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Contos-->Osório, o pescador -- 20/08/2005 - 18:47 (wagner araujo da silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Osório, o pescador – 19.Agosto.2005 – 02:08

Seu Osório era barraqueiro, não daquele tipo que dá vexame e perde a compostura. Ele era microempresário, tinha uma barraquinha de bebidas nas lindas praias da minha Santos, exatamente na direção da Avenida Ana Costa.
Em um belo sábado de sol, Seu Osório é convencido a passar o domingo pescando em alto-mar. Largaria sua batidinhas, raspadinhas, cervejinhas e pinguinhas de lado para relaxar. Ao chegar em casa é reprimido pela mulher que não queria saber de passar o resto do domingo limpando peixe e estragar seu belo esmalte recém retocado. Esmalte de cor neutra e clarinho. Segundo ela, como convém à uma mulher de modos. Ela nunca gostara de cor escura. Esmalte preto então, lhe dava a impressão de ter batido a porta nos dedos.
O fato é que às quatro horas da madrugada Seu Osório se levanta para ir à luta. Na sala, toda a sua tralha já por ele espera. Varas, molinetes, carretilhas, linhas, anzóis, chumbadas e o isopor cheio de cerveja. Isopor que deveria estar repleto no final da tarde com a fartura de peixe que os amigos prometeram e que acabara iludindo e convencendo o principiante pescador.
Ao sair do quarto dá um beijo em sua esposa e diz que a ama. Em resposta, com o máximo de humor que sua sonolência lhe permite, Dona Gertrudes apenas resmunga para o marido não se esquecer de passar no mercado na volta para comprar os peixes. “Coisa de mulher”, pensa ele.
O interfone toca e o porteiro com voz emburrada por ter sido acordado na guarita lhe diz que os amigos estavam por ele à espera. Desajeitado com toda a tralha Seu Osório se enfia no elevador de serviço e logo alcança o térreo de seu prédio. Dá bom dia ao porteiro que apenas meneia a cabeça em um misto de educação e má vontade. E animado lá se vai Seu Osório rumo ao Fusca joinha de seus amigos. Tão animado que se esquece de tomar o santo remédio contra enjôo. O super Dramin.
Tudo pronto. Tralha colocada no barco, motor do mesmo aquecido e latas de cerveja sendo abertas. “Um verdadeiro café da manhã”, pensa ele.
Zarpam. Passam pela Garganta e pela Laje de Santos para perderem o continente de vista. Três horas de sacolejos mar adentro. Pelo sonar o barqueiro então avisa a turma que um bom cardume se encontra abaixo do barco. Motor desligado, o efeito do mar começa a ser sentido. Seu Osório passa de moreno escuro de sol para branco bicho-de-goiaba. E então para verde. Um camaleão marítimo. Desnecessário dizer o que vem a seguir. Corre para a beirada do barco e devolve a cerveja, o jantar e o almoço do dia anterior. Tudo isso sob aplausos, risos e assobios da platéia.
Atordoado, Seu Osório resolve se deitar um pouco no minúsculo beliche localizado na proa do barco. Mas de nada adianta. São Pedro amanhecera com sede de picardia e o tempo não colabora. As ondas estão violentas e o barco nem de longe lembra a calma navegação de nosso barquinhos de papel em um tanque de roupas cheio d`água em nossa mais remota infância.
Com muito custo o pobre homem pega no sono mas é logo acordado por um urro avassalador. Seria um lobo marinho? Não, apenas um amigo que também passara mal e jogara fora a feijoada do sábado, com Dramin e tudo. Em um aperto emergencial e solidário, agora dois homens dividem o minúsculo colchão do beliche. “Coisa mais inglória”, pensa seu Osório, machão convicto.
O tempo passa e Seu Osório acorda. Mas agora acorda com mais dois homens ao seu lado. Aquilo para ele, era demais. Se levanta rapidinho e vai em direção à vara para pescar seus peixes que viraram questão de honra. Honra que imediatamente é derrotada pelo tombo do navio e pelo balanço do mar, os mesmos que ensinaram o marinheiro a nadar. A cabeça lateja, a barriga dói e as tripas parecem querer sair. Perde seu pudor e volta para o colchão com os dois homens.
Meio-dia. Nada de peixe. Mas pelo menos o mar se acalmara. Ele arrisca mais uma vez. Se levanta, espeta uma sardinha no anzol e joga a isca ao mar. Nada, nem uma beliscada, nem um puxão. Nem uma esperança. Mentalmente amaldiçoa seus amigos.
A tarde passa. Uma, duas, três, quatro horas da tarde. O vento começa a fustigar o barco e aí acontece. Uma puxada mais forte na linha e o tranco na vara. Seu Osório mal acredita. Começa a recolher seu molinete e pelo espelho d`água vê uma tainha se debatendo para não deixar seu habitat. Os amigos gritam e encorajam Seu Osório. Com uma lágrima nos olhos ele puxa a linha com sofreguidão. Aplausos ecoam pelo barco. Mas, por ironia do destino ou pela imaginação doentia do autor, vem de não se sabe onde um albatroz que leva o peixe antes mesmo dele cair nas mãos de Seu Osório. Era muita humilhação para um homem. Mas ele não desiste. Pensa na mulher que deixara em casa, no comentário na barraquinha no dia seguinte e principalmente, na vergonha de passar no mercado para comprar um peixe.
Até que finalmente, quando o barqueiro já ameaça ligar os motores para retornar ao cais, uma fisgada. Uma fisgada fraquinha e sem vergonha. Mas Seu Osório não tem dúvidas. Com toda a força que lhe resta dá um puxão na vara e começa a recolher a linha. Olha para o horizonte para ter certeza de que nenhum albatroz à espreita está e recomeça. Pouco tempo depois um porquinho bem pequenininho sai das águas. E do fundo da alma de Seu Osório sai um suspiro seguido de um palavrão.
O barraqueiro então se esquece do enjôo, do cansaço, da fome, e olha apaixonadamente para o peixinho. Coloca-o solenemente no isopor vazio e pensa que a felicidade realmente é mais valorizada quando chega depois de um sofrimento.







Wagner -

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