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Poesias-->Lendo FERNANDO PESSOA -- 04/11/2006 - 21:15 (António Torre da Guia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DEFRONTE À TABACARIA



«Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.»



Leio, releio, medito, aprofundo a meditação,

asseguro-me de que raciocino ao extremo,

sondando-me, buscando e rebuscando sintonia,

tentando sensibilizar-me com toda a estrofe,

mas bato de encontro à parede invisível que não sei passar

e apenas no último verso me aproximo da ideia de Pessoa.



O primeiro, «Não sou nada»,

ainda vá, se estivesse isolado,

mas perante o segundo «Nunca serei nada»,

e o terceiro «Não posso querer ser nada»,

o meu alcance quase que desaparece completamente:

o Poeta remete-me para uma civilização extinta

entre o mundo das coisas que ainda não tinham nome.



Fico-me pois pela exagerada plasticidade do quarto verso:

«À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo»,

quiçá até os que não sei sonhar nem nunca sonharei.



Sonhei imenso, sonho sobre sonho, empolgado de anseio,

ávido de sempre mais novidade e descoberta,

imparavelmente faminto de contínua fantasia,

inconsciente construtor de castelos no ar,

indiferente às decepções das sucessivas quedas,

repulsivo-atractivo que mais ainda me impelia no sonho.



Hoje, após seis décadas, continuo e persisto em sonhar,

não avante, possuído pelas mágicas da ascensão

e pelas fulgurantes fugas ao abismo,

mas tão-só, logo que descobri o movimento do mar,

embalado na ondulação, agreste ou calma,

procurando quanto possível regressos e repassagens,

à guisa de filmes vistos pela segunda vez,

para fruir-lhes lentamente os pormenores

que não captei no dia da estreia

e estavam lá intensos de ignorada emoção.



Logo que a minha onda descende,

perpassando a enegrecida sombra dos escolhos,

acendo um cigarro, outro, outro e outro

para matar-me suavemente, muito-muito devagarinho,

viciosamente acoitado no baloiço do sonho

defronte à porta da tabacaria quase fechada.



António Torre da Guia
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