a educação dos filhos e passou a vida deixando o amor para segundo plano. Duas almas sedentas, que tiveram seus caminhos cruzados pela tecnologia (ou
por Deus?)

Com um espaço físico que os tornavam tão distantes, Rio e São Paulo, e um monitor de computador que os aproximava tanto, a ponto de conseguirem vislumbrar no imaginário, o brilho dos olhos, o toque das mãos e bocas ardentes. Só percebiam que estavam próximos porque, à noite, contemplavam a mesma lua e as mesmas estrelas..

A venenosa auto-estima de Tânia recebeu esse antídoto: as palavras de afeto de Paulo, sua atenção e carinho, excelentes combustíveis para um ser tão desmotivado.

A perspectiva de um encontro, um dia, fez com que Tânia se esmerasse nos cuidados com os cabelos, com a pele, com o corpo, já que a alma, recebia uma roupagem nova e se renovava para amar novamente.

Ela se percebia cada dia melhor, pois os olhares dos homens sinalizavam nesse sentido.. Olhos mais sensíveis e mais atentos descobriam nela, a beleza interior. Mesmo os homens sendo puro visual, deixando-se levar pela sugestão do que contemplam, alguns viam algo mais nela, talvez uma sensualidade contida e pronta para explodir, ou mesmo a sua imensa capacidade de dar carinho e amor.

Às vezes se revoltava. Quanto tempo perdido! Muito de sua celulite foi produto de abandono, sexualidade estagnada, esquecida. Chegou aos cinqüenta anos assim. Passou pela vida e não viveu.

Em tempo, jogou a dor na lata do lixo, passou a dar mais atenção à elastina que segura sua pele e aos poderosos aminoácidos, que rejuvenescem. Aprendeu a comer comedidamente. Não esquecia as recomendações de sua médica: "Só água não tem calorias".

E o Paulo? Ele jamais saiu do outro lado do monitor, ou melhor, saiu sim. Pegou um avião e foi ao seu encontro, ávido pelos olhos nos olhos, mãos nas mãos. Chegou ao aeroporto e ligou para ela. Era uma surpresa .

A mulher corajosa, que surgiu metamorfoseada, que venceu as barreiras do casulo, perdeu a coragem. Aquele encontro tinha gosto de traição e pecado. Precisava primeiro tirar a vírgula de sua vida e colocar um ponto final. Paulo não lhe perdoou a fraqueza. Para ele, havia um amor grande, alimentado por seis meses de troca de e-mails, confidências, poemas. Um funcionou para o outro como analista. Conheceram-se mais que muitos casais que vivem juntos. Conheceu o caráter daquele homem mais do que conhecia o marido.

Nunca mais se falaram. No ar ficou a promessa dele: "Estarei à sua espera, mas o primeiro passo, deve ser dado por você".

Ao sentir-se preterido, o marido acordou do longo sono da indiferença. Passou a enxergá-la, confessou seus delitos amorosos e pediu-lhe perdão. Tenta exaustivamente agradá-la e recuperar o tempo perdido, se é que isso é possível. Ela perdoou. É cristã. Aceitar é mais difícil. É ato heróico. Tudo em nome da paz e da união familiar, do exemplo aos filhos e do carinho que voltou a sentir por aquele homem , que pela primeira vez em trinta anos, se humilha, dá provas de amor e tem gestos de ternura.

Difícil saber que viveu uma longa vida de mentiras, que seu homem dormia saciado ao seu lado, enquanto seu corpo pedia amor. Esquecer? Jamais esquecerá...Ser feliz? Nunca o será, completamente. As feridas serão curadas, mas as cicatrizes serão visíveis, deixando marcas profundas.

Quanto a Paulo, quem sabe, foi um anjo mandado por Deus para despertar aquela mulher adormecida por tantos anos. O lado positivo da história? Tânia passou a gostar de si mesma.
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