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Contos-->Os condenados -- 20/08/2005 - 20:48 (Janete Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
OS CONDENADOS

De beleza ímpar, era uma princesa sobremaneira ousada para a época. A diversão que mais a consumia era disfarçar-se de dançarina e andar entre o povo, deleitando-se em prazeres vulgares. O príncipe de um reino vizinho devotava-lhe uma paixão demasiada por sabê-la sua prometida desde a infância, vendo-a pela primeira vez já no início da adolescência. Mas a recíproca não era verdadeira. Ele não tinha o perfil de homem que apetecesse mulheres exigentes. Supersticioso, vivia amedrontado por uma profecia cujo prognóstico acusava-o de, no futuro, sentenciar à morte o próprio filho, resultando disso a divisão de seu reino.

Numa das vezes que vagabundeava pelas ruas da cidade, acompanhada de seus comparsas nada recomendáveis _ ambos dominados pelo vinho _, a princesa, que fora amaldiçoada pela mãe devido a seu comportamento atrevido, foi violentada por um ator sem prestígio de teatro popular. Ao sentir a quebra de seu ciclo, desesperou-se e contou à mãe o que lhe acontecera. Esta, arrependida de tê-la amaldiçoado, passou a noite em claro, entre lamentos e cálculos para amparar a filha, evitando tornar-se pública a ignomínia sofrida. O rei, habituado às insônias da rainha, nada notara de incomum.

Na manhã seguinte, mãe e filha decidiram que era o momento apropriado de realizar a união entre os reinos vizinhos. Convencido o rei de que era tempo de a filha ser desposada, contataram a outra família real, que ficou feliz pela fusão dos dois países: o príncipe e a princesa eram filhos únicos. O estuprador foi exterminado sem nenhum alarido, a mando da rainha.

Na consumação do casamento, o príncipe teve uma noite de núpcias inesquecível. Pela manhã, a virgindade da princesa ficou comprovada para contentamento de todos, que não pouparam gastos para uma cerimônia digna dos herdeiros.

Bem antes dos nove meses, a princesa dava luz a seu principezinho, mas não sobrevivera ao parto. Todos tiveram de aceitar que, como a criança viera antes do tempo, ou ela ou a mãe estaria sujeita a uma fatalidade como aquela, o que era comum na época.
O príncipe só teve contato íntimo com a princesa na noite de núpcias, visto que, no dia seguinte, como seu país estava em fase final de uma guerra com outro reino, houve a necessidade de sua presença numa das frentes de batalha, mesmo contra a vontade do pai, que era quem deveria ter ido, porém, como o filho o venerava, tomou decididamente seu lugar.

Ao retornar, quase um mês depois, a grávida já estava sofrendo os enjôos naturais e um deles foi abusar o esposo. Ele, que tanto a amava, suportou com paciência a situação. Quando o enjôo passou, o tabu quanto a relações íntimas com mulher grávida impediu novamente o contato. O coração apaixonado do príncipe mais uma vez se dispôs a aguardar, entre paciência e ansiedade, por novas noites de êxtase como a da primeira, após o nascimento do filho.

A morte da princesa deixou-o muito deprimido e amargurado. Permaneceu solteiro, contentando-se com o concubinato. Afogava a dor da perda no amor e no cuidado desmedido para com o filho, ambos intensificados também pelo temor da profecia. Mesmo assim, quando crescido, o filho não demonstraria um caráter digno do berço com que a vida o agraciara. Seria mimado e fanfarrão, impacientando-se dura e facilmente com quem não lhe fizesse os gostos.

Ao assumir o trono dos dois reinos, transformando-os em um só, o príncipe viúvo, agora o novo rei, tornou-se austero, severo e quase impiedoso. Fazia justiça com mão de ferro. Não tolerava as suspeitas ou confirmações de insurreição, as quais se tornavam cada vez mais freqüentes, todas efetivadas entre alguns do reino a que pertencera a princesa. Os culpados capturados eram punidos com extremo rigor. O rei, inclemente, não se comovia com a lamentação da plebe.

Um pai, irritado contra o rei, disse-lhe algumas “blasfêmias”, sendo morto imediatamente pela guarda real. Mesmo assim, os progenitores dos acusados persistiam em suplicar pelos filhos, à porta do palácio. Entre estes havia também uma camponesa, cujo filho fora preso injustamente entre os insurretos. Sem marido e sem condições, tinha a seu favor apenas o desembaraço para expressar de forma invulgar o que afligia seu coração.

Desesperada, pediu uma audiência com o rei para interceder pelo filho, o que não conseguiu logo, posto que o rei não tinha tempo nem para os de seu gênero, muito menos para os de “gênero inferior” como camponesas cansativas.

No dia da execução da leva em que estava o filho da camponesa, o rei também se fez presente, a fim de discursar ao povo que aquela seria a sentença de todos os rebeldes. Ao retirar-se, foi abordado pela mãe aflita que, a duras penas, conseguiu furar a guarda que separava o rei da plebe. Caída aos pés do rei, começou a mulher a tecer as razões pelas quais seu filho deveria ser poupado:

_ Ó, rei, poupa meu filho deste cruel destino.

