Usina de Letras
Usina de Letras
157 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62225 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22536)

Discursos (3238)

Ensaios - (10364)

Erótico (13569)

Frases (50620)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140802)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6190)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->PINHEIROS FALANTES -- 22/07/2005 - 00:35 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PINHEIROS FALANTES

Em um passado bastante remoto, existiu um rei soberbo e feudal cujo nome o povo se esqueceu, com o passar do tempo.
Uns dizem: — era João. Para outros: — apenas Tristão. Mas, na verdade, tanto o seu nome, quanto a sua saga foram esquecidos.
Mas estes detalhes não vêm ao caso. Vamos contar um pouco sobre o seu perfil e alguns acontecimentos do seu reinado.
Se procurarmos no mapa-múndi será difícil encontrar onde ficava o seu reino.
De acordo com algumas anotações, acredita-se que a sua localização ficava a umas três mil léguas abaixo do equador. Aproveitando-se do clima ameno e das terras férteis, mas improdutivas até então, Tristão, vamos chamá-lo assim, decretou que todos os seus domínios, e também os alheios, fossem plantados com árvores frutíferas. Quem não plantasse ficaria sujeito a duras penalidades.
Apesar do ar carinhoso e paternal, Tristão era um homem ruim. Seus parentes e amigos contavam coisas do arco da velha quando se referiam a ele. Diziam que era descendente direto de Minos e do barqueiro Caronte, e que sua família trabalhava com fretamento de barcas para viajar pelo Aqueronte. Isso torna desnecessário dizer que Tristão era primo dos demônios que habitavam as profundezas da Terra.
Para percorrer com rapidez suas propriedades, Tristão mandou vir, de um país que só ele conhecia, uma carruagem voadora puxada por quatro cavalos alados, talvez crias de Pégaso.
O povo, amedrontado, ouvia de longe o relinchar daquelas cavalgaduras voadoras. Como num passe de mágica, ele fazia a carruagem descer naqueles carreadores como se ela fosse uma pluma. Depois, ao lado de Brutus, seu cão de estimação de três cabeças, da mesma raça de Cérbero, andava horas a fio, observando as plantações.
A mitologia conta histórias fabulosas sobre deuses, semideuses, heróis, bruxas e monstros, principalmente das antigüidades grega e romana, cujas religiões antigas desapareceram, deixando-nos um legado de história e cultura.
O rio Aqueronte, junto com o negro Cócito e outros, segundo a mitologia grega, levavam às profundezas do inferno. O barqueiro Caronte tinha a missão e a descriminação de atravessar, de uma margem para a outra, os espíritos através dos rios. Conta-se que o barqueiro escolhia quem levaria. Os espíritos permitidos para embarcar eram os que, na Terra, tinham recebido os devidos ritos fúnebres. Aqueles que ficaram insepultos estavam condenados a vagar durante cem anos, abaixo e acima da margem, antes de finalmente poder ser levados.
As almas que conseguiam atravessar, ao desembarcar deparavam-se, como castigo, com Cérbero, o raivoso cão de três cabeças que tinha o pescoço eriçado, cheio de serpentes. Descendo mais, estas almas encontrariam o feroz gigante Minos que, sem preâmbulos, julgava as almas, designando-lhes as penas a serem cumpridas no inferno.
Na mitologia grega, os monstros eram seres de proporções sobrenaturais, sempre encarados com horror, pois devido às suas ferocidades eram empregados para perseguir os homens. Alguns deles, imaginava-se, combinavam os membros de diferentes animais, como a Esfinge e a Quimera. Outros distinguiam-se dos homens principalmente pela diferença de tamanho. Dentre os gigantes humanos, podemos citar Ciclopes, Anteu e Orion.
Quando Perseu cortou a cabeça da Medusa, o sangue que caiu sobre a terra transformou-se no cavalo alado Pégaso. Minerva tomou-o para si e amansou-o, dando-o de presente às musas. A fonte de Hipocreue situada na montanha onde viviam as musas, foi aberta por um coice daquele cavalo.
Mas voltemos à nossa fábula.
Trstão contava fruta por fruta de cada árvore, e ia anotando num pedaço de papiro, com pequenos carvões que trazia nos bolsos. Coitados dos camponeses caso ele percebesse que faltava alguma fruta! Ele mantinha por perto seus feitores, munidos com longos chicotes, para castigar os infratores. Frutas espalhadas pelo chão? Nem pensar! Suas leis impunham ao infrator, nesses casos, a prisão perpétua.
