Depois de algum tempo olhando pela janela, as pessoas ficam diferentes. Distantes, ignorando que seus atos são acompanhados, não negam espontaneidade a graça ou tristeza. O pior do ser humano se escancara, quando não o limitam os olhos dos outros. O melhor, também.
Passei a tarde aqui, como se tornou costumeiro. Posso assistir à movimentação aleatória das pessoas, ao vaivém de homens e mulheres desconhecidos. Distrai-me pinçar um deles, de vez em quando, e engendrar-lhe uma história, imaginar-lhe toda a vida, para depois lamentar quão limitada sou, como humana, por minha incapacidade de acessar tanta riqueza de experiências e vivências. Quase todas dariam um filme.
Gabriel me perguntou, de novo, sobre o pai. Insiste nisso ininterruptamente, porque sua memória ainda era pouco permeável, no período em que conviveu com meu marido. Ele morreu, no norte da África, guerreando por Mussolini, e não, por mim e pela educação dos filhos. Assim que partiu, aliviei-me, porque o suor de sua pele, em vez de me excitar e me despertar fulgores profundos, causava-me mais que asco. Lembro exatamente quando meu organismo ficou indiferente a ele, que, apesar da vida mecânica que levávamos e das traições, ainda me dera prazer. Mecânico também foi meu lamento, ao saber de sua morte. Chorei pela dor de meus filhos, chorei, porque, como o riso, o choro é contagioso. Não cumpri nada além de um protocolo: aquela morte já ocorrera, para mim, havia tempo.
Depois de viúva, enchi a casa de livros, que se tornaram minhas companhias mais ordinárias. A janela é meu local preferido para leitura, pela ventilação, pela luminosidade e pelo piado rítmico e insistente dos pássaros, que parecem cantar algo que não se deve esquecer.
Os meninos não entendem isso nem outras atitudes da mãe, depois daquele dia, do dia D, como costumam se referir ao da Guerra. Não me cabe convencê-los de que não são excentricidades de uma senhora solitária e medíocre, uma dona de casa padrão. Pensar assim é um favor que me fazem, porque dificilmente entