Outro dia, vi um documentário na TV, sobre travestis na Tailàndia.
No palco, eram moças lindíssimas, com formas femininas exuberantes, rostos maquilados com a técnica mais perfeita possível para rímel, batom, rouge e todos os artifícios imagináveis. Holofotes inteligentes mais acentuavam silhuetas voluptuosas, olhos irradiantes, sorrisos atraentes. Imagino que qualquer homem menos avisado, ou mesmo ao tanto, poderia ser apaixonar de maneira fulminante por aquelas moças atraentes, enroscando-se em si mesmas como serpentinas carnais e coloridas pelo sexo.
O documentário prossegue e entrevistas se seguem à apresentação cênica. Nesse quadro, as moças estão sem nada, estão como são, isto é, rapazes de sobrancelhas depiladas, rostos preocupados, olhos opacos, cabelos longos e amarrados num rabo-de-cavalo. E falam, esses rapazes, ora com voz fina, ora com voz grossa, e choram e riem, e mordem as unhas, e olham para a càmara - com olhar desafiador e com olhar suplicante. Tudo na mesma pessoa, esse hominho que não chega a ser homem nem chega a ser mulher.
Que brincadeira maldosa da natureza. Maldosa porque torturante. O ser humano cresce de um jeito físico, mas se sente de outro jeito, mental e psicologicamente. Um deles disse que já aos dez anos de idade se sentia mulher. Outro revelou que seu problema, quando está vestido de mulher - esse tinha seios implantados e quadris arredondados - seu problema maior era quando precisava usar um banheiro em lugar público. Entrar em banheiro feminino chocaria as mulheres; entrar no masculino... não teria como se ajeitar com suas roupas, incluindo as íntimas.
Mas o maior dos problemas era a idade. Ao envelhecerem, perderiam oportunidades de se exibirem em palcos e, com isto, sua única fonte de renda. Estavam desolados com a perspectiva de terem de enfrentar o mundo, pois naquele em que viviam pelo menos se sentiam em casa , entre artistas. No mundo além daquelas fronteiras, ou tinham de se esconder em roupas masculinas ou tinham de tolerar as chacotas, as perseguições, quando não pura e simplesmente expulsão.
Esse documentário me mostrou certos aspectos da vida que eu mal conhecia e ainda assim, só por literatura ou por fotos de carnaval. Assim, ao vivo, ouvir esse pessoal falar de sua vida dupla e infinitamente difícil, foi uma surpresa. E fiquei penalizada. Embora não seja esta, possivelmente, a reação por eles esperada. Eles precisam de compreensão, não de pena. Ou são elas?
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