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Teses_Monologos-->[Fortuna crítica] -- 17/03/2003 - 09:26 (Darlan Zurc) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Última atualização: 12-12-2006.
N.º de textos: 10.
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I

Prolegômenos à cruz que se inverteu (*)

NILO HENRIQUE NEVES DOS REIS


Darlan Zurc é um moço de muitas virtudes e pouquíssimos defeitos. Esse rapaz pode ser entendido como um ser de muitas faces, porém em todas podemos visualizar retidão de caráter. Depois de algum tempo convivendo com suas idéias posso dizer que o “darlanismo” pode ser entendido como um estilo artístico ou, pelo menos, era dessa forma, que eu entendia seu processo de cognição intelectiva. No entanto, as dificuldades do cotidiano arrastaram nosso jovem projeto de cérebro para a rotina das obrigações trabalhistas e, desse modo, perdemos, pelo menos, até agora, um profissional na vida acadêmica.

Para mim, é muito difícil defini-lo em suas singularidades, por exemplo, sua capacidade em perder seus ideais com tão púbere idade... Suas acusações perderam o sentido? Não! Elas nunca tiveram uma real dimensão da realidade que a vida em sociedade exige: respeito ao outro. Além disso, o respeito ao outro se torna muito mais maduro quando não se gosta do outro, pois, dessa maneira, o respeito se transforma em princípio. Mas o garoto não entendia aquilo e, talvez, agora possa entender, embora duvide muito da afirmação que faço.

Não obstante, torna-se tema obrigatório no estudo do darlanismo sua inversão capital, ou seja, deixar de ser cruz para se tornar zurc. Merecia! Mas os entalhes da madeira mostraram sua natureza antes mesmo dos obstáculos. Uma outra coisa: os hormônios parecem aflorar na pele do rapaz e minhas digressões sobre prazer e respeito ao sexo e, em especial, a parceira não ganharam coro. Aliás, o zurc assumiu diversas fases em sua graduação e, em especial, sua transformação de Zurc em um “Zé goiaba”! Darlan nas ruas de Guarulhos perdeu todo brilho inventivo que disseminava na UEFS...

Visto a amplitude do problema: a perda de originalidade, Darlan deixou a vida para subsistir no submundo de um operariado. Tal idéia deveria agonizar a alma desse imberbe, mas nem sequer isso passa no coração desse adolescente...

Eu pensava em construir uma carta para esse mancebo, mas a Cruz retornou a sua posição original e, por conseguinte, devo protelar minha redação!

Até a cruz se inverter novamente.


São Paulo (SP), dezembro de 2006.

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(*) Resposta ao meu artigo “A pior dádiva de um Nilo”.



Nilo Henrique Neves dos Reis é professor de Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia, e doutorando pela Pontifícia Universadade Católica (PUC) de São Paulo.
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II

De Latiniparla para Darlanus, amicus carnavalis (1)

JESSÉ DE ALMEIDA PRIMO


Posso até acreditar que encerres a fase “pro domo sua” (2) com o teu mais recente artigo (“Má sorte se eu fosse puta ou: Pedido para que meus poucos desafetos me esqueçam” [3]) mas, com certeza, não conseguirás ser esquecido pelos teus desafetos. Terás que engoli-los, pois os criaste: toma, que o filho é teu!

Ninguém muda impunemente, “amicus festorum” (4), principalmente quando esse alguém se torna o que sempre foi. A faceta que tanto intrigou quem te conheceu nesta instituição estava de férias. Enquanto isso, capitalizaste teu lado circunspecto, sério, fingidamente carrancudo, estudioso do tipo CDF; tornaste-te uma espécie de consultor intelectual da UEFS; divertiste-te muito com as antipatias angariadas gratuitamente no teu período franciano; armaste um verdadeiro barraco mental, deixaste teus colegas em alvoroço e teus professores perplexos — e tu achando tudo isso ótimo e eu também, é claro — e agora, que consegues a proeza de ler o “Tratactus logico-philosophicus” ao mesmo tempo em que corres atrás do trio-elétrico-só-não-vai-quem-já-morreu, ainda reclamas da dificuldade de ser feliz!? Ou tu estás tirando onda ou teus desafetos chamam-se Darlan.

Quanto aos “Contos proibidos (com toda razão de sê-lo) do Marquês de Sade”, dirigido por Philip Kaufman, posso dizer que a minha esquisita ignorância é uma virtude, pois me permitiu julgar o filme como realmente é: uma das piores realizações cinematográficas, um filme repleto de chavões ditos libertários e recheado dos diálogos mais pueris (salvando-se apenas algumas falas do padre). Pelo visto, qualquer bobagem filmada, quando travestida de transgressão, garante bons dividendos às salas de exibição, pois os espectadores gostam de se sentir tão revolucionários quanto a revolução e tão libertinos quanto a libertinagem. Nada contra o fato de se fazer uma biografia cinematográfica a respeito (como já dissera Merquior) de um narrador com “asas de chumbo”, no caso, o Marquês de Sade que, segundo Paulo Francis, não serve nem para pornografia. O problema está em fazer uma obra sadiana quando deveria ser feita uma obra sobre Sade ou seja, um filme em que ele fosse um assunto, um ponto de partida para uma discussão maior, tal como o fez Milos Forman com sua obra prima “O povo contra Larry Flint”. Se o naturalismo artístico tende a estragar uma obra de arte, por ser muitas vezes destituído de estetização, imaginem quando esse naturalismo reproduz justamente a pequenez do universo mental de um debilóide promovido a escritor e depois a filósofo.

“Amicus cervejarum” (5), esse filme não é imperdível, mas, quando muito, detectável. Agradece aos teus fiéis desafetos, pois estes apenas atendem a tua vontade.


Feira de Santana (BA), outubro de 2001.

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(1) “Darlan, amigo do carnaval”.

(2) “Em causa própria”.

(3) Nota de D.Z. (outubro de 2002): Esse artigo foi completamente modificado e rebatizado para “Alguns livros de uma só mão”. A parte que Jessé Primo contra-argumenta não existe mais nesta versão que é a última.

(4) “Amigo das festas”.

(5) “Amigo das cervejas”.



Jessé de Almeida Primo é estudante de Letras com Inglês da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia.
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III

Miserere nobis

JESSÉ DE ALMEIDA PRIMO


Um acontecimento especial trouxe-me a esta página. Esse acontecimento chama-se “O mestre está nu”, um engenhoso artigo, publicado nesta “Folha do Estado” (2 de nov.), do graduando de História (UEFS) Darlan Zurc, por sinal, um escritor a toda prova.

Por que considero esse artigo um momento especial? Seria uma estratégia de marketing? Bem, deixemos de suspense barato e vamos ao que interessa, que o dever nos chama! Trata-se, em primeiro lugar, de um artigo sobre o Professor Emérito José Jerônimo de Morais. Em segundo, no referido artigo, o nosso articulista, ao contrário do que se esperava, nas suas próprias palavras, desce-lhe o “sarrafo”.

