DE MIM PARA COMIGO
Tereza da Praia
Se eu lhe disser, singela flor,
Que na vida precisamos correr risco,
Sair sem destino, tomar chuva e não chuvisco,
Encontrar pessoas, conhecer gente, dar-se em amor.
Se eu lhe disser, ferido passarinho,
Que na vida é preciso sair do aprisco,
Não ter medo de se perder no caminho,
Não ter receio de escrever seu rabisco.
Se eu lhe disser, singela flor,
Que a vida é bem mais que isso,
que todas cidades têm seu esplendor,
Que todo lugar tem o seu feitiço.
Se eu lhe disser, ferido passarinho,
Que a dor que arde no peito é um espinho,
Não é dor do coração, também não é faniquito.
Apenas o desejo de ir e o de ficar, em conflito.
Se eu lhe disser, singela flor,
Que Itabira não é longe, Drumond não é fraco.
Se eu lhe disser: “Olha o amor subiu no muro.
O amor subiu na árvore, em tempo de se estrepar.”
“Pronto. O amor se estrepou.
Esta ferida, meu bem, às vezes
não sara nunca,
Às vezes sara amanhã”*
Se eu lhe disser, ferido passarinho,
Que é melhor, na estrada, ser a flor pisada,
Que o pé que a pisou, desatento no caminho.
Que a ferida vai sarar, vai parecer uma piada.
Singela Flor, não adianta querer ser borboleta,
Se não se desgrudar do galho, sair do casulo.
Não adiante imaginar voar, sem ousar, seguindo a etiqueta.
Querer amar, sem no escuro dar o pulo.
Passarinho, é preciso correr algum risco.
Sua índole não pode ser de uma alma cativa.
“Ne me qui te pás” no amor é quase confisco.
Quem ama não implora fica. “Vá”, incentiva.
Passarinho, flor singela,
se eu lhes disser que tudo é relativo
eis o único princípio absoluto.
Não pensem que brinco, sou apenas objetivo.
(*inserção "O amor bate na aorta" - Carlos Drummond de Andrade)
Texto : ® Tereza da Praia
SERIE: Cenas Insanas
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