O rei, muito a contra-gosto, mas atendendo o raciocínio político de um de seus conselheiros, resolveu responder pessoalmente ao clamor da mulher para demonstrar certa medida de tolerância e alguma popularidade, visto ser interessante, segundo um de seus conselheiros, aproveitar a ocasião para fixar na mente de todos o direito de ele pôr ordem àquelas insurreições.

_ Mulher, por que pouparia eu um insubordinado que se junta àqueles que tentam destronar-me?

¬_ Ó, rei, que pai ou mãe sobreviveria ao ver o filho de sua juventude e o único a que tivera direito sendo raptado da vida antes do tempo?

_ Mulher, não consideras tu que raptado seria eu ao povo do qual cuido como eleito que fui pelo destino e linhagem e que teu filho é um dos pretensos raptores? Sim, pois, ao unir-se aos que tentam destronar-me, não quer ele tirar-me o reino antes do tempo?

_ Ó, rei, atenta para o amor de uma mãe e deixa que ela tome o lugar de seu filho nessa injusta condenação!

_ Mulher, já me cansaste com tua súplica semelhante a outras que me chegam, todas vindas de pais e mães que negaram a devida educação aos filhos, não os ensinando a respeitar seu rei e autoridade máxima. Vai-te agora daqui. Teu filho cometeu crime e ele é quem deve pagar.

_ Senhor, meu rei, se puderes ouvir minha história saberás que a meu filho muito mais coisa foi negada, e a culpa não é só minha, mas tua também, pois, como nobre que és, tens poder de fazer a sorte de teus súditos melhor ou pior. Meu filho não é um insubordinado, apenas tentava defender o amigo que estava sendo maltratado pelos guardas de Vossa Majestade.

_ Mulher atrevida, acusas-me por tua negligência como mãe?!

E o rei, virando-se para sua guarda, ordenou:

_ Matem a ela e ao filho, agora!

Todavia a mulher, sem vacilar, mesmo já sendo arrastada pelos guardas, prosseguia, aos berros, na sua argumentação:

_ Senhor, senhor, que pai monstruoso mataria o próprio filho?

O rei estremeceu, lembrando-se da profecia. E interpelou a mulher:

_ Que dizes, mulher, estás louca?

E, desesperado, mandou os guardas aguardarem, ordenando que verificassem se não era o príncipe, seu filho, que estava amordaçado e encapuzado por engano esperando a morte. Ao ser informado de que o filho estava caçando no bosque como de costume e que o homem sob o capuz não era o príncipe, irou-se ainda mais contra a suplicante. Ela, porém, rogou-lhe, com lágrimas fartas, que ouvisse o que tinha a dizer a favor do filho. O rei cedeu, por sentir-se aliviado de a profecia não se confirmar. Então a mulher continuou:

_ Ó, rei, sei que amaste tua mulher uma única vez, e que nesse dia ela concebeu teu filho. Entretanto, ó, rei, essa história não se deu bem nesses termos. Sabe, ó, rei, que a mulher que esteve contigo àquela noite não era a princesa, tua mulher, mas uma jovem camponesa, virgem e formosa, que foi forçada por tua sogra a se passar pela princesa, caso contrário, seu pai, camponês endividado, teria seus dois filhos vendidos como escravos e o pequeno lote de terra em que vivia tomado ao reino.

O rei interrompeu-a bruscamente, quase a esbofeteando, contendo-se, porém, ao lembrar-se das solicitações da princesa na noite de núpcias. Ela o havia fartado de vinho, tendo gentilmente pedido-lhe antes que a aguardasse sob os lençóis, e de olhos vendados, exigindo ainda que não houvesse luminosidade, pois, como era sua primeira noite, estava tímida. Assim, remoendo a memória e sentando-se estatelado, disse à mulher: _ continua _, e ela prosseguiu:

_ Sinto por Vossa Majestade, mas a mulher a quem desposaste àquela noite fui eu, e meu filho a quem mandas matar é também teu. Teu único filho verdadeiro, ó, rei. Se ainda duvidas, vai e olha para ele e verás que suas feições trazem marcas consideráveis das tuas.

Ouve um momento de estrondoso silêncio. O rei, com um olhar perdido, fitava a mulher que chorava. Esta, percebendo sua perplexidade, ainda conseguiu arrematar algumas explicações:

_ Se quiseres saber por que a princesa assim agiu contigo, ó, rei, sonda o mais antigo e leal conselheiro da falecida rainha, o qual, para minha sorte e de teu filho, ainda vive, e compreenderás os motivos.

Nesse momento, um dos guardas entra estupefato e cochicha ao ouvido do rei, que arregala os olhos, levanta-se e grita desesperado, caindo em seguida atônito sobre o trono:

_ Maldição! Maldição! Maldição! A profecia, a profecia, a... profecia...

Um dos chefes da guarda, amigo de farra de seu filho ilegítimo, percebendo o “perigo” instaurado pela revelação, adiantou-se e ordenou que prosseguissem em obedecer à palavra do rei, matando sem clemência o acusado. Assim, pai e filho não puderam fugir à condenação imposta à revelia.

E, daquele dia em diante, o príncipe, junto com os revoltosos, trabalhou ardilosamente e conseguiu dividir o reino, assumindo aquele a que pertencera à princesa, sua mãe.



Janete Santos
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