Darlan utiliza como ponto de partida o artigo que o Prof. Jerônimo escreveu para o primeiro número do “Linguajar” (janeiro e fevereiro/2002) e cuja qualidade ele questiona. Não há discordar dessa crítica, uma vez que não se esperava do nosso mestre um texto tão pífio e, além do mais, parto do princípio de que um texto deve ter uma das duas qualidades extremas: ou deve ser muito bom ou deve ser muito ruim.

O artigo do professor é, porém, um pretexto para uma discussão ainda maior, ou seja, é uma análise elucidativa de toda uma trajetória de vida, não propriamente do Sr. Jerônimo, mas do tipo de admiração que há décadas o persegue. Aliás, o próprio, num evento em sua homenagem, revelou aos ouvintes o estado de apreensão em que ficavam os amigos e colegas toda vez que era convidado a participar das inúmeras palestras ou de qualquer acontecimento ligado ou não ao seu nome. Essa apreensão introduz uma das discussões mais agudas do texto darlaniano, a questão da imagem, da qual meu colega parte para analisar o fato de que o professor -- e, muito menos, seus familiares -- não tem autoridade sobre ela, o que é, afinal, a sina de todo homem público, e do homem comum também, bastando que este tenha um vizinho. Se o nosso mestre não é dono da própria imagem, nada o impede de ser dono do seu próprio juízo, de modo que nada o impede de agir com retidão e independência de espírito nos eventos para os quais é convidado, da mesma maneira que, infelizmente, nada impede que essa retidão sirva e dê aval aos piores propósitos, pois, os limites da malícia ainda são desconhecidos.

A agudez com que o nosso articulista analisou a figura pública do nosso mestre esvaiu-se na brevíssima análise que fez do livro “Parlendas”, cuja seção poética pode ser tudo, menos ruim ou, literariamente, mal resolvida. Confesso que eu mesmo, a princípio, não me senti atraído pelos poemas. Achava-os esquisitos e, valendo-me de um termo do Manuel Bandeira sobre Oswald de Andrade, pareciam-me versos de um prosador em férias. Acontece que sou do tipo que tenta outra vez. Daí resultou meu encanto ao ler “Ave, Maria” e “Dom”, que são grandes exemplos de poemas religiosos, de qualidade insuspeita, a qual se estende aos de cunho rigorosamente filosóficos, tipo “O homem e a árvore” assim como os engenhosos “Anfractais” e “Judy & Sharon”. Tivesse nosso articulista feito o mesmo, quem sabe não voltaria atrás? O que mais me impressiona é que Darlan, automaticamente, tenha atribuído os defeitos que julgou ter visto nos poemas à prosa, que é a parte mais fluida, mais leve, mais bem resolvida do livro, o que põe por terra a pretensão de utilizá-la como argumento de que o Sr. Jerônimo é escritor de qualidade duvidosa.

Estou aqui a demonstrar, apesar das observações acima, o apreço que tenho pelo artigo do meu colega. Afinal, é um dos melhores textos com que me deparei desde que entrei nesta instituição: muito bem pensado, corajoso, muito bem escrito, uma grande demonstração de inteligência. Inclusive, não me resta dúvida de que ele tenha chegado a essa mesma conclusão e ficou de tal modo encantado com sua capacidade intelectual e com o resultado do que escreveu que julgou a observação a “Parlendas” um mero detalhe. Que o artigo é o sinal de saúde de que a UEFS precisa é a mais pura verdade, mas há uma lição que tanto ele como este que vos escreve precisam aprender: se há algo mais perigoso do que ser seduzido ou deixar-se seduzir por outrem é o deixar-se seduzir por si mesmo. Que Deus nos proteja de nós. Amém.


Jessé de Almeida Primo é estudante de Letras com Inglês da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia.

Publicado no jornal "Folha do Estado", Feira de Santana (BA), 21-11-2002.
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IV

Prazer e conhecimento

MEDDEIA


Num mundo repleto de grandes e pequenas misérias cotidianas, um acontecimento nada especial me trouxe a esta página. Tudo começou com o artigo do querido Darlan Zurc “O mestre está nu”, seguido do “Miserere nobis”, de Jessé A. Primo. Depois do lengalenga inicial, Jessé que escreve bem e é culto, traiu sua arte: usou de artimanhas textuais, distraiu a atenção do leitor acerca do tema discutido e tentou à ferro e fogo defender o indefensável — o texto medíocre de um professor Emérito, ainda que homem querido e cidadão amável. O argumento usado era de que Darlan precisava ler de novo o tal livro “Parlendas” como ele o fez. Tudo leva a crer que Jessé A. Primo é um daqueles hipocondríacos incuráveis, sempre super-prevenido (todo excesso é doença) ou então, confundiu admiração pessoal com profissionalismo. O fato de se ler uma ou trezentas vezes o mesmo livro é uma questão primária de prazer e conhecimento, jamais busca desesperada por qualidade oculta. Imaginem o que seria nossa breve existência se tivéssemos que carregar uma lupa no meio da cara para verificar se as coisas são o que realmente são: aquilo é realmente um poste?! Um carro?! Uma bicicleta?! Viver assim seria absurdo, sobretudo quando se trata de arte! E livro com “seção poética” é um objeto artístico, ou uma pretensão de sê-lo.

Oxalá Deus permita que Jessé dê o devido direcionamento à sua ciência, e compreenda que “Miserere nobis” além de falacioso enquanto texto é um título petulante para o leitor e desonesto para com o colega Darlan Zurc!

Cheia de horror, apesar de tudo.


[Meddeia é pseudônimo.]

Publicado no jornal "Folha do Estado", Feira de Santana (BA), 6-12-2002.
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V

Prazer, eu não me chamo Jasão ou
Uma tragédia prêt-à-porter engarrafada pela Coca-Cola ou
Inutilia truncat

JESSÉ DE ALMEIDA PRIMO


Mais um acontecimento especial trouxe-me a esta página: o meu artigo “Miserere nobis”, publicado neste presente veículo no dia 21 de novembro do corrente ano, foi lido e analisado por uma personagem de Eurípedes. Mas o que realmente é especial é que um acontecimento “nada especial” tenha deslocado uma personagem de uma tragédia grega para as páginas de um jornal do interior baiano, o que se deu no dia 6 de dezembro de 2002, sob o título “Prazer e conhecimento”, também nesta “Folha do Estado”.

Pela conclusão a que “Meddeia” (em tempo, é o nome da personagem...) chegou do artigo, só posso concluir que o leu ao mesmo tempo em que armava um sinistro plano contra Jasão, do qual saíram vítimas seus filhos, além de Clauce, sua noiva, filha do rei Creonte, que morre carbonizada pela coroa incandescente com que ela, “Meddeia”, lhe havia ardilosamente presenteado. Convenhamos que fazer leitura de algo, mesmo que seja da revista da Mônica, numa situação dessas, em nada favorece a concentração.

Só a breve existência dessa trágica personagem, que passou a viver em função de se vingar do pai de seus filhos — além de ter de conciliar com a elaboração de sua tese de mestrado em Artes e, a posteriori, da do doutorado em Letras — poderia fazê-la crer que chamar um texto de “pífio” é elogio ou como ela disse: uma defesa “a ferro e fogo” do “indefensável”. O mais intrigante ainda — e que me leva acreditar que a breve existência dessa feiticeira seja de 1 minuto — é a confusão estrutural que vai da 16a. à 22a. linha. A infanticida diz que tentei “a ferro e fogo defender o indefensável — o texto medíocre de um professor emérito”. O tal texto é justamente o qual classifiquei no meu artigo de “pífio”. Acontece que, linhas adiante, ela afirma que “o argumento usado era de que Darlan precisava ler de novo o tal livro ‘Parlendas’”. Ou seja, se formos interpretar essa afirmação, eu, este comum mortal, consegui superar os poderes da neta do Sol ao usar um livro bom como argumento favorável ao artigo ruim. Eu não poderia desentrelaçar-me de tal confusão sem antes dar-lhe o benefício da dúvida, já que, possivelmente, a bruxa cólquida-sertaneja tenha descuidado na articulação de seu argumento, causando assim essa confusão dos diabos. Ademais, não posso compreender como é possível distrair “a atenção do leitor acerca do tema discutido” ao mesmo tempo em que lhe chamo atenção justamente sobre esse tema, ou seja, a figura pública do nosso despido mestre. É preciso um grau de hipocondria maior que o meu para ter enxergado tal maquiavelismo.

O que me deixa cada vez mais convencido da nossa breve existência e da ainda mais breve existência de “Meddeia”, neta do Sol, repito, e filha de Lucas da Feira com Lampião, é o ato de confundir a natureza das percepções, como se fosse possível dedicar a um poste ou a uma bicicleta, cujas existências, formas e funções são facilmente constatáveis, a mesma concentração necessária para a leitura de uma obra literária da qual valores adicionais e possibilidades são descobertos pela leitura constante. É muito pós-modernismo para a cabeça de um leitor de verdade, em nome do prazer e do conhecimento, ler Dostoiévski com a mesma efemeridade de quem toma uma cerveja.

Para finalizar essa peroração helênica, há no artigo greco-feirense um momento tocante: “Meddeia” desce do carro do Sol (muito parecido com o nosso proclamado carro-de-boi), no qual pretendeu partir para o exílio em Pé de Serra após ter executado sua vingança, para sair em defesa dos leitores, aos quais, segundo ela, ofendi com a minha petulância ao pôr um título latino, de cujo significado eles necessariamente ignoram. E ainda, a reboque, com esse título, ela sustenta que feri o coração do meu amigo e colega Darlan Zurc com a minha suposta desonestidade. A imensa bondade dessa personagem em fuga do autor impediu-a de perceber que subestimar o conhecimento do leitor e sua capacidade de pesquisa, aí sim, é uma ofensa e uma petulância, velada por uma outra ainda maior, a pena. Quanto ao meu amigo e colega Darlan Zurc, se após várias tentativas — e desafiando a nossa breve existência — finalmente localizar sua ferida cardíaca, que se sinta à vontade para tirar satisfações e desafiar-me para um duelo ao pôr-do-sol. Sugiro-lhe, inclusive, em reprimenda ao meu tão desonesto título latino, um outro em grego. Que Deus nos proteja das Fúrias cheias de horror. Amém.


Jessé de Almeida Primo é estudante de Letras com Inglês da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia.

Publicado no jornal "Folha do Estado", Feira de Santana (BA), 22-1-2003.
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VI

Asinus in scamno se vult similare magistro (*) ou:
Quando a galinha engole pedras

SILVÉRIO DUQUE


Leitor, uma tragédia trouxe-me diante de você... Seria um anúncio de uma catástrofe natural de proporções globais? A formal declaração de guerra ao resto do Mundo pelos Estados Unidos da América? A morte de nosso presidente, o super star de bursite?... Não, leitor, existem coisas que destroem com muita eficiência e num contingente bem maior que muitas armas de destruição em massa que conhecemos.

A tragédia em questão, meu caro leitor, é um “artigo”, publicado no dia 6 de dezembro de 2002, no jornal “Folha do Estado”, sob o título de “Prazer e conhecimento”, e assinado por um ambíguo, ridículo e covarde pseudônimo de “Meddeia”. Um “artigo” que, como qualquer mero artigo, poderia ser mais um dos tantos que passam desapercebidos do grande público — como da parte mais preparada — e sem a necessidade de tão desesperados alardes de minha parte, não fosse o fato desta “indivídua” conseguir, de uma só tacada, destruir duas condições básicas do Homem enquanto ser pensante; justamente aquelas que diferenciam a humanidade do resto de todo o reino animal: a Linguagem e a Racionalidade.

A “articulista”, em nome de uma interpretação tola, transladada para um texto, ao mesmo tempo, vazio e abjeto, como o próprio “ser” que o escreveu, e dotada de uma síndrome de Narciso digna das mentes mais infames, pensou estar respondendo, com uma crítica profunda e bem articulada, ao texto de meu amigo Jessé de Almeida Primo, que, por sua vez, respondia a um outro de também amigo meu, o crítico Darlan Zurc (responsável por uma análise aprofundada e muito bem elaborada a respeito de um texto do meu mestre, e professor emérito da Universidade Estadual de Feira de Santana, José Jerônimo de Morais); mas tudo que “Meddeia” conseguiu foi nos mostrar, por meio de um truque vil e patético, ser possível uma galinha morta cacarejar.

“Meddeia”, por meio de algo que “ela” pensa ser um “artigo”, acusa Jessé de ser um mau-caráter a se utilizar de “artimanhas textuais” para desorientar o leitor e defender o texto do professor Jerônimo, o qual “ela” considera medíocre — lembro-lhe, leitor, que Jessé considerou o texto “pífio”, que, etimologicamente (e “Meddeia” deveria saber muito bem disso), é muito diferente de “medíocre”. As coisas não param por aí: “Meddeia” considera como primários os argumentos de Jessé sobre a releitura constante do livro “Parlendas”, do Prof. José Jerônimo, como forma de provar o quão errado o autor do artigo “O mestre está nu”, Darlan Zurc, encontra-se a respeito da credibilidade intelectual de nosso professor emérito. Para fins de acusações, “Meddeia”, que é também doutorada nas artes de Hipócrates, diagnostica o escritor do artigo “Miserere nobis” (publicado também na “Folha do Estado”, 21 nov.) como portador de uma profunda e incurável hipocondria. Pena que “Meddeia” seja tão ruim em Psicologia, quanto médica e escritora, pois é incapaz de perceber que é portadora de um caso grave a ser estudado pela Psiquiatria e, também, foi capaz de, após rebaixar Jessé à qualidade de um Mister “M” das letras, um jongleur jornalístico da pior classe, apontar, numa gentileza jumental, as qualidades de escritor e de grande erudição de meu amigo.

Mas “Meddeia” esqueceu-se de algumas coisas que aqui devem ser lembradas, para termos uma idéia do quão falacioso e muito mal escrito é o texto de nossa personagem greco-nordestina:

1) Jessé não se utilizou de artimanha ou prestidigitação baratas, mas de sinceridade intelectual, ou seja, ele “deu nome aos bois”, mostrando os defeitos e os grandes acertos do texto de Darlan. Sinceridade intelectual é uma raridade num país que esqueceu os significados de sinceridade e intelectualidade; e quando a sinceridade intelectual acontece é imediatamente taxada de “virada de casaca” pela maioria de nossas “mentes brilhantes”, as quais são naturalmente incapazes de tal ato;

2) Tanto o artigo de Jessé quanto o de Darlan concentram-se, necessariamente, na análise da figura pública do Prof. Jerônimo — como o próprio Jessé deixou claro: “o artigo do professor é apenas um pretexto” —, que é utilizada de forma descabida por muitos, como, por exemplo, os “revolucionelhos” de plantão, que compõem nos DAs e DCEs da vida a New Age do marxismo sertanejo. Uma gente porca, e de uma estirpe tão desqualificada, que Dostoievsky só conseguiu achar uma única razão pela qual se organizava e lutava há tanto tempo e em tantos lugares e contra tantas coisas (incluindo seus próprios militantes): o Tédio;

3) Quando Jessé se refere ao livro “Parlendas”, ele mostra, com elaborados argumentos, que Darlan exagerara na dose e tenha, assim, confundido um texto em particular, com os “bem resolvidos” textos em prosa mais os poemas do Prof. José Jerônimo de Morais. Para tentar resolver o problema, Jessé usa a si próprio como exemplo e convida o graduado em História, o Zurc, a novamente ler e analisar, de maneira mais precisa e prazerosa, a obra leve e insuspeita do professor emérito. Ora, só alguém dotado de infinita e infalível inteligência, tipo “Meddeia”, pode ser capaz de tirar do campo do bom senso o estudo pormenorizado de uma obra literária, por mais compreendida que esta, a alguém, se lhe pareça.

Como se não fosse suficiente tanta demência para tão pequenino “artigo”, aliás, uma das coisas mais mal escritas na qual, ultimamente, pus os olhos, a intelectualisadíssima “Meddeia” ainda se prestou a ares de fenomenologista, acreditando que poesia e placa de trânsito estão para uma igualdade de análises da mesma forma que “ela” e Edmund Husserl estão em inteligência. É uma espécie de Bildlichkeit tão descarada que acredito ser possível o velho professor da Universidade de Freiburg-im-Breisgau levantar de seu inquieto jazer (após as declarações de “Meddeia”) para me explicar, pessoalmente, como é possível tamanho despautério. Se o velho monstro do Frankenstein poético — o Concretismo — procurava nos convencer ser possível versificar da mesma maneira que se empilhavam tijolos na construção civil, “Meddeia” tem um mérito que supera os alcançados pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e seu capanga Délcio Pignatari; sozinha, “ela” consegue ser mais idiota que os três juntos e ao mesmo tempo.

Todavia, o buraco de “Meddeia” é mais em baixo... “Ela”, em seu “artigo”, mostrou-se-nos incapaz de ler um texto um pouco mais elaborado e dele tirar a mais simples compreensão possível; foi, também, incapaz de notar a diferença de uma crítica direta e sincera para um elogio também sincero e diretíssimo. De igual forma não teve a menor capacidade de diferenciar uma afirmação de uma negação e acabou por inverter os papéis de tudo, incluindo os “dela” própria, deixando claro a todos que não compreende o que lê e não consegue escrever o que pensa. Tudo isso me leva a crer que “Meddeia” não tem o menor conhecimento a respeito de nada do qual falou, e apenas meteu o bico onde não era chamada, como não possui uma capacidade básica, entre tantas outras que “lhe” faltam: o prazer em admirar o que se conhece.

O que ainda consegue ser pior do que tudo isso, e, verdadeiramente, é o motivo de minha tão grande preocupação, é o fato de “Meddeia” ser um estudante de Letras (e não uma “Doutora” ou uma “Mestra”...) e, por isso mesmo, esta senhorita “Meddeia”, ou melhor, um medíocre estudante do curso de Licenciatura em Letras com Inglês com pretensões de ser “a medida de todas as coisas”, achou-se no direito de participar de uma discussão intelectual pelo simples fato de possuir uma condição de universitário. No entanto, a única coisa que “Meddeia” conseguiu com seu “artigo” foi provar que ele, como a grande maioria de meus colegas, é possuidor de um cérebro obtuso. Também provou a todos os que leram o seu “artigo” que diploma universitário não traz inteligência — e se isso lhe falta, saiba que Jessé, Darlan, eu, o Prof. Jerônimo e muitos outros já a possuíamos bem antes de pisarmos na Terra Santa que é a UEFS.

Para pôr fim a toda essa exumação, faço ao leitor uma pergunta: se a um galináceo, não se mostrando capaz em sua capacidade natural de diferenciar um grão de milho de um grão de areia, chamamo-lo de “burro”, do que chamar a um ser humano que se nos mostra incapaz de utilizar com destreza, ou mera dignidade, seu raciocínio e sua linguagem?!... Deus continue a nos proteger de nós mesmos; Deus nos proteja também dos “universitários”... Deus nos proteja de “Meddeia”. Amém!

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(*) Um burro na cátedra quer se passar por mestre.



Silvério Duque é poeta, músico, professor de Literatura, estudante do curso de Licenciatura em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e autor do pequeno livro “O crânio dos peixes” (MAC, 2002).

Publicado no “Jornal Noite Dia”, Feira de Santana (BA), de 31-1 a 6-2-2003.
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VII

Feira também tem história!

GILBERTO DA COSTA NETO


O recém-lançado livro “Feira de Santana e Ruy Barbosa: o pouso da águia na ‘terra formosa e bendita’ ” (Feira de Santana: sem editora, 2002, 188 pp.), organizado pelo professor Raimundo Gama, é um trabalho curioso e uma boa surpresa, a começar pelo belo prefácio do professor de História e crítico Darlan Zurc, que, com uma ótima linguagem e desenvoltura (para uma estréia), nos apresenta a obra de maneira coerente e fluida. Mas como nem tudo é perfeito, Zurc escorrega um pouco ao afirmar: “Feira — me desculpem os feirenses mais apaixonados — foi e é uma cidade de beleza menor, sem a exuberância que, para além do antigo caráter comercial, sobra em Ouro Preto e Cachoeira. Portanto, não se justifica a beldade indicada no ‘Hino à Feira’, de Georgina Erismann” (p. 17).

A coletânea dos discursos que compõe o livro é um grande achado, começando pela conferência feita para o Asilo de Nossa Senhora de Lourdes, de Feira de Santana, no ano de 1893, em Salvador, no Teatro de São João. Ruy Barbosa se preocupa mais em atacar os seus adversários políticos com uma virulência impressionante, fazendo desta conferência um acontecimento político. E para mostrar a sua repugnância frente à união da Igreja com o Estado, ele escreveu: “Prostituição, sim, do cristianismo, imolado em sua formosura ideal às conveniências da ambição de uma casta. Prostituição da soberania civil, abatida a instrumento da mais fatal das hipocrisias, a hipocrisia religiosa, do mais perigoso dos fanatismos, o fanatismo beato. Restituamos à vontade cristã sua sublimidade e ao Estado sua independência” (p. 36).

Ruy esqueceu, e parece que de propósito, que ali se tratava de um acontecimento para angariar fundos para um asilo de crianças órfãs.

Já em 1919, em visita à Feira de Santana, Ruy Barbosa, agora sim, numa campanha política, de novo desfere ataques políticos para todos os lados e dedica à cidade não mais que uma página e meia de sua imensa conferência.

A grata surpresa fica por conta dos discursos do menino Bernardino Madureira de Pinho, proferidos também em Salvador, no mesmo Teatro de São João. Bernardino, este sim, fez referência à verdadeira natureza do evento. Por outro lado, os demais discursos proferidos em Feira em 1919, homenageando o próprio Ruy Barbosa, destacando-se as saudações de Amélia Simões e Maria Rosalina Pitombo, são menos vociferantes e mostram a importância que foi dada à sua visita pelas figuras proeminentes da sociedade feirense.

O leitor mais atento irá notar que Ruy Barbosa, em sua ânsia de fazer política, relega a um plano menor tanto o evento de 1893, criado para ajudar o Asilo, quanto a festa preparada para sua visita à Feira de Santana, em 1919.

Um dos grandes momentos do livro são as reproduções de fotos da Feira de Santana do início do século XX, pertencentes ao álbum que Ruy Barbosa ganhou durante essa sua visita à cidade. O álbum traz imagens de construções que, infelizmente, não existem mais graças à ação predatória do comércio ao longo dos anos.

O leitor observador, com um pouco de boa vontade, achará alguns cantos e recantos que ainda existem e resistem na cidade e, com uma candura e uma fineza de um olhar somado a sentimentos depreendidos, sentirá os doces odores das doces noites de verão da avenida Getúlio Vargas.

O professor Raimundo Gama oferece mais esta obra sobre Feira de Santana, além de outra coordenada por ele, cujo título é “Memória fotográfica de Feira de Santana” (1994). E Gama, apesar de não ser historiador e sim professor de Filosofia e jornalista, parece preocupado em resgatar a memória histórica da cidade, coisa rara entre nossos pesquisadores acadêmicos.

Talvez haja algum preconceito no que se refere à história de Feira de Santana pelo pequeno número de obras sobre a cidade.

De qualquer forma, além de sua já conhecida pujança comercial, Feira teve uma grande importância cultural e histórica, mas teimam ainda os nossos historiadores (isso já está mudando, graças a Deus) por se debruçarem em estudos apenas sobre Salvador e Cachoeira. Parece que já passou o tempo em que Salvador era o centro do estado, quando só ir para a capital era que significava estar na Bahia.


Gilberto da Costa Neto é graduado em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia, e pesquisador e autodidata em estudos sobre a Filosofia dos Pré-socráticos e de Friedrich Nietzsche. E-mail: gilbertocneto@ig.com.br.

Publicado no jornal “Tribuna Feirense”, Feira de Santana (BA), dia 6 set. 2003.
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VIII

Melancia is over

JESSÉ DE ALMEIDA PRIMO


Li o teu conto [“Aprendendo a jogar”] e devo dizer-te que o teu ofício é mesmo o ensaio. Não quero dizer com isso que fazes feio. Pelo contrário, mesmo num gênero a que não foste convocado, não deixas de escrever com fluidez, com segurança, enfim com aquela elegância que é a tua marca e a qual me deixa com uma certa inveja.

Vamos a alguns pontos que me chamaram a atenção: lendo-o tive a impressão de estar diante de um libelo contra [o povoado ou distrito do município baiano de Nova Soure, chamado] Melancia, (...) da qual sentes falta do mesmo modo que o Tom sente saudades de Jerry. Isso é apenas um detalhe que reflete algo maior: o texto é demasiadamente auto-referencial, e só tu mesmo que, num dos momentos mais fodidos, a imprecar contra os falsos amigos e, na melhor das hipóteses, a desejar que passem pela experiência de morar em Melancia, pegaria um livro de Auguste Comte como entorpecente sonífero. Não estou a dizer que tu sejas o único a ler o papa do positivismo, mas no teu pretenso conto isso soa um tanto artificial, o que me lembra a tentativa de Paulo Francis em tentar ficcionalizar o que só poderia ser por ele dito ou em forma de ensaio, ou artigo, ou crônica, a resultar assim naquele chumbo literário que é o “Cabeça de Negro”.

Isso tudo é fruto de um determinado temperamento teu: tu não tens gosto pela Literatura, o que é refletido no fato de que nela o que realmente te interessa são as especulações filosóficas e históricas, de modo que em tua pequena narrativa esses elementos, aos quais acrescento as especulações psicológicas, sobrepõem-se à imaginação e é justamente por isso que as personagens são tão estáticas quanto a paisagem: um sujeito parado em algum canto a imprecar mentalmente contra a tia, contra um pai autoritário, contra os amigos interesseiros e contra a gostosona aproveitadora e que chega ao final nessa mesma situação. E, assim, o teu conto é tão claustrofóbico quanto o povoado de onde ardente, desesperada, aflita, sofregadamente... tentaras e finalmente conseguiras sair. Só quem morou em Melancia e ficou ameaçado de permanecer justamente quando mostrou a intenção de ir a uma metrópole poderia escrever isso.

Agora, é de se perguntar: isso te torna menor no mundo da expressão escrita? Eu penso que não, mas as pessoas devem levar adiante aquilo a que foram convidadas a fazer. Eu já conversei contigo sobre o assunto: não acredito que a pessoa escolha ser poeta ou escolha ser qualquer coisa cujas condições de realização dependam da eleição das Musas, inclusive se eu tenho inveja da tua escrita, dos sermões do Pe. Vieira, das análises crítico-literárias de José Guilherme Merquior, dos “Sertões” de Euclides da Cunha e de outros mais é porque suas realizações, por maiores que sejam, estão dentro do meu campo de possibilidade de expressão, logo não posso invejar poetas, romancistas, contistas ou outros que atuam em variados campos da Literatura, pelo simples fato de meu impedimento para essa forma de expressão ser ontológico: repito, só invejo o que posso realizar.

Muito embora eu tenha as minhas preferências, as quais recaem sobre a poesia por exemplo, não permito que isso me deixe insensível a outras formas de expressão, não permito que isso me feche os olhos ao fato de que tu mostras grandeza nas tuas crônicas da mesma forma que os grandes poetas impressionam enormemente em suas poesias. O movimento de alma que falta ao teu conto é o que tem de sobra em teus textos com os quais tanto eu como outras pessoas estamos acostumados. Mas, como nem tudo são espinhos, não pude deixar de perceber uma passagem que é, no mínimo, brilhante: “Tia Nena, com cerca de quarenta e sete anos, se anulou quando resolveu brincar de ser o que a hipocrisia social é. TIA NENA PENSOU TANTO EM SI, PROCUROU ENVOLVER-SE COM OS MAIS PRÓXIMOS DA FORMA MAIS FUGAZ POSSÍVEL QUE IMBECILIZOU SUA PRÓPRIA NATUREZA” (o destaque em maiúsculo é meu). Mesmo nessa passagem, creio que a expressividade filosófica se sobrepõe à tua repentina ambição literária, por isso te peço que não te identifiques nos próximos textos como contista, pois as Musas castigam os intrusos.

O que acabei de escrever pode parecer contraditório com relação ao que disse sobre a tua fluidez. Apesar de tudo isso, esta permanece, mas convenhamos que há modalidades ou mesmo outras maneiras de se escrever algo confessional sem necessariamente entregar o ouro ao bandido, e tenho a certeza de que hás de encontrá-las, porque na Literatura e, para prejuízo dela, tu te revelaste mais do que pretendias.


Feira de Santana (BA), 25 de novembro de 2003.


Jessé de Almeida Primo é estudante de Letras com Inglês da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia.


Nota de D.Z. (7-2-2004): A resposta a este texto de Jessé Primo está na página principal deste site e com o título “Enquanto as Musas dormem”. E a polêmica se estendeu para o recente artigo de Rúbio Souza, que está reproduzido a seguir.
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IX

As Musas depois do café da manhã

RÚBIO ROCHA DE SOUZA


Uma coisa é a vontade e outra a razão. Li a crítica de Jessé Primo [“Melancia is over”] sobre um conto de Darlan Zurc, “Aprendendo a jogar”. Achei-a inteligente e até divertida, apesar de não acolhê-la. E confesso que tive uma enorme vontade de me juntar a seu autor para, juntos, torcermos o pescoço do tal do Darlan. A sorte desse rapazinho é que, por eu ser meio masoquista (por isso é que leio, às vezes, Paulo Coelho), optei pela razão. Traduzindo em termos matemáticos: o infeliz do Darlan Zurc tem uma caneta-navalha sanguinária! Isto é, já fez críticas intragáveis a alguns de meus textos. Logo, está atravessado em minha garganta. Entretanto, a voz da razão soa aos meus ouvidos como um mavioso canto de sereia. Que Darlan torça para que o encanto perdure até o término deste texto.

Voltando à mencionada crítica: após lê-la, vi-me na necessidade de fazer uma “segunda” leitura tanto do supracitado conto como da mesma [crítica]. E, a despeito de ter gostado de alguns dos pontos de vista de Jessé, não consegui, não obstante o esforço que fiz, comungar com sua opinião geral acerca do conto em questão.

Genericamente falando, a meu ver, Jessé não o analisou do ponto de vista puramente literário; procurou, antes, “desmerecê-lo” argüindo que há elos muito fortes que ligam o autor ao personagem Fred, além de alegar pobreza de imaginação e de julgar o conto um terreno inadequado para as especulações que Darlan faz.

Esse, que de bobo não tem nada, escreveu outro artigo (“Enquanto as Musas dormem”) — valendo-se dos condimentos mais picantes de seu tempero: ironia e cinismo ora sutis ora causticantes — na tentativa (bem-sucedida, a meu ver) de demolir, cuspir e tripudiar à exaustão sobre os argumentos de seu oponente. Eu, por minha vez, sentindo comichão em meus punhos, resolvi entrar também no ringue.

A princípio, pretendia apenas desempenhar o papel de juiz. Mas, como disse, senti comichão em meus punhos. E isso me levará, inevitavelmente, a desferir também alguns socos. E, como a crítica de Jessé não encontrou em meu crivo agasalho satisfatório, usarei as luvas de Darlan quando de meus golpes.

Conforme Jessé, no conto de Darlan, sobressaem-se especulações filosóficas e psicológicas, em detrimento da imaginação. Ora, isso, de modo algum, torna um conto (um romance ou, enfim, qualquer obra literária) literariamente pobre. Sem dúvida que, em tal conto, sobressaem-se, sim, tais especulações. Contudo, de maneira alguma, isso o diminui. Se assim o fosse, o que dizer, por exemplo, de “Os irmãos Karamazov” e de “A metamorfose” (coitado do caixeiro-viajante Gregor Samsa, preso naquele quarto, sem poder passear!)? Naquela obra de Dostoiévski, o enredo é simples, a narrativa é pouco imaginativa. Mas, onde, afinal, está a grandiosidade do romance? Está, justamente, nas discussões e perquirições que o autor levanta, especulações essas: filosóficas, sociológicas, religiosas e, sobretudo, psicológicas. Na obra de Kafka, também, o enredo é simples e pouco imaginativo (salvo a originalidade de um homem acordar metamorfoseado em um inseto). Nela, salta aos olhos a reflexão filosófica que o autor faz sobre a condição humana.

O que dizer ainda sobre os contos de Clarice Lispector? E acerca de “O estrangeiro”, de Camus, o que falar? O que enriquece essa obra é a imaginação do autor ou o teor filosófico? Assim, se fôssemos nos circunscrever ao estereótipo criado por Jessé, deveríamos, também, qualificar tais obras como ruins. Embora sem tencionar criar paralelos, o que Jessé fez é como se Max Brod (melhor amigo de Kafka), depois de ler “A metamorfose”, dissesse para seu amigo: “Sua novela deixa muito a desejar, pois é altamente auto-referencial; o personagem Gregor é, na verdade, você, Franz”. Isso anularia o valor literário dessa novela?

Analisando a questão pelo extremo oposto — o da imaginação —, sabemos que há livros que revelam uma riqueza imaginativa muito grande, mas que, apesar disso, não passam de indigestos caroços de abacate, como “O guarani”, de José de Alencar (que descanse eternamente em paz, com os pássaros gorjeando sobre sua tumba!!!), e “Os trabalhadores do mar”, de Victor Hugo, por exemplo.

Assim, quando Jessé alega que a má qualidade do conto reside justamente na auto-referencialidade associada à parca imaginação, incorre, certamente, em um erro. Concordo no que pertine ao teor auto-biográfico do conto, mas discordo, é claro, de que esse teor seja uma das coisas que o tornam ruim. Inclusive, antes de tomar conhecimento de sua crítica, eu já havia falado para Darlan, por telefone, da dita auto-referencialidade. E posso dizer, ainda, que, em parte, sou conhecedor da intimidade de Darlan. Por tal razão, da mesma forma que Jessé, percebi que tal conto era muito autobiográfico. Mas, procurei me desnudar de meu conhecimento sobre a vida do autor, para, a partir de então, poder fazer uma leitura sadia, por assim dizer. Sinceramente, gostei muito do conto, de sua profundidade, de suas sondagens psicológicas, de sua inquietação em lançar luz em um abismo escuro. Logo, considero a maioria das críticas de Jessé infundadas.

Por exemplo: quando ele vê artificialidade no fato do personagem Fred ler Auguste Comte, o faz porque está totalmente imbuído de seu conhecimento sobre a vida do autor. E isso, por certo, eivou sua análise sobre o conto. Em outras palavras, Jessé se esquece de que os demais leitores, ao fazerem a leitura do conto, estão isentos de qualquer conhecimento biográfico sobre Darlan, e, por isso, não têm como vincular o personagem central a um lugarejozinho (no caso, Melancia).

Quanto a bater o martelo e dizer se Darlan foi ou não convocado para a Literatura, sinceramente, acho cedo para se dizer algo a esse respeito. Darlan escreveu apenas um conto. Conto esse, por sinal, de boa qualidade, na minha opinião. É claro que tal qualidade não chega a ser um louvor das Musas, mas é, pelo menos, um sussurro. Por outro lado, mesmo admitindo que o conto não tivesse qualidade literária alguma, não poderia dizer que as Musas não querem cortejá-lo. Há escritores, como George Orwell, por exemplo, que entraram no santuário da Literatura tropeçando, mas que, depois, se reergueram e colheram muitos louros da crítica.

Face aos raciocínios discorridos, ouso dizer que um bom texto literário não consiste nos passeios dos personagens nem em sua inércia, se esses são maratonistas ou tetraplégicos. Reside, sim, no projeto a que se propôs o escritor — o fez ou não com maestria? Camus, em “O estrangeiro”, não se preocupa com a imaginação, seu objetivo é discutir a condição humana. Kafka, também, ao escrever a imortal “A metamorfose”, objetiva discutir a condição do homem nesse mundo, as relações familiares e sociais, o relacionamento do ser humano com o mundo em que vive. O antipático Darlan, por sua vez, conseguiu, com propriedade, alcançar seu objetivo, visto que conseguiu descobrir a riqueza de um mundo pobre, achar profundidade em um lago aparentemente raso, transpor a superfície medíocre dos relacionamentos sociais.

Enfim, no meu modo de ver, Jessé não conseguiu atingir Darlan com golpes fortes. O que conseguiu apenas foi morder sua orelha, como fez Tyson em Hollifield. Isso me poderia até, como juiz (falso juiz, é claro) que sou, dar a luta por encerrada e decretar o nocaute técnico, contra Jessé. Mas, não quero que a luta termine. Que venham outros rounds! Só não quero que [seja] sobre mim, até porque deu para sacar que ambos têm braços muito pesados. Para finalizar, quero dizer que adorei toda essa polêmica entre os dois referidos pugilistas, até porque dei também meus socos. Torço, porém, para que Jessé não leia isso, uma vez que, como já disse, tem o braço muito pesado e meu rosto é muito bonito para ser machucado. Que os socos continuem! Quanto a mim, talvez por não ter tanto fôlego (é falsa modéstia?), retiro-me do ringue, e irei passear com as Musas pelo bosque, ver árvores, bichinhos selvagens e quem sabe não encontro até uma fonte onde eu possa contemplar meu belo rosto?


Ilhéus (BA), janeiro de 2004.


Rúbio Rocha de Souza é estudante do curso de Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus (BA).
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X

Um homem célebre ou
Dois coelhinhos e uma cajadada ou
Quando as musas são abduzidas

JESSÉ DE ALMEIDA PRIMO


“(...) mestre Romão sentiu em si alguma cousa parecida com inspiração.
Ideou então o canto esponsalício, e quis compô-lo; mas a inspiração não pôde sair.
Como um pássaro que acaba de ser preso, e forceja por transpor as paredes da
gaiola, abaixo, acima, impaciente, aterrado, assim batia a inspiração do nosso
músico, encerrada nele sem poder sair, sem achar uma porta, nada.”

“Cantiga de esponsais”, de Machado de Assis



Poucas coisas no mundo são tão sadias quanto entrar numa pendenga intelectual com Darlan Zurc. Rememorando aqui o saudoso Bob Fields [— apelido dado ao economista Roberto Campos por Carlos Lacerda —], o peso da sua resposta à minha diatribe “dignifica o alvo”. Era o que realmente precisava nesse momento, por isso só lhe tenho a agradecer e, por extensão, agradeço ao camarada Rúbio por essa gentileza. Isso não é uma ironia.

Antes de qualquer coisa, é a primeira vez em que posso dar a dois artigos uma resposta só, como se houvesse apenas um. Algo como o doppelgänger da lenda germânica, ou seja, tanto o artigo do Zurc, a vítima neo-contista, como o de Rúbio, seu guarda-costas intelectual, partem de pontos afins. Com a diferença que Darlan pareceu-me fingir que não entendeu e o Rúbio, caindo na armadilha zurquiana, não entendeu mesmo. Não é à toa que ambos me atribuem o gosto pela obra de José de Alencar ou por algo semelhante, e o Zurc o faz para dar ao seu texto um efeito cômico, mas pagando o preço de acreditar na veracidade da própria piada.

Não sou nenhum fã de José de Alencar. Digo isso menos por motivos estéticos que temperamentais, muito embora ele tenha falhas estéticas, sendo que muitas delas decorrentes de sua ambição desmedida de abarcar um país inteiro em suas obras e assim fundar algo como uma mito-simbologia nacional. Em momentos assim, é muito comum que a forma seja rompida por um turbilhão de idéias. Também, ao contrário do que pensa a dupla, não julgo a narrativa alencariana a única possível. Por outro lado, subestimá-lo, fazer-lhe pouco caso é falta de bom senso, o que fica patente quando se sabe haver nas suas obras descrições de paisagens ou de ações causadoras de grande impacto e que resistem à corrosão do tempo. Logo, se o Zurc é ontologicamente impedido até mesmo de conceber os “caroços de abacates” alencarianos, imagine-o a realizar algo à altura das passagens bem sucedidas, as quais, por sinal, não são poucas e que só podem ser realizadas pelos eleitos.

Para começar, o conto de Darlan ser bom ou ruim não vem ao caso. Se seu conto fosse ruim a discussão teria sido de outra ordem e, ademais, haveria uma certa esperança, pois algumas orientações e alguns exercícios disciplinares o colocariam no eixo. As mencionadas adjetivações são inaplicáveis por não se tratar de um conto e muito menos de literatura. É na melhor das hipóteses uma imitação de um conto e as musas não precisam ser incomodadas para esse tipo de tarefa.

No que diz respeito à auto-referência, teria sido melhor que me aprofundasse para não permitir criar um mal-entendido e também de se fazer crer que ao falar de imaginação me opusesse à chamada literatura de idéias. Falando em mal-entendido, muito flanco foi aberto pelo fato de meu texto ser originalmente uma carta pessoal e como tal apresenta uma linguagem cujo entendimento se limita ao correspondente e ao correspondido, de modo que fosse ele dirigido ao público procuraria ser mais didático e a menção ao povoado de Melancia seria evitada. Não vai nisso uma censura, é apenas a constatação do quanto Zurc pretende que eu me divulgue.

Não sou opositor das narrativas de idéias. Sou, inclusive, apreciador de alguns dos autores citados, principalmente o Dostoievski, cuja autobiografia parece percorrer os seus clássicos; o mesmo se diga a respeito de Kafka. Mas a diferença é que existe vida e movimento de alma subjacente ao trabalho desses autores; eles conseguiram ficcionalizar e com muita eficiência a própria voz; nas suas obras a transfiguração do “eu” é patente. Ao passo que Darlan, não conseguindo o efeito dessa ficcionalização, utilizou-se do recurso ao disfarce, algo equivalente a Grande Otello que para fazer o papel de Julieta usou um vestido e uma peruca. Logo, o problema não está no fato de eu conhecer a vida pessoal zurquiana, senão eu teria dito o mesmo a respeito do Dostoievski e do Kafka cujas biografias são conhecidíssimas, mas o erro consistiu em pôr no texto para dar um caráter ficcional o kit óculos-nariz-bigode de Groucho Marx e sair por aí. Devo dizer que nisso o nosso amigo tem a companhia ilustre de Nietzsche cujo “Zaratustra” é um espetáculo de travestismo literário, ainda que impressionante; o mesmo se diga de sua “poesia” que é um mero apologismo escandido e metrificado. Ser Machado de Assis não é para qualquer um.

Inclusive, aproveito a oportunidade para dizer que a Musa de Dostoievski dormiu no último parágrafo de seu “Crime e castigo”, pois julgando não ter encontrado um final estilisticamente satisfatório para a personagem do Raskolnikoff, resolveu “improvisar” um final sintético in absurdum fazendo com que este parágrafo seja de natureza muito diversa daquilo que se espera de uma literatura: a voz ficcional deu espaço para a voz pessoal. Se o atormentado autor russo cometeu esse vacilo com sua obra prima, Oscar Wilde no 11º. capítulo do “Retrato de Dorian Gray” e Eça de Queiroz, no 3º. do seu impagável “A relíquia”, na ânsia de exibirem à exaustão suas convicções, nada mais conseguiram que arrebentar o fluxo narrativo, a resultar assim em obras adoráveis porém defeituosas.

Se esses autores vacilaram respectivamente em um parágrafo e em um capítulo, o Zurc conseguiu a façanha de consubstanciar o defeito dos três. Inclusive, a personagem do Fred ler um livro de Comte só faz ressaltar o aspecto franksteico de seu pretenso conto. Se a intenção era “dar comicidade à história”, tudo que conseguiu não foi com que ríssemos por causa do pretenso humor nesse trecho da narrativa, mas do desastrado uso que faz do truque. Com isso o efeito escapou irremediavelmente à sua intenção e acabou como o bruxo que ao atirar um raio contra o espelho atingiu a si mesmo.

O autor ainda disse que por causa de meus vacilos reintegrei-o ao campo literário por ter denominado o que escreve de crônica. O fato de eu supostamente ter cometido esse erro não me fez jogá-lo desavisadamente na literatura, pois a crônica tem várias acepções que não a literária. Se formos consultar o dicionário Sacconi veremos: “1. Narração histórica e fiel dos acontecimentos na ordem em que eles se deram, sem nenhuma apreciação crítica. 2. Comentário jornalístico de um fato da atualidade. 3. Pequeno conto de enredo indeterminado. 4. Seção de revista e jornal consagrada a um assunto especializado. 5. Biografia, geralmente desairosa, de uma pessoa”. Quando fiz a denominação estava a pensar na segunda definição e em parte na quarta, mas jamais na terceira. Agora se o autor pensou nas famosas crônicas dos viajantes tipo Caminha ou Gabriel Soares e afins, o erro permanece, pois o que eles escreveram são tão literatura quanto o eram os tratados de física e de química ou qualquer coisa escrita, posto o sentido etimológico que o termo guarda.

No que diz respeito ao conto mais recente, “Uma realidade paralela”, o qual, como o próprio autor indica, é baseado no roteiro do bom “Sexto sentido” e do desastrado “Corpo fechado”, ambos de Shyamalan, e seguindo o melhor estilo “O-nome-dela-é-Valdemar”, incorre no mesmo problema do anterior: a falta de equilíbrio entre a voz pessoal e a voz ficcional, além de ter tornado mais banal ainda a discussão do sujeito ser mal visto ou ser visto como louco por gostar de ler. Esse ponto da narrativa, que é o inicial, não vai além daquilo que já foi abordado várias vezes em comédias adolescentes norte-americanas, as quais associam a imagem de um estudioso com a de um otário ou a de um louco, tal é o caso do famoso “Nerds”, um filme de grande sucesso dos anos oitenta.

O autor ainda justificou a escolha da literatura baseado no fato de que esta, assim como a filosofia, é uma forma de expressão que sobrevive à corrosão do tempo. Por mais impressionante que a literatura seja, esta não monopoliza a melhor forma de tratar de determinados assuntos, nem estes serão necessariamente abordados por ela com mais profundidade. Logo, se um sujeito for um grande escritor, como é o caso do Zurc, não encontrará limites de abordagem para falar do que quer que seja em um ensaio, numa crônica, em um artigo ou em qualquer outra forma de expressão cuja natureza não o impeça de escrever. Por outro lado, quando o Zurc pretende pensar por meio da literatura, tudo que consegue é banalizar, tornar superficial uma idéia brilhante, a qual poderia mostrar seu valor e sua força em uma forma para a qual ele realmente foi convocado.

Encerro, então, essas considerações dizendo que o Zurc é um bom contador de histórias e quem quer tenha o dom da fala e sabe escrever pode narrar um acontecimento ou inventar um, pois a mentira existe para essa finalidade. Porém, fazer dessa narrativa uma obra literária é outra coisa. Não posso negar ser bom o Zurc interessar-se por literatura, mas ele não pode e não precisa expressar-se por meio dela, pois o tempo será generoso com o que realmente ele sabe fazer, e que a deixe para quem foi incumbida essa missão.


Jessé de Almeida Primo é estudante de Letras com Inglês da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia.





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