Carta aberta a 2004
por Lílian Maial
Ah, 2004, eu te encontrei.
E te adentrei tão sofregamente, com uma fúria de primeiro ar de recém-nato, que nem percebi o quanto me esperavas aflito.
Entrei pela porta da frente, com vontade de mudar, como em todos os anos que encontrei antes de ti.
Não que não os tenha usufruído, com todos os revezes e surpresas. Não que não os tenha guardado a sete chaves, no rol dos melhores da minha vida. Não que tenha me despedido de cada um, como desse 2003, de maneira insatisfeita, melancólica ou ingrata.
Não, ao contrário! Sou muito grata a cada um dos 365 dias e 6 horas de todos os poucos anos que já vivi. Sou tão agradecida e tão feliz, que trago na pele um pequeno traço, ou uma pequena manchinha, sinal, marquinha, qualquer coisa que identifique mais um ano intensamente aproveitado.
Sabes, 2004, teu antecessor está me deixando em condições bastante razoáveis.
Ofereci a ele a recompensa, por ter-me permitido chegar ao final, que foi a noção do quanto cada um dos dias me foi importante. Quantos nasceres de sol eu vi, quantos banhos de chuva tomei. Com quantos cantos de pássaros me encantei. Quantas vezes olhei, ouvi e me aconselhei com o mar. Quantos raios de sol deixei invadir meu corpo. Quantas almas toquei. Quantas pessoas colecionei de amores, de sonhos, de amigos. Quantos sorrisos distribuí e tantos outros recebi. Quantos abraços troquei. Quantos olhares. Quanto cantei, dancei, comunguei.
É, menino, tua tarefa vai ser árdua. Substituir esse 2003 não vai ser fácil. Mas acredito na tua força, como a cada ano novo.
Eu sou forte e animada como tu, tanto que te festejam, como eu me festejo a cada dia.
E, queres saber? Já me emperiquitei toda. Já fiz as unhas (com um leve toque de brilho dourado), cortei os cabelos, separei aquele vestido branco maravilhoso, sandálias, brincos de balangandãs, anéis de pedras enormes, como a minha esperança no futuro, e um cordão de elos tão fortes, quanto a vontade de me deixar ir para o novo.
Portanto, senhor 2004, tu não tens mais desculpas para não chegar com tudo em cima.
Podes vir. Que chegues exuberante, cheio de folguedos, de música, de algazarra.
Mas que venhas pra nos fazer felizes, porque nosso povo é sem igual: tem fé, tem garra, tem alegria, como tu, 2004, tu, que tens a responsabilidade de nos abrir as portas de um mundo melhor e mais justo.
Um brinde a ti!
Feliz 2004!!!
Lílian Maial
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