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Cronicas-->Abraços -- 22/12/2003 - 01:16 (Carlos Eduardo Canhameiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Abraços

Carlos Canhameiro

Ele estava sentado, um pé descalço repousado na mesa de centro de vidro
jateado sustentado por renas esculpidas num jequitibá centenário - caprichos
de um duende artesão. Uma mão sobre a barriga protuberante, o indefectível
gorro vermelho de bordas de algodão branco. A bola na ponta caindo
caprichosamente sobre a boca. Um suspiro profundo... Indubitavelmente, Papai
Noel estava de saco cheio. Abriu uma cerveja, recordou do tempo em que as
garrafas eram vedadas por rolha, virou metade num grande gole. Arrotou,
tentou limpar, inutilmente, a imensa barba alva e enfim se levantou.
Decidido, sacou o celular do bolso dianteiro da camisa aberta e dispensou
todos os trabalhadores. Sem maiores explicações mandou fechar a fábrica, que
todos fossem para as suas devidas casas - mesmo quem não tinha uma - e ainda
recomendou às renas que visitassem os parentes. Tão certo como ele era o
Papai Noel, o senhor dos presentes desde que o mundo é mundo (pode-se por
analogia dizer: desde que o comércio é comércio - e aqui o autor se torna
mais enxerido do que o devido), no natal daquele ano não haveria saco com
presentes, trenó puxado por renas de narizes vermelhos ou duendes - quem
sabe anões - trabalhando exaustivamente numa fábrica-faz-tudo. Estava
definido e o celular retornou para o lugar de origem.
Bebeu mais um bom gole de cerveja e suspirou ainda mais uma vez. Não estava
certo da decisão que tomara, mas isso nunca seria um sentimento debutante.
Estava exausto, há tempos repetia a mesma tarefa, não se lembrava mais
quando começara e mesmo, a intenção inicial de tal empreitada. Pedidos
incontáveis, fabricar o possível, embrulhar, distribuir sempre na véspera...
No dia seguinte: reclamações, reclamações e até ameaças judiciais. Não,
Papai Noel não contentava a todos, por mais que se esforçasse, ano após
ano... Não, ele não era capaz, pouco importava se era uma ação solidária,
privada, filantrópica, governamental ou mesmo particular. Ele não agradava
nem Gregos e, às vezes, nem Troianos.
Observando os flocos de neve que despencavam do céu, sabia que ninguém se
importaria. Aprendera, nesse tempo que não sabe quantificar, que nada faz
falta verdadeira, porque nunca se soube o que era uma verdadeira falta.
Talvez um ou outro reclamasse da ausência do velhinho camarada: "Nem em
Papai Noel podemos confiar mais", "O que virá agora?", "Ele veio o ano
passado?", e esses poucos ecos de resmungos sumiriam no dia seguinte. Quiçá
se tornasse notícia de jornal, algum tablóide ou canal televisivo sedento
por qualquer coisa que pudesse entreter alguém por alguns minutos... Mas
seria chuva passageira. É certo que a ausência do Papai Noel não seria caso
para mais de uma semana de conversa entre os desocupados. Logo viria o ano
novo, a tal vida nova, muito dinheiro no bolso e o resto que o mundo conhece
há séculos mas nunca colocou em prática. Por hora, para não tornar esse
relato um veículo de reivindicações políticas, económicas, culturais, etc -
mesmo porque isso deve ser feito de maneira subentendida e não explícita...
Ok, paro por aqui - nos contentamos em ter ciência de que Papai Noel se
sabia dispensável, senão poderemos tornar esse parágrafo ainda mais confuso.
Estendida uma mão para fora da janela, um floco de neve pousou em sua palma,
derreteu em segundos. Outros incontáveis flocos continuaram a cair, mais
alguns sobre a mão de Noel, num ciclo que parecia infinito. Aproveitou a mão
úmida e esfregou a testa. Estava acabado. Tentara abraçar o mundo, mas não
sabia se teve força suficiente ou se era apto na arte de cingir com os
braços. Talvez o mundo tenha perguntado: "Quem é esse que está a me
abraçar?", ou "Quem te pediu um abraço, desgrude-se de mim, estou bem como
estou."
Através da janela ainda era capaz de ver uma pequena fila de trabalhadores
abandonando a fábrica. Não tinham ou não sabiam para onde ir, estavam sem
objetivo, sem porquês, não sabiam se voltar para si mesmos. Noel tão pouco
tinha conhecimento do que queria, do que gostava, das suas vontades -
verdadeiras ou não porque nunca soube se eram frutos gerados dentro ou fora
de si. Estava pronto a se dedicar a isso agora, a si mesmo. Nada de grandes
realizações, fortes abraços, importància, reconhecimento - essas coisas
humanas que, por mais incrível que pareça, fazia parte do imaginário de
Noel.
Abandonou a janela, o gorro estava sobre a neve, manchando-a de vermelho.
Noel não estava triste, tampouco poderia ser a expressão de alegria, parecia
aliviado. Dedicaria seus próximos momentos a si, era essa a nova regra - tão
obsessiva quanto a anterior. Gritou por Mamãe Noel, afinal, eram um casal:
Papai e Mamãe Noel. Como poderiam ser assim se não possuíam filhos? Noel
estava decidido em acertar as coisas - fossem elas quais fossem - e se
entregar a elas: as pequenas coisas, aquelas que não significam nada para o
mundo, mas só para o mundo. Caminhou lentamente em direção a cozinha
cantarolando: "Eu pensei que todo mundo fosse filho de papai Noel...".
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