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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->ZÉ PIRATA -- 23/04/2009 - 17:06 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em uma das últimas senzalas da velha fazenda Lagoa de Cima, em Campos, Rio de Janeiro, em meados de março de 1847 nasceu um negrinho, José dos Santos, beneficiado pela Lei do Ventre Livre, sancionada e aprovada em setembro de 1871. Anos mais tarde, o menino ganhou o apelido de Zé Pirata, por motivos que iremos conhecer.
Embora livres, os filhos de escravas deveriam, mesmo depois de tal lei, ficar sob a guarda da mãe, e de seu senhor, até 21 anos.
Antes de completar um ano, José dos Santos foi levado à paróquia de Campos, cujo vigário era João Carlos Monteiro, para ser batizado, e aos sete anos, em 1854, já era coroinha. Além de religioso, João Carlos Monteiro era fazendeiro e dono de diversos escravos – com uma escrava, vendedora de frutas, teve um filho: José do Patrocínio.
Os dois Zés, dos Santos e do Patrocínio, praticamente cresceram juntos.
Em 1867, em plena Guerra do Paraguai, José do Patrocínio, com treze anos, foi trabalhar na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, como auxiliar de pedreiro, e estudar no Externato de João Pedro de Aquino.
Já José dos Santos, com vinte anos, alistou-se em um dos batalhões dos Voluntários da Pátria para servir na guerra.
Sua atuação em diversas lutas e a ajuda prestada aos companheiros feridos resultaram na sua promoção a cabo de infantaria, sempre servindo em batalhões de voluntários.
Em dezembro de 1868, vários combates foram travados com o objetivo de abrir caminho para Assunção.
Entre as lutas que ficaram para a história da Guerra da Tríplice Aliança, formada por Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai, foram as batalhas do Avaí, travadas ao redor da cidade de Villela, em território paraguaio, ao lado do arroio do Avaí, que deveria ser transposto. O Combate da Ponte de Itororó faz parte das batalhas do Avaí, comandadas pelo então general Luiz Alves de Lima e Silva, marquês e, posteriormente, Duque de Caxias.
Na manhã de 11 de dezembro de 1868, os soldados paraguaios, para defender suas posições, começaram a lutar corpo-a-corpo com os brasileiros, em ataques ferozes com suas baionetas caladas.
Nesta época, o exército paraguaio estava praticamente dizimado e, para suprir os homens perdidos na guerra, inúmeras e valorosas mulheres lutaram em defesa da pátria.
José dos Santos, que avançava sob as ordens do general Manuel Luis Osório, marquês e visconde de Erval, foi ferido a baioneta na perna direita, por uma mulher. Dado como morto, ficou caído no meio da batalha. Porém, à tarde, após a rendição dos paraguaios, ele foi reconhecido como ferido e levado ao Hospital de Campanha, onde a sua perna direita foi amputada até o joelho.
No mesmo hospital estava o general Osório, gravemente ferido.
Inválido, em março de 1869 José dos Santos retornou ao Rio de Janeiro, onde, andando de muletas, passou a vender guloseimas nas ruas do centro, para sobreviver.
Em 1874, com o auxílio do seu amigo José do Patrocínio, na época, estudante de farmácia na Faculdade de Medicina, ganhou uma prótese, uma perna de pau, para poder se locomover com maior facilidade.
E foi devido à perna de pau que todos os seus amigos e fregueses começaram a chamá-lo de Zé Pirata.
Zé Pirata não largou mais o seu amigo Zé do Patrocínio.
Com o fim da Guerra do Paraguai, em 1870, e a libertação dos escravos, em 13 de maio de 1888, as configurações urbanistas da cidade do Rio de Janeiro começaram a se estender pelos morros vizinhos ao centro e na zona norte da cidade, ainda não loteada.
Surgem, então as primeiras favelas.
Em junho de 1888, durante as comemorações da Lei Áurea, Zé Pirata conheceu a mulatinha Ritinha, moça prendada com quem passou a viver. Teve, então, de procurar um lugar para morar.
Zé Pirata e outros amigos juntaram madeira, pregos e martelos para a construção de um barraco, no Morro da Previdência, atrás da Estação D. Pedro II da Estrada de Ferro Central do Brasil, construída em 1858.
A nova casa, mais longe do centro, aumentou as dificuldades de Zé Pirata para caminhar trechos longos, carregando os quitutes feitos por Ritinha. Assim, ele comprou um velho cavalo, Pilintra, e arrumou um sócio e companheiro de vendas, o menino Benedito, de quinze anos, irmão de sua mulher.
Ritinha fazia doces e salgados que eram vendidos pelos dois heróis da sua vida.
O ponto central onde ficava a carroça era a praça Mauá, perto das barcas para Niterói, onde o fluxo de pessoas era enorme.
Benedito era responsável pelas vendas, enquanto Zé Pirata ia capengando pelas ruas, apoiado em uma bengala, equilibrando o tabuleiro na cabeça, com aquelas delícias: cuscuz, bolinho de mandioca, coxinha, empada e vários tipos de torta, além de doces, como pé-de-moleque, doce de abóbora e batata-roxa, cocada, paçoca de amendoim, arroz-doce, sempre fresquinhos e saborosos. Aos bares e confeitarias da cidade ele vendia amendoim torrado e salgado.
E o seu negócio foi prosperando de tal maneira que passou a receber encomendas para festas.
José do Patrocínio, abolicionista ferrenho, largou a farmácia para se dedicar ao jornalismo
Na casa de seu protetor, capitão Emiliano Rosa Sena, em São Cristóvão, onde foi morar a fim de lecionar aos filhos de Emiliano, José do Patrocínio apaixonou-se por Bibi, uma das filhas do capitão, com quem se casou.
