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cronicas-->PROFESSOR GOFFREDO TELLES JUNIOR -- 07/03/2004 - 23:09 (Leon Frejda Szklarowsky) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PROFESSOR GOFFREDO TELLES JUNIOR


O MESTRE SEMPRE ATUAL
(Publicada na Revista Prática Jurídica, da Editora Consulex nº 31, de 31 de janeiro de 2004)




Hoje vou escrever um pouco sobre a vida do Professor Goffredo Telles Junior, seus anseios, sua luta heróica em prol da liberdade e do Direito, sua decisão de abraçar essa nobre carreira e também narrar os sucessos que o tornaram um dos mais queridos mestres das Arcadas e exemplo para os mais jovens. Sua biobibliogafia é rica e extensa.
Não sei se dela me desincumbirei com a maestria que ele merece, como preito de singela homenagem àquele que, por mais de setenta anos, dedica sua vida à doce arte de ensinar e à fascinante atividade de advogar, porque o advogado exerce um sacerdócio e necessita da mais ampla e irrestrita independência para operar seu ministério. Constitui-se numa das colunas de sustentação da Justiça e é o arauto do Direito e da Liberdade.
Afinal, ensinar e exercer o ofício de advogado exigem sacrifício e vocação.
Esta é, na verdade, uma rara ocasião de voltar aos bons tempos da Academia e rememorar suas lições, que encantavam a todos, e reviver os bons momentos das aulas de Introdução à Ciência do Direito, que nos conduzia para o mundo encantador das ciências jurídicas e sociais e fazia-nos palmilhar as largas avenidas de cada cadeira, preparando-nos para a caminhada extraordinária.
O Professor Goffredo Telles Junior nasceu em São Paulo, terra da garoa e dos bandeirantes, terra do sem fim que acolheu e acolhe irmãos de todo o Brasil e de todos os rincões deste planeta imenso, berço esplêndido do ser humano, que, apesar de todos os defeitos, é a criação maior do Altíssimo. Se não o fez perfeito, foi por que lhe permitiu fazer uso de sua vontade e de seu espírito, assumindo assim a responsabilidade por seus atos, tornando-o livre e altaneiro.
No primeiro quartel do Século XX, em julho de 1914, a Europa é assolada pela grande crise que transbordaria na chaga que foi a Primeira Grande Guerra e afetaria imediatamente o Brasil, de então, mas, com isso, a indústria nacional seria beneficiada com a instalação de inúmeras empresas que iriam suprir as necessidades vitais do consumo interno.
Assume Wenceslau Brás a presidência da República, em 15 de novembro de 1915, e surge a primeira crise política com a questão da presidência do Rio de Janeiro. No sul, a campanha do contestado vinha enlutando o país. Em 8 de setembro desse ano, a sociedade era abalada pelo assassinato de Pinheiro Machado. Rui Barbosa, que não ganhara a presidência da República, tornara-se, porém, o paladino da liberdade e da democracia. Um ano depois, é aprovado o Código Civil, de Clóvis Beviláqua, para entrar em vigor no ano seguinte.
A República brasileira, recém instalada e consolidada, mas já com sérios problemas, veria, em Rui Barbosa, o grande nome da campanha civilista e o batalhador incansável do princípio da igualdade jurídica das nações, reconhecido como a Águia de Haia.
Neste cenário, em 16 de maio de 1915, nasce Goffredo. Dia como outro qualquer no imenso planalto paulistano, quando, ainda, cidade pacata, não havia poluição. Também pudera, ninguém sabia sequer o que viria a ser a poluição, o drama que assola, hoje, os seres de todo o planeta. De poluição, nem pensar! Só a garoa fina e aconchegante, de que tão somente os paulistas sabem gostar e agora está muita parcimoniosa, talvez porque os tempos mudam e a natureza pune a perversidade com que o homem a trata.
Fazia um frio gostoso, no outono seco, um céu liso, branqueado por nuvens que passeavam a galope de cá para lá, de lá para cá, voando como os pássaros ou como ÃŒcaro, em busca do sol, que lhe derretera as asas de cera, fazendo-o cair no mar.
Aquela criança, 62 anos depois, em 8 de agosto de 1977, lançaria no Pátio das Arcadas do Largo de São Francisco, do Território Livre, exatamente, às 20 horas, rodeado de estudantes, de gente do povo e de notáveis personalidades, a Carta aos Brasileiros, o memorável documento de alerta e "Proclamação de Princípios de nossas convicções políticas", que iria transbordar o Brasil e o mundo todo dele tomaria conhecimento, marcando para sempre o amor à liberdade e registrando uma das mais belas páginas da História.
Mais tarde, essa Academia da liberdade e dos grandes vultos da pátria, hospedaria, também, a primeira presidenta do centenário Centro Acadêmico XI de Agosto, a então jovem estudante Andréa Mustafa.
