Após o PI (programa de índio pra quem não sabe) mais comum hoje em dia, compras no supermercado, chega-se em casa. Por mais que se queira evitar o porta-malas vem cheio, sabe-se lá de que. Em geral não é de finas fatias de salmão defumado elegantemente dispostas em um prato, com fino azeite e alcaparras. Mais provável que seja de arroz, sabão em pó para roupas e para louças, detergentes de três cores, amaciantes de duas, massas em cinco formatos, banana, melancia, bergamota, feijão de duas cores, Modess, muito Modess, absorventes, quero dizer. Todo um arco-íris. Escovas para cabelos, dentes e chão (três diferentes). Uma ou outra garrafinha de vinho, refrescos dietéticos, refrigerantes com gás, massa para bolo, gelatinas, uma vassoura, um rodo, uma mangueira, carvão, papéis variados, vinte quilos de abobrinha, que estava uma pechincha e seis garrafões de suco de uva (dois pelo preço de um, como resistir?).
Ao estacionar na garagem, o desligar do motor sinaliza que deve iniciar um trabalho em equipe para a retirada das compras. Equipe. Minha família, minha equipe. Dá até para fazer um livro de auto-ajuda. Trocando de assunto, independente de se gostar ou não destes livros de auto-ajuda, há que reconhecer que eles ajudam pelo menos aos escritores. Eu não ficaria chateado de vender livros como se vendem os de auto-ajuda. Infelizmente, me falta o talento para tal, mas, convenhamos, o título é bom. Minha família, minha equipe. Fico imaginando a capa com uma foto da família em trajes dos anos cinquenta, incluindo a cachorra.
O curioso é que exatamente quando se desliga o motor do automóvel, se abate sobre a equipe uma epidemia de dor de barriga ou desejos irrefreáveis de lavar as mãos. Deve ser efeito do salgadinho consumido durante a viajem de retorno. Eu próprio sempre tenho idéias para escrever uma ou duas cronicas.
As compras estão ali, olhando pra você. A margarina derretendo, o sorvete em ponto de milk-shake, toda a carga em risco. Como você ficou só, há que ser criativo. Lembre-se de que você nunca está realmente só, mesmo na hora de descarregar as compras. Os desafios levam ao progresso, procure tirar lições de tudo que lhe acontece. Nesta hora é importante considerar algumas dicas para facilitar o seu trabalho. Primeiro carregue a mão esquerda com as sacolas. Não vá pegando tudo e tentando enganchar nos dedos. Calma, vá com calma. Repito, primeiro carregue a mão esquerda, ou seja, com a direita vá tirando do porta-malas e enganchando nos dedos. Os mais pesados nos dedos polegar e máximo. No mínimo, apenas coisas leves. Depois, mantendo a mão esquerda como está, apanhe o que puder na mão direita. Quando chegar na porta, grite para alguém abrir ou tente com o joelho. Coloque tudo no balcão da pia, na mesa do cozinha ou onde der. Depois é só repetir a operação até esgotar a carga, cuidando para que a porta fique aberta. Feche o porta-malas e entre correndo, dizendo que precisa lavar as mãos.
Na hora de guardar nos lugares definitivos alegue uma distensão muscular por ter carregado muito peso (culpa da melancia) e vá escrever uma crónica.
Minha família, minha equipe.
Escrito em 04.08.2000
Publicado na Seção Comentários do Cidade Virtual Brasília em 23.09.2000
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