Na residência funcionava o Clube Republicano, frequentado por Quintino Bocaiúva, Lopes Trovão, Pardal Mallet, entre outros.
Sua atividade como jornalista evoluiu e ele se tornou o símbolo do jornalismo abolicionista no país.
No decorrer de 1888, em uma visita a José do Patrocínio, em seu jornal Cidade do Rio, fundado em 1887, Zé Pirata conheceu Olavo Bilac, que também colaborava com o jornal.
Para ele foi uma rara felicidade, pois era fã de Bilac, cujas poesias recortava e guardava para decorá-las.
Em meados de 1889, o império estava por um fio. As elites, descontentes com abolição dos escravos, pois suas fazendas e outras propriedades ficaram sem mão-de-obra barata, começaram a se reunir com os militares republicanos, com a finalidade de depor D. Pedro II.
Com o furor político que tomava conta da nação, quase todos os finais de tarde Zé Pirata, simulando vender produtos, sentava-se à mesa dos cafés com os expoentes do jornalismo e da literatura e com eles discutia questões relativas ao Império e à República.
Com isso Zé Pirata ganhou um novo e sincero amigo – Olavo Bilac.
Na manhã de 15 de novembro de 1889, sexta-feira, boatos alarmistas acordaram a cidade.
Ao chegar à Praça Mauá, Zé Pirata estranhou a calma. Colocou o tabuleiro na cabeça e seguiu a multidão.
Em uma das calçadas da rua do Ouvidor estava José do Patrocínio, agora republicano, com outros amigos e, entre eles, Bilac.
– Olhem lá! exclamou Patrocínio ao ver o marechal Theodoro da Fonseca ao lado de Benjamin Constant, ambos a cavalo, comandando o desfile após a Proclamação da República.
O Brasil já não era mais um Império.
Enquanto o povo vibrava, dando vivas à passagem da tropa que havia mandado D. Pedro II e a família imperial ao exílio, Zé Pirata sentou-se num caixote de madeira e chorou. Verteu profundas lágrimas pela sua abençoada Princesa Isabel.
O tempo passou e a república passou a se mostrar, cada vez mais, madrasta com os seus adeptos.
Em março de 1892, no governo do marechal Floriano Peixoto, começou a se delinear a segunda Revolta da Armada, promovida pela Marinha de Guerra do Brasil, junto com outros líderes monarquistas descontentes com a República. Mais uma revolta que foi dominada pelo Marechal Mão de Ferro, como era conhecido o presidente.
Devido às críticas veementes à República, José do Patrocínio foi preso e desterrado. Voltou, então, ao Rio de Janeiro, e abandonou a política e o jornalismo, passando a se distrair com outras idéias.
Para brindar Santos Dumont, sempre ajudado por Zé Pirata, mandou construir o balão Santa Cruz, que jamais saiu do solo.
No dia 30 de janeiro de 1905, ao saudar Santos Dumont, no Teatro Lírico, José do Patrocínio passou mal e faleceu, aos 51 anos de idade.
A vida continuou para Zé Pirata.
A fama dos seus produtos era notória na cidade – restaurantes, bares e confeitarias começaram a comprar diariamente as delícias de dona Ritinha.
Zé Pirata comprou um novo cavalo e uma carroça maior, cuja carroceria era coberta com folhas de flandres pintadas de amarelo, cor de sua orixá, Iansã. Nas laterais, a inscrição “Doces e Salgados do Zé Pirata”.
Em 1894 foi fundada, no Rio de Janeiro, a Confeitaria Colombo, à rua Gonçalves Dias, 32, que existe até hoje e faz parte do Patrimônio Cultural e Artístico da Cidade.
De admirador da Colombo, ponto de reunião de seus amigos, Zé Pirata passou a fornecedor dos proprietários portugueses Joaquim Borges de Meireles e Manuel José Lebrão, e a fazer parte da seleta clientela da confeitaria.
Quem quisesse encontrar Zé Pirata, bastava ir à Colombo, onde ele estava quase todas as tardes com seu terno branco, chapéu de palha, gravata borboleta de cores vibrantes e sua inconfundível perna de pau.
Olavo Bilac era outro frequentador assíduo.
Assim, a amizade entre os dois tornou-se fraternal.
Sempre que Bilac ia a Niterói visitar a sua amada e musa inspiradora Amélia de Oliveira, irmã do poeta Alberto de Oliveira, Zé Pirata oferecia-lhe uma bandeja com bom-bocado, embrulhada em papel de seda e amarrada com fitas amarelas. Era o doce de que Amélia mais gostava!
O tempo passou.
Olavo Bilac pouco aparecia nos cafés e confeitarias.
Sofrendo do coração, o parnasiano e príncipe dos poetas brasileiros faleceu na chuvosa madrugada de 28 de dezembro de 1918, com 53 anos de idade, solteiro, mas assistido por Amélia de Oliveira, Zé Pirata, parentes e amigos.
Uma jura de eternos namorados, feita na época de noivado, para quem partisse primeiro, era banhar o corpo do falecido com a colônia Vitória-Essência.
Amélia cumpriu a promessa. O corpo de Bilac foi perfumado pelas mãos de quem floriu a sua mocidade.
O pequeno travesseiro usado para apoiar a cabeça de Olavo foi aberto por Amélia e forrado com os seus cabelos, cortados durante o noivado.
O romantismo sempre imperou na alma dos parnasianos.
O corpo do poeta foi velado na Academia Brasileira de Letras, por ele fundada e, depois, acompanhado por uma enorme multidão em um coche puxado por dois cavalos escuros, ao som de marchas fúnebres tocadas pela Banda do Exército, debaixo de um temporal, seguiu para o cemitério São João Batista, em Botafogo.
Após o funeral, o amigo Zé Pirata sentou-se, sozinho, em uma tumba, ao lado do jazigo de Bilac, e lá ficou, sob a chuva, pensando e relembrando passagens de sua vida – ele estava com 71 anos.
Chorou! Com sentimento e em voz alta, protegido da chuva por seu chapelão de palha, recitou para o poeta três sonetos da Via-Látea, os que ele mais admirava:

XIII
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.



XXI
A minha mãe
Sei que um dia não há (e isso é bastante
A esta saudade, mãe!) em que a teu lado
Sentir não julgues minha sombra errante,
Passo a passo a seguir teu vulto amado.

– Minha mãe! minha mãe! – a cada instante
Ouves. Volves, em lágrimas banhado,
O rosto, conhecendo soluçante
Minha voz e meu passo costumado.
E sentes alta noite no teu leito
Minh`alma na tua alma repousando,
Repousando meu peito no teu peito...

E encho os teus sonhos, em teus sonhos brilho,
E abres os braços trêmulos, chorando,
Para nos braços apertar teu filho!
XXIX
Por tanto tempo, desvairado e aflito,
Fitei naquela noite o firmamento,
Que inda hoje mesmo, quando acaso o fito,
Tudo aquilo me vem ao pensamento.

Saí, no peito o derradeiro grito
Calcando a custo, sem chorar, violento...
E o céu fulgia plácido e infinito,
E havia um choro no rumor do vento...

Piedoso céu, que a minha dor sentiste!
A áurea esfera da lua o ocaso entrava,
Rompendo as leves nuvens transparentes;

E sobre mim, silenciosa e triste,
A via-láctea se desenrolava
Como um jorro de lágrimas ardentes.

Roberto Stavale
São Paulo, Abril de 2009.-
Direitos Autorais Reservados®

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