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Contos-->O Ser Mãe -- 01/05/2005 - 17:04 (Elias Gonçalves Dias) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Ser Mãe

-Mãe, fica fora desse negócio que o Cabeça é barra pesada. Eu me meti nisso sozinho e agora eu tenho que sair sozinho.
- Tudo bem meu filho. Eu só queria que você me dissesse quanto esta devendo para ele.
De nada adiantou os pedidos de Dª Maria. Dentinho não lhe daria aquela informação. Fato é desde que seu filho se envolveu com as drogas e com a gangue do Cabeça ele mudou muito. Aquela criança meiga, carinhosa, atenciosa e estudiosa havia se transformado num adolescente violento. A escola ha muito tempo já tinha sido abandonada. Agora que decidira deixar aquela vida, tinha aquela dívida para pagar. Era desse modo que o Cabeça mantinha a sua turma. Com as dívidas e a posterior ameaça de morte, ele não perdia nenhum dos seus membros. Alguns que decidiram sair sem pagar foram mortos cruelmente, para servir de exemplo aos demais. Dª Maria, como de costume, disse que ia à igreja, só que desta vez o destino foi a “fortaleza do Cabeça”.
- Fica aqui que eu vô lá avisá que a senhora qué falá com ele. Quando dona Maria viu o Tiaguinho subindo a escada seu pensamento voltou ao tempo em que ele ficara em sua casa, até que sua mãe tivesse alta do hospital, em virtude de complicações no parto. Ela conseguiu uma “mãe de leite” para o bebê e começou a chamar-lhe pelo nome de Tiago. Quando a mãe dele teve alta, 20 dias depois, decidiu manter o nome. Agora, com 9 anos, Tiago andava pelo morro com uma pistola semi-automática nas mãos.
- A senhora pode subir.
Ela subiu as escadas com dificuldades e quando chegou no barraco teve uma grande surpresa. Tudo na casa do Marquinhos era de primeira: Sofá, Televisão, Geladeira, Barzinho, Tapetes, DVD e tudo mais do bom e do melhor. Nunca ela tinha visto no morro um barraco com tanta coisa boa.
Sentado num sofá com um revólver na mão estava o Guma. No seu colo a Aninha, filha da Teresa. Na mesinha do centro estava a seringa que, pelas marcas nos braços de Aninha, tinha sido usada ha pouco. Não demorou muito e o Cabeça entrou na sala. Tinha tempo que Dª Maria não o via. Era um negro alto, magro e carrancudo. Bem diferente daquele adolescente forte e simpático que ela via brincando de bola até pouco tempo e que todos diziam que iria jogar no Flamengo, de tão bom de bola que era.
- E aí, Dª Maria, o quê que tá pegando?
- Marquinhos, meu filho, eu quis saber do Dentinho quanto ele está te devendo mas ele não quer me falar e...
- Pois é. O Dentinho pegou um material aí e agora num tá querendo pagar. Ainda por cima quer deixar a turma...
- Marquinho, pelo amor de Deus, eu preciso saber o valor da dívida.
- Pois é. A parada é mil conto.
- Mil Reais. Marquinhos, meu filho, você sabe como é a minha vida. Eu não vou conseguir...
- Dª Maria, num vêm com papo furado, não. Eu num fiz parada nenhuma com a Senhora.
- Eu sei, meu filho, mas eu quero ajudar o Dentinho a sair dessa situação e...
- Pois é. Eu num tô interessado nisso. Num precisava nem falá nisso. É só ele fica na dele, como tava antes.
- Marquinhos, quero de pedir um favor. Se eu conseguir 500,00 você aceita.
- Esquece. Comigo num tem acordo.
- Pelo amor de Deus, meu filho. Dª Maria, implorou, aos prantos.
O Chinelo se aproximou de Cabeça e cochixou algo no seu ouvido que o fez mudar de idéia.
- Pois é. Vou fazer essa parada com a senhora atendendo a um pedido do meu amigo Chinelo, garoto de futuro ( diziam no morro que o Cabeça preparava o Chinelo para ser o líder da quadrilha na sua falta ). Mais ó, num espalha prá ninguém que eu dei disconto.
Apontou o dedo para Guma e Aninha e ameaçou: Se alguém ficá sabendo dessa negociação eu discubro quem foi e aí é caxão. Tô avisando. Volta-se para Dª Maria e diz: Vou falar a última coisa, depois a senhora pode ir embora. Amanhã, as 5 em ponto a grana tem que tá aqui ó ( bateu no bolso), se num tiver é pôu, ( fez gesto de atirar em alguém) e babau pro seu filhinho.
Dª Maria desceu as escadas pensando na forma com conseguir aquele dinheiro para ajudar o seu filho. O Chinelo se aproximou como nos tempos passados, como que pedindo um abraço. Ela o abraça e quando vai aconselhá-lo ele faz sinal de silêncio e corre, chorando, para o beco mais próximo.
Dentinho, Rosalvo e Duda assistiam televisão quando ela passou, desapercebida, e foi para o seu quarto. Leu um trecho da Bíblia, orou e se deitou pensativa. Por um longo tempo ficou assim, até ser vencida pelo sono.
Como sempre, levantou às 5:30hs, fez o café e saiu. Tinha 120,00 que sobrara da última parcela do seguro-desemprego e ela estava guardando para pagar a luz e a água.Estava decidida a pedir a ajuda de algumas pessoas e começou pelo seu Elizeu. Era um moço solteiro para o qual ela lavava roupas. Tinha um crédito de 2 trouxas lavadas e Elizeu consentiu em adiantar mais duas. Com isso ela conseguiu 80,00. Agora só faltavam 300,00.
A outra pessoa que ela visitou foi a a Dª Nair, aposentada da Caixa. Dª Maria faxinava semanalmente a sua casa. Quando soube do motivo, Dª Nair adiantou 100,00. Agora só faltavam 200,00.
O seu Neném era o dono da quitanda onde ela entregava salgados. Sensibilizado com a história ele adiantou o valor referente a dois milheiros: 40,00. Agora só faltavam 160,00.
Foi na casa do seu Jamir, porém não encontrou ninguém. As estudantes onde ela lavava e faxinava uma vez por semana estavam para a aula. Já eram 13:00 hs.
O que antes era preocupação agora já se transformava em desespero. Decidiu voltar para o morro para tentar conseguir o restante do dinheiro. Na subida do morro avistou o Daniel com olhar de ansioso. Daniel se aproximou, entregou um pequeno embrulho de jornal e disse que o Chinelo tinha mandado entregar. Quando Dª Maria abriu tinha uma nota de 50,00. Apesar de não ter certeza, ela suspeitou que era o Tiaguinho que havia mandado. Agora só faltavam 110,00. O gesto de Chinelo deixou o coração de Dª Maria tão cheio de alegria que por alguns momentos ela se esqueceu que ainda não tinha conseguido todo o dinheiro. Ela sabia que o Marcos não ia consentir em abatimento daquele valor.
Ainda assim ela resolveu ir para a reunião de oração. Chegou na igreja as 15:20hs e a reunião já tinha começado. Na hora de fazer os pedidos de oração ela explicou a sua situação e as irmãs se puseram a orar.
Dª Joana, esposa de Jamir, quando chegou em casa tomou conhecimento dos motivos pelos quais Dª Maria estivera em sua casa. Apanhou 150,00 e sai8u a procura de Dª Maria. Recebeu a informação de que estava na igreja. Entrou sorreteira e colocou o dinheiro junto à bolsa de Dª Maria.
Ao término do período de oração ela encontrou o dinheiro e houve novo momento de oração, agora de agradecimento. Terminada a reunião ela perguntou ao porteiro quem havia deixado o dinheiro. Informado sobre as características da pessoa, teve a certeza de ser Dª Joana.
Dª Maria tinha 30 minutos para chegar à casa do Cabeça. Parecia que os rádios, tvs, sons, crianças e até cachorros tinham sido desligados.
E lá foi Dª Maria enfrentar o Cabeça. Quando passou próximo de sua casa o Rosalvo e a Duda estavam na janela. Ela parou por uns instantes, disse que conseguira todo o dinheiro e perguntou pelo Dentinho. Rosaldo disse que ele estava dentro de casa. Ela continuou sua caminhada.
O olhar de ansiedade de Tiago deixava transparecer o quanto ele tinha torcido para aquele final. Ele fez sinal para Dª Maria esperar, subiu as escadas e voltou correndo, indicando que ela podia subir. Desta feita os degraus foram transpostos sem dificuldade.
D Maria se sentou no mesmo sofá. O Marquinhos estava no celular, negociando um carregamento de armas e drogas.
- E aí, cadê a grana?
- Esta aqui.
- Todinha.
- Hã hã.
Cabeça contou rapidamente o dinheiro.
- Pois é. Fala pro seu filhinho que dessa ele se livrou. Diz a ela prá num se metê a besta não que tem um montão de neguinho afim de fazê ele. Eu vô segurá a onda dele enquanto ele ficá na boa. Se se metê a esperto vai dançá. Depois num diz que eu não avisei.
Quando desceu o último degrau, Tiaguinho corre ao seu encontro e lhe dá um abraço apertado e demorado. Bruscamente ele a deixa e sai correndo. No alto da escada o Cabeça olhava a cena com olhar de reprovação. Dona Maria vai para casa aliviada e com a certeza do dever cumprido.


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