O mestre dos mestres, desde os primeiros momentos, deslumbrava os calouros, ainda tímidos e temerosos, naquele solar centenário, vizinho do velho convento de São Francisco. Em tom solene, sempre gentil e sublime, cativa os futuros bacharéis, mantendo-os atentos, e responde, adivinhando-lhes o pensamento e a dúvida:
- O bacharel em Direito é um cientista da sociabilidade humana, um cientista da convivência humana. E o Direito jamais se aparta da pessoa, pois é como o ar quer se respira. Está em toda parte.
Sábias palavras que jamais esquecerei e povoará minha mente por todo o sempre. Quanta verdade. Quão profunda é essa reflexão. Tão singela, porém atual. E, mais, a justiça é a retribuição equivalente ao que foi dado e feito, proclama o professor.

Então, indagação maior surge em nosso espírito. Qual a chave para o sucesso que o professor indicaria e terá palmilhado, para ascender às alturas, como o mestre sempre atual?
- Simples, meus queridos amigos. Sou advogado. Sempre fui. A advocacia sempre me fascinou. Nos meus oitenta e poucos anos de vida, nunca deixei de sê-lo. E sabem o que me leva a dizer-lhes isto? Sinto-me genética e umbilicalmente ligado a essa profissão. Por amor e dedicação. Dedicação, sem dúvida. Muito estudo. Muita leitura. E muita luta, sim senhores!
- Mas, não posso esquecer a mais sublime de todas as profissões que abracei: a de professor de minha querida Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Faz-me vibrar ainda agora. Mais do que nunca!
- Deixe-me dizer-lhes que nunca olvidarei aquela noite, em que passei acordado, logo após a aprovação no vestibular, lendo "O Direito Puro", de Edmond Picard, indicado pelo meu querido pai e que exerceu decisiva influência em minha vida.
Mas por que o diploma de bacharel em Direito é o portal de ingresso para o mundo? Por que é tão fascinante e envolve tantas pessoas? Responde o eminente e querido professor emérito:
- Não há nenhum segredo, acreditem. Não há milagre. Tinha dentro de mim, desde quando ainda era calouro (imaginem quanto tempo terá decorrido!) o sentimento de ser um pouco responsável pela ordem jurídica. E, ao terminar o curso, então, concluí que o abençoado diploma era, realmente, a chave para as portas do mundo. E, mais, essa chave serve também (creiam-me, não se trata de pretensão ou falta de humildade) não apenas para as profissões específicas da área jurídica, mas, pasmem, também para as outras profissões, porque é chave para o comportamento nas ocorrências da vida.
- E, por isso mesmo, ai do bacharel corrupto, seja ele advogado, promotor, juiz, delegado de polícia. Em assim agindo, transforma-se na triste figura de repugnante traidor da ordem instituída. Desde quando ainda estudava e em seguida, já advogado, tive a séria convicção de que o Direito é segurança da liberdade humana e do império da justiça. E a vida não teria qualquer sentido, se viver de acordo com o Direito, significasse viver coagido, pois me repugnam a violência e a opressão.
Em setembro de 1967, quando o autoritarismo se instalara, no Brasil, casa-se com Maria Eugênia, colega da Turma de 1964, filha de seu querido amigo Annibal e de dona Jenny, e que com ele colaborará, em todas as horas, e será a musa inspiradora de todos os momentos, com muito amor, como escreve na gentil dedicatória que lhe faz, no seu precioso livro "Direito Quàntico".
Campeando pelas obras desse entusiasta da ordem jurídica e da justiça, tem-se a certeza de que o insigne Goffredo, além de grande cultor da filosofia do Direito e da Justiça, na sua mais lídima expressão, é, também, o construtor de uma nova teoria do Direito e concebe, então, o Direito Quàntico, porque o advento do ser humano está preso à evolução da matéria cósmica.
Como se dá essa harmonia, aparentemente, antagónica, é questão intrigante, sem dúvida. Entretanto, com muita paciência, própria de quem muito sabe e tem a ensinar, responde, com a fleuma que lhe é peculiar:
- Não, meus caríssimos colegas estudantes e amigos (colegas estudantes porque todos somos irmanados pela profissão do Direito, não importa se agora ou depois), a harmonia existe. Não há fissura entre o Direito e o cosmos. A unidade da Substància Universal - princípio filosófico de civilizações antiquíssimas, atualmente se mostra nos laboratórios da ciência moderna, visto que a ordenação jurídica é uma clara demonstração de que a ordenação jurídica é a própria ordenação universal, isto é, a ordenação universal no setor humano, a ordenação da natureza única, no setor em que é promovida a ordenação cultural.
Esta concepção revolucionária é o produto de estudos aprofundados do mestre, contribuindo decisivamente para uma nova visão crítica do Direito desatrelada da ortodoxia tradicional, como o fizera o Professor Miguel Reale, com a teoria tridimensional do Direito.
Na Faculdade, revela-se o inquieto estudante Goffredo, que busca satisfazer a ansiedade de seu espírito, com as investigações científicas e o estudo aprofundado da Filosofia, culminando com as originais descobertas que faz, nesse campo. Com esse espírito, instiga seus alunos na busca da perfeição e os conduz ao sóbrio caminho de aprender sempre, com humildade, esforço e alegria.
Goffredo não é somente o jurista e o filósofo inovador que escreve e narra. É também o poeta e o escritor que faz de suas memórias um documento da história brasileira e também uma obra literária que descreve os mais importantes momentos de sua vida e os acontecimentos políticos e literários de maior expressão. O humanista Goffredo Telles Junior é um justo e sincero em sua biografia, pontilhada de fatos e narrações significativas.
Em "A Folha Dobrada" ou "Lembranças de um Estudante", recorda os versos de Tobias Barreto: "Quando se sente bater/ no peito heróica pancada,/ Deixa-se a folha dobrada/ enquanto se vai morrer/", que serão o mote de todo trabalho e a fonte para o título da obra.
A Folha Dobrada, contudo, não é apenas mais um livro. É o retrato fiel deste filósofo do Direito, caminhando e contando sua vida e os principais acontecimentos, desde o primeiro quarto de século, sendo ainda menino, até o alvorecer da primavera de 1977, ocasião em que o termina, pontualmente, às 11 e 30 da manhã do dia 30 de setembro.
Quem quiser conhecer O Século XX, em toda sua plenitude, um Brasil efervescente e o espírito desses momentos trágicos ou felizes, bons ou maus, terá que ler forçosamente essa obra.
Recordando os amigos que se foram e estão mortos, escreve:
- Ao pensar neles, ergo-me de minha mesa, revejo-os de um a um, nitidamente, nas paisagens antigas de minha memória, vou à estante, pego nas mãos com misteriosa emoção os livros que escreveram, procuro as esculturas que fizeram, as pinturas que gravaram nas telas. Ponho-me a refletir: o tempo é uma sepultura. As obras ficam para sempre. As lembranças, também. As imagens dos amigos, projetando como eram e o que fizeram, não descansam e povoam minha mente já cansada. Também remanescem as reminiscências doloridas na cabeça dos vivos.
Contudo, o tempo não é tão-só o sepulcro. É parte da eternidade que nunca começa, nunca termina. É o entrelaçamento entre o passado, presente e futuro, num contínuo vai e vem e interminável, num fluxo incessante de fantasia e realidade.
Pode parecer que o mestre é um inveterado pessimista, sem esperança, sem o dia de amanhã. Mas não é, não!
O càntico do poeta, a narrativa do escritor, a doutrina do jurista, o filósofo do direito, o político-ideaalista, o soldado da liberdade, o professor dedicado e afável e o vibrante orador e autor da Carta aos Brasileiros falam mais alto.
Numa noite de julho, no inverno paulistano, no ano de 1977, bem cedo, de madrugada, o relógio ainda não batera as cinco e os pombinhos ainda não haviam chegado ao beiral de sua janela, na tradicional rua São Luiz, bem no centro e próximo da biblioteca onde os mais notáveis por lá passaram, num repente, quebra o silêncio da noite mal dormida - o grande silêncio fecundo das horas que antecedem o raiar de uma nova manhã - senta-se à mesa de seu gabinete de trabalho e estudo, joga os papéis, empurra os livros e pega uma folha branca, imaculada e, sentindo o sublime roçar da asa de um anjo, rabisca lentamente, a lápis, no alto da página: CARTA AOS BRASILEIROS.
Dali, sairá o grito de liberdade, a morte da escravidão, o ressurgir de um novo estado de direito. O espírito esvoaça, livre e soberbo, em busca das palavras e do pensamento que, em breve, transformar-se-á na Carta aos Brasileiros.
Este Documento Magno reflete as aspirações de todo povo a quem compete tomar a decisão fundamental que marcará o universo jurídico legítimo e declara ilegítima a Constituição que não seja outorgada pela Assembléia Nacional Constituinte, com exceção da imposta por uma revolução vitoriosa, realizada com a participação popular. Sustenta que somente ao povo, por meio de seus representantes no Parlamento, compete emendar a Constituição, não podendo as emendas se fazerem nos moldes das alterações da legislação ordinária. Termina proclamando que a ordem - a ordem do Estado de Direito - é o valor mais significativo, não admitindo qualquer tipo de subversão, porque a consciência jurídica do País a proíbe.
Seu amor à vida, o desapego aos bens materiais e sua devoção incondicional aos valores e à ordem condizem com o pensamento lapidar de Lacordaire: "Quando a desordem impera, a liberdade escraviza, a lei é que liberta".
Assim é GOFFREDO TELLES JUNIOR, meu professor, meu amigo, meu grande mestre, o exemplo de vida, um predestinado.
Brasília, 20/1/2004:21:37:05

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