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Artigos-->A Era dos Debates -- 23/02/2001 - 23:22 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A arquidemocrática tradição do discurso público, na pureza de uma cultura praticamente destituída de substância



De Uwe Wittstock (DIE WELT online, 22/02/2001)

Trad.: zé pedro antunes



Nossos conflitos públicos já não são mais o que foram um dia. As antigas linhas do fronte vão se dissolvendo: na República de Berlim, a cultura e o estado encontram uma nova forma de relação. O espírito e o poder já de há muito não se colocam, um defronte ao outro, de modo tão inconciliável como, tantas vezes, no passado alemão. Ambos os lados buscam um do outro aproximar-se, ambos, nesse meio tempo, passaram a ter preocupações semelhantes, técnicas e truques de trabalho semelhantes. Portanto, não é um milagre terem alcançado uma melhor compreensão recíproca.

Um exemplo cabal deste processo, eis o que nos proporciona um olhar em direção ao artista Hans Haacke e ao político Friedrich Merz. Ambos, nos últimos doze meses, foram responsáveis por piques publicitários dignos de consideração, provocaram, com direito a transmissão direta, um daqueles casos de desentendimento público, aos quais nos apraz chamar de debates. Verdade é que, para tanto, não se valeram, a rigor, dos mesmos meios, mas os métodos utilizados são, ponto por ponto, passíveis de comparação.

E a coisa se dá mais ou menos da seguinte maneira: Por meio de uma suculenta obra conceitual (Haacke) ou declarações à imprensa - formula-se uma tese, que soa provocatória mas não suficientemente precisa, sobre não importa qual sensível tema político. Todos quantos acreditam saber com inteira exatidão a forma politicamente correta de abordar o tema, e isso é automático, são chamados a contradizê-lo, sempre energicamente, perante a opinião pública - o que já redunda em barulho considerável nos meios de comunicação. Por meio desses ataques, opositores são postos então em estado de alerta, eles que, a propósito, passam a interpretar e a defender a tese referida - como foi dito acima, não suficientemente precisa (importante!) em seu sentido -, o que potencializa o barulho. E o debate se instala.

Mas, no alvoroço das opiniões que então se desencadeia, a ser degustado por todos os lados, o ensejo célere desanda para a baixaria - o que, ao debate, só pode trazer benefícios, pois ninguém de posse dos cinco sentidos teria a idéia de atribuir qualidades intelectuais extraordinárias ao Trog do Parlamento, projetado por Haacke, ou ao conceito de uma "cultura condutora" [leitkultur], proposto por Merz. Loge disso, o que se cultiva é uma tradição arquidemocrática, na pureza de uma cultura (Reinkultur) alegremente sem conteúdo e praticamente destituída de substância: o discurso público, a incluir o maior número de cidadãos possível.

Eventualmente, até sem provocadores o mecanismo do debate funciona. Já as decisões de grêmios tão pueris como a Conferência do Ministéria da Educação (reforma ortográfica), a covarde falta de decisão (Berliner Stadtschloss) ou, simplesmente, um olhar retrospectivo em direção ao passado de certos políticos: seja Joschka Fischer, no embelezamento da selvageria dos seus anos de juventude, ou o já mencionado Friedrich Merz, na tentativa de tornar mais selvagem do que realmente o foram os belos tempos da sua mocidade - tudo isso dá ensejo a incontáveis programas ou cadernos especiais, comentários, interpretações, piadas.

Naturalmente, é o momento em que se está prestes a franzir a testa em profundas rugas com raízes na crítica da cultura, ou a questionar se não seria melhor que os debates passassem a girar em torno a temas um pouco mais substanciais. Admitamos: não fala em favor do cultivo da democracia um político (Fischer ou Merz) que prega mentiras em público aos eleitores - e, assim, no sentido da auto-purificação democrática, o correto é que, flagrado na mentira, ele deva efetivamente pagar pelo que fez. Que o conteúdo destas mentiras - um só teto comunitariamente repartido com a terrorista Margrit Schiller (Joschka Fischer) ou os cabelos curtos e a bicicleta em substituição às longas madeixas e à lambreta (Friedrich Merz) - em última instância não é, de um modo vulgar e impreciso, tão destituído de substância quanto perguntar se "Kuss" deve ser escrito com "ss" ou com "ß" - questão que há tantos anos abala a Alemanha - sobre isso, parece não haver disputas.

Por outro lado: Não vivemos uma época extraordinária, na qual temos a pachorra de nos inflamar diante de certos temas? Tempos sem notícias, diz um velho ditado, são bons tempos. Que terra abençoada não deve ser esta, na qual um pilão no Parlamento Nacional, um plano para a reconstrução de uma antiga edificação ou uma mudança nas regras da colocação de vírgulas podem, a tal ponto, fazer com que os ânimos fiquem acirrados.

O que naturalmente não quer dizer que o nosso presente, na verdade, não tivesse a obrigação de estar se confrontando com alguns problemas efetivamente decisivos. Superpopulação, poluição ambiental. Conflito entre as culturas universais, possivelmente em escalada de agravamento. Catástrofes. Aqui, a seca; acolá, as inundações. Aids. A fome disseminada pelo mundo. Mas todos esses temas - que, é óbvio, também são discutidos, mas não com o mesmo entusiasmo, nisso que chamamos de debates - possuem uma desvantagem decisiva: As questões de fundo não podem mais ser elaboradas ou respondidas no quadro de um raciocínio nacional. São questões globais e, conseqüentemente, foram delegadas a instituições supranacionais, nas quais costumam são levadas adiante na tradicional velocidade de lesmas que caracteriza o progresso. Já para debates vertiginosos - dentro dos parâmetros internos alemães - elas não se prestam, porque, com respeito a elas, aspectos realmente novos praticamente nunca vêm à tona. De mais a mais, enquanto isso, quase todo mundo já tem absoluta clareza sobre o seu poder detonador, bem como sobre sua complexidade indevassável.

O que permanece é o colorido fantástico dos escandolozinhos, profundamente enterrados no passado e, por isso mesmo, tão tranqüilizadoramente insignificantes. Ninguém ouse dizer que eles não nos fariam perder o fôlego, fabulosamente. Mas, também, ninguém venha a afirmar que, com eles, estariam sendo levados em consideração os temas decisivos da atualidade.



__________________________________________________



Observação final do tradutor:



O texto remete a vários dos debates em curso na Alemanha de hoje, a chamada República de Berlim. O Ministro das Relações Exteriores, Joschka Fischer vem sendo o alvo de acusações comprometedoras, por seu passado violento como guerrilheiro urbano. Fischer é hoje um dos políticos mais populares do país. Em resposta à averiguação de sua vida pregressa, de ter vivido, por exemplo, com Margrit Schiller, uma terrorista do grupo Baader-Meinhoff, responsável por uma extensa onda de seqüestros nos anos 70, Fischer teria respondido num tom minimizador da importância dos acontecimentos de 68 e da geração da qual ele inegavelmente faz parte. Outra acusação, inclusive com a publicação de fotos comprometedoras, colocam-no ligado à Frente para a Libertação da Palestina, também responsável por inúmeros atos de violência.

"Leitkultur" é o conceito proposto por Friedrich Merz, prefeito de Berlim, com a intenção de preservar a cultura alemã em face da crescente presença multicultural na Alemanha, de um modo geral, e, muito particularmente, na cidade que governa. Para "Reinkultur", outro conceito ligado ao debate sobre "leitkultur", perigosamente assombrado por fantasmas nacionalistas do passado, não disponho ainda de elementos para uma formulação mais adequada, com a mesma força de expressão e de síntese da composição vocabular alemã. Já é de uso corrente, na Teoria Literária por exemplo, o conceito "leitmotiv" (motivo condutor), também de díficil tradução pelos mesmos motivos. Experimento ainda uma certa aversão pela tradução literal "cultura pura". A rima, convenhamos, é incômoda. Daí, a paráfrase.



Outro debate acalorado se trava em torno à "reforma ortográfica", em processo de instalação. Sobre isso, o leitor pode conferir, no site, vários artigos que venho traduzindo e publicando. Um dos momentos mais dramáticos da resistência a essa reforma, foi a decisão do Frankfurter Allgemeine Zeitung, o jornal de maior tiragem em língua alemã, de retornar à antiga ortografia. O governo alemão vem sendo processado, por exemplo, por pais de alunos reprovados ou que perderam a sua chance de ingressar na universidade por conta das dificuldades com as mudanças propostas.



Algumas referências do texto também escapam ao meu conhecimento, mas não impedem que possamos acompanhar, com proveito, uma reflexão bastante esclarecedora e crítica acerca da situação espiritual do nosso tempo. Certamente o leitor não encontrará maiores dificuldades em transpô-la para o nosso cenário tropical.





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