Até os pássaros eram proibidos de bicar os frutos! Diversos corvos os vigiavam lá do alto. Ao notar qualquer irregularidade, imediatamente comunicavam o fato ao seu temível dono.
Mas os leitores certamente devem estar pensando para onde era levada toda a produção, depois de colhida.
Tristão mantinha um rebanho de mais de cinco mil burros e mulas. Com duas cestas carregadas de frutas dependuradas nos lombos, e conduzidos por escravos, os animais seguiam para os celeiros reais, localizados nas proximidades do palácio.
Tristão tinha nove esposas, mas não tinha filhos. Seus parentes nem entravam pela única porta da alta muralha que cercava o palácio.
Toda os membros da corte comiam frutas pela manhã, no almoço, no jantar e na ceia. Banquetes e mais banquetes de frutas eram servidos pela criadagem. Interessante é que eles não tomavam suco de frutas. Ele, suas esposas, a corte, os nobres e a plebe só podiam beber água.
Os que conviveram mais próximo dele afirmavam que Tristão havia herdado o mesmo castigo imposto a Tântalo, no inferno criado pela mitologia grega.
Fora dos aposentos reais, durante as visitas em suas terras, sempre que se aproximava de um riacho, ou de uma nascente, para matar a sede, a água simplesmente sumia. Nos rios onde ele entrava, as águas desapareciam entre os seus pés. Faminto, ao lado das suas frondosas árvores, com os galhos vergados pelo peso dos frutos e inclinados em sua direção, o vento soprava tão fortemente que os empurrava para longe do seu alcance.
Certo dia Tristão amanheceu de mau humor e, em vez de ir verificar as plantações com a sua carruagem, permaneceu no palácio, meditando sobre alguns de seus protegidos. Não os queria mais morando dentro do palácio.
Pensou, repensou e decidiu construir uma enorme gaiola de ouro para servir-lhes de moradia.
Eram sete os escolhidos: Pherdy, Alberrach, Maximus, Wangler, Servis, Eliphas e Kadru.
Mandou vir arquitetos e engenheiros, do outro lado do mundo, para a construção da gaiola.
Quanto chegaram, estes profissionais verificaram que o castelo não tinha terrenos disponíveis dentro dos seus muros. Então, perguntaram:
— Onde será construída a gaiola?
Tristão pensou e pediu um tempo para poder mostrar um local ideal para a construção. Como de costume, teria de ser bem debaixo do seu nariz. Lugar onde ele poderia estar a toda hora, vigiando os seus moradores. Assim, resolveu que a gaiola deveria ser construída num vale, abaixo do palácio. Das suas janelas e com uma grande luneta, armada num tripé, seria fácil controlar os desafortunados.
Durante o projeto, o rei idealizou um outro muro para cercar a gaiola. Beirando o muro, na parte interior, plantaria milhares de mudas de araucárias, vindas de terras frias, mais abaixo do seu reino.
O tempo passava enquanto a gaiola ia sendo construída com todos os requintes para os engaiolados. Os pinheiros cresciam.
Fantasticamente, as mudas cresceram tão depressa que antes de terminar a obra as árvores já tinham aproximadamente cinco metros de altura. A cerca viva ficou bem acima do muro. Assim, quem passasse por fora não conseguiria enxergar coisa alguma. Só das janelas do palácio, e voando na carruagem, era possível avistar a gaiola.
Passaram-se os anos. A lenda diz que os moradores não tinham sossego, principalmente nas noites frias e com fortes ventanias. Os pinheiros, ao invés de farfalhar, gemiam e conversavam entre si.
E as conversas não eram nada animadoras.
— Quem é você? Gemia um.
— Sou o Chico, aquele que morreu de tanto ser castigado pelo rei!
— E você? Choramingava outra.
— Eu? Vai dizer que não se lembra de mim? Sou a Catarina, aquela que morreu atropelada pela carruagem.
Aos poucos os moradores da gaiola foram sabendo nome por nome de todos os que haviam morrido nas garras do rei Tristão.
Assim, a gaiola, apesar do requinte, da vasta dimensão e da riqueza, não passava de uma enorme prisão. Os setes moradores com suas famílias nunca mais saíram de suas grades douradas. Apenas olhavam o muro e as araucárias que, para o resto da eternidade, iriam contar as suas tragédias.
Ainda hoje, quem passa por lá, nas noites escuras e com ventanias, pode ouvir e até conversar com os pinheiros falantes.


Roberto Stavale
Livro "Contos E Recontos"
São Paulo, Maio de 2004.-
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui