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Artigos-->A fabulosa conspiração de Tamara e Thomas Mann. -- 12/09/2002 - 23:55 (Lindolpho Cademartori) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“ Pois bem: às vozes toscas, nenhum respaldo. Tamara deve estar feliz, a saber que nenhum dos heróis póstumos acorreu ao meu chamado, e irrompendo em gargalhadas íntimas e ruidosas, em companhia do “judas” Karl Popper, e, quem sabe, de Thomas Mann. Porque sim, elas o lêem, Thomas. Um a zero pra você. ”





Ela só comprou o que seria algum número entre o quarto milhão de cópias de A Montanha Mágica tão-somente para provocar-me. Tenho cá comigo esta e outras certezas, talvez no intuito débil de substituir um dogma por outro e não me sentir tão desmoralizado diante de mim mesmo. Porque bem sabem alguns, lautamente satisfeitos com a desgraça alheia, que eu disse, em um pretérito próximo, que mulheres bonitas não lêem Thomas Mann. Pois bem: elas lêem, e, desta feita, foi minha Lotte lírica quem derrubou o meu dogma. Arrogando-se de um ímpeto vingativo irresistível, Tamara adentrou a livraria e sacou cinqüenta reais do bolso para adquirir A Montanha Mágica e me fez correr tal qual um louco atrás de um austríaco que morreu em 1994. Às circunstâncias, cá estou eu, empilhando livros em uma liturgia de desolação e me perguntando se mesmo com o auxílio de Karl Popper eu irei me safar dessa.

Munido da mais prosaica das retóricas, perguntei a Tamara o que ela estava lendo, ao que a resposta irrompe em descalabros de surpresa quando ela, soturna e maliciosamente, responde-me: “A Montanha Mágica”. A associação de idéias arrebatou-me de uma feita lancinante, de sorte que eu digo a ela para que aguarde um instante, acorrendo ao armário lateral e dependurando minha combalida dignidade intelectual na minha cópia de A lógica da pesquisa científica.

Popper afirma que “o problema da indução também pode ser apresentado como a indagação acerca da validade ou verdade de enunciados universais que encontrem base na experiência, tais como as hipóteses e os sistemas teóricos de ciências empíricas.” Pode-se inferir, tomando como fundamento tal excerto, que, segundo Karl Popper, os enunciados universais não podem ser tidos como verdades dogmáticas ou semi-dogmáticas baseando-se somente em experiências empíricas. Cumpre citar, ainda, um exemplo emblemático do filósofo austríaco, quando este afirma que “independentemente de quantos casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos.”. Que Karl Popper esteja certo!

Sem mais delongas na argumentação popperiana – mesmo porque o propósito deste texto não é um aprofundamento científico acerca da lógica indutiva, empresa para a qual este que vos escreve não está capacitado -, que se diga apenas que meus dizeres prévios a respeito da “suposição dogmática” (antes era um dogma, agora trata-se de uma mera “suposição dogmática”. Estou tentando sair ileso dessa camisa de onze varas pseudo-intelectual.) de que mulheres bonitas não lêem Thomas Mann sofreu um revés fulminante. E, supremo paradoxo, descubro que não posso escorar-me nem mesmo em Karl Popper, vez que, segundo o filósofo austríaco, o método indutivo do qual eu me vali para lograr minha pretensiosa e inútil conclusão de que mulheres bonitas não lêem Thomas Mann já era, por si só, vulnerável a críticas e falhas. Contrariei Popper em princípio, e, ao momento, rogo pela ajuda da áurea do expoente filosófico para me tirar de tal enrascada – quero me valer de Popper agora, para justificar o fato de que Tamara ter lido Thomas Mann não anula minha “suposição dogmática” a respeito de mulheres bonitas e Thomas Mann.

Mas, de qualquer forma, irei me abster de quaisquer aprofundamentos, vez que não tenho nem mesmo competência para justificar meus equívocos. Eu poderia ter ficado calado, abafar o fato e prosseguir com a minha erudição de orelha de livro e com a altivez de proselitista boçal que sou. Tamara é bonita, e, não bastasse o conluio de infortúnios, é minha ex-namorada. Presumi-a estúpida e dotada de uma pretensão imbecil inerente a algumas garotas de dezessete anos, e, mesmo que Tamara seja uma imbecil, fui eu que me dei mal, rotulando pessoas e elevando-me em um patamar transcendental de distinção injustificada. Foi um erro por inteiro.

Não irei mencionar as querelas conjugais que vivemos durante nosso relacionamento, mesmo porque tal atitude não seria ética ou decente de minha parte (como se eu fosse algum paradigma de ética e/ou decência). Digo apenas que superestimei-a em alguns momentos, e, na derradeira, subestimei-a, envaidecendo-me pelos três anos e pelas três dezenas de livros a mais. Bem dizia Blake que nenhum romancista deveria escrever sobre relações afetivas, mas, se me serve de consolo, eu não sou um romancista. Me dei conta das circunstâncias tardiamente, e leiloei concessões a quem estivesse disposto a resgatar o meu futuro. Os lances foram baixos, os muros caíram, e, com eles, ruíram os dogmas.

Conclamando Deus, o mundo e todos os ícones de genialidade filosófica que encerram as fileiras da História, apresento a minha desolação em justificar minhas afirmações. E eu não quero nem saber se é ou não correto, mas, por favor, venham todos! Popper, Wittgenstein, Heidegger, Hegel, Kant, Dilthey, Schlick, Leibniz, Husserl, Gadamer, Thomas Mann… Contemplo-me em solidão, visto que nenhum dos paladinos atendeu ao meu chamado...até tu, Heidegger?! Pois bem: às vozes toscas, nenhum respaldo. Tamara deve estar feliz, a saber que nenhum dos heróis póstumos acorreu ao meu chamado, e irrompendo em gargalhadas íntimas e ruidosas, em companhia do “judas” Karl Popper, e, quem sabe, de Thomas Mann. Porque sim, elas o lêem, Thomas. Um a zero pra você.

Basta. E lá vou eu, pela enésima vez, apanhar meu exemplar de A Montanha Mágica.



Lindolpho Cademartori







Comentarios

Lila  - 04/04/2019

BOURBON.

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