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Contos-->Diamantina Façanha -- 11/07/2005 - 10:03 (António Torre da Guia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



DIAMANTINA FAÇANHA

Diga-se que a década de 1950, em Portugal, implantou previamente o sólido lastro que impôs à ribalta da vida os saudáveis, loucos e inesquecíveis anos 60: a moda, a música, o cinema, o desporto e até o "fazer-amor", lograram um avanço assaz à frente do habitual.

O verídico desiderato que vou descrever, paciente e cuidadosamente preparado, ocorreu à entrada da quadra natalícia de 1952 e teve como privilegiado palco, a rua das Flores, pejada de estabelecimentos de ourivesaria, e a Rua 31 de Janeiro, hoje de Santo António, artéria que desce a pique para a praça da Liberdade e desde sempre foi rua afamada para as compras dos tripeiros mais ricos.

A dona Filomena Menezes de Ribeiro Brancamp, como do pomposo nome bem se estrai, senhora da melhor sociedade portuense, na fria quinta-feira da primeira semana de Dezembro, entrou no consultório do psiquiatra, doutor Maldonado Assis, sito num primeiro-andar da rua 31 de Janeiro. O médico, com a mais disponível e agradável das mesuras, pois, marcou na sua agenda de trabalho, excepcionalmente para as 16 horas do dia seguinte, uma consulta destinada a um irmão da dona Filomena, pessoa possuída pela mania das jóias de alto valor, que estava esbanjando a fortuna da família.

Na imediata sexta-feira, por volta das 15 horas, a chique senhora dirigiu-se para a rua das Flores, no seu moderno Rolls-Royce branco, e entrou numa das mais importantes ourivesarias da cidade. O motorista, Ricardo, de boné e bota alta, após ter aberto a porta da imponente viatura à patroa, ficou do lado de fora a contemplar uma das montras.

Dona Filomena tinha uma figura que emanava esplendor. Suas palavras e gestos espraiavam-se com refinadíssimo apuro figalgo. O proprietário da ourivesaria, que estava entre os seus empregados, ficou desde logo sem saber onde meter os olhos, completamente rendido à elegância daquela bela dama e à implicita ideia de ter à vista um excelente negócio.

A senhora solicitou diversas jóias para apreciação, aneis de alto valor e, pela forma como o fazia, intuiu desde logo o ourives na convicção de que se tratava de alguém com profundos conhecimentos em pedras preciosas. Explicou que pretendia oferecer a seu marido, famoso psiquiatra do Porto, uma bem vincada recordação pelo seu aniversário. Estava por consequência interessada num objecto com elevado requinte e valor.

Por esta altura, já o motorista tinha entrado na loja e apoiava, com bem estudada distância no trato, a patroa em sua hesitante escolha: este anel, aquele, o outro, sem o mínimo reparo aos elevados preços que o ourives, com as órbitas quase de fora, ia informando.

- Pronto, estou decidida, opto por este.

Proclamou dona Filomena, passando para a mão do ourives um anel com um raríssimo diamante encastrado no bem trabalhado e polido ouro branco.

O negociante acondicionou a jóia numa aveludada caixinha azul-escuro e, enquanto a embrulhava em papel prateado, informou sincopadamente:

- Ora então, temos 625 mil e 800 escudos.

Naquele tempo, o preço do anel, dava para comprar uma casa, um automóvel e fazer depois uma vida tranquilamente sóbria e agradável.

- Ah... Que massada, Ricardo... Esqueci-me do livro de cheques...

Atirou dona Filomena, rebuscando preocupadamente a sua malinha de mão. Mas, perante o rosto de espanto do ourives, logo determinou, de olhar codiciosamente firme sobre o dono da casa.

- Não há problema. O senhor fará o obséquio de me fazer acompanhar por um dos seus empregados. O consultório de meu marido é já ali acima e resolverei de imediato a situação...

- Oh... Minha senhora - correspondeu o ourives - por amor de Deus: eu mesmo terei muito gosto em acompanhá-la...

Dona Filomena, num ápice, introduziu na sua malinha o pequeno embrulho com a jóia, e sairam os três, tomando o colossal Rolls em direcção à rua 31 de Janeiro.

Chegados à porta do consultório médico, dona Filomena mandou o motorista subir a fim de perguntar ao marido - o psiquiatra - se estava pronto para recebê-los. Claro, o médico, assim que solicitado, surgiu lá do alto, debruçado no patamar, convidando-os gestualmente a subir. Apeados, estando o ourives identificado com a situação, dona Filomena disse-lhe para subir e ficar com o marido, já que ela estava muitíssimo atrasada com os preparos do aniversário e tinha de ausentar-se imediatamente. O motorista desceu, fez uma vénia ao ourives, que já subia a escada, e partiu com a patroa.

O médico acolheu o ourives, presumido doente-cliente, com os cuidados que a delicada situação impunha e introduziu-o no consultório.

- Ora, tenho o gosto de falar com?...

- Com Manuel da Silva Menezes, há cinquenta anos ourives nesta bonita cidade, senhor doutor!...

- Ah... Bem, senhor Menezes, vamos ter calma e analisar o caso do ourives e do ouro sob a perspectiva imaterial, já que na material, segundo sei, o senhor não tem mãos a medir... O meu caro, por favor, queira tirar o casaco para eu auscultá-lo...

- Mas... Não entendo, senhor doutor... Eu quero apenas receber o meu dinheiro: 625 mil e oitocentos escudos...

- Senhor Menezes, vá, vamos mesmo ter calma para que eu possa pelo menos detectar a anomalia...

- Mas qual anomalia, qual carapuça. O que é que se passa? Eu já disse que quero só o meu dinheiro e mais nada...

As Leitoras e os Leitores estão já decerto a concluir como é que o imbróglio se desfez ao fim de uns quantos minutos de equivocada perplexidade entre o psiquiatra e o ourives. Entretanto, a atraente Filomena e o seu amante Ricardo tinham-se posto ao fresco para fruir as delícias que naturalmente advieram do valioso anel.

O caso, à época, após o Jornal de Notícias lhe ter dado ampla divulgação, passou a andar anos a fio naquele género de conversas e convívios para aprazivelmente matar o tempo. Nunca mais a polícia conseguiu deitar a mão ao engenhoso par do diamantino anel. Se forem vivos, a rondarem quiçá os 80 anos, deverão ainda estar-se a rir da espantosa situação que tão artisticamente criaram: uma delícia em ironia e humor!...

António Torre da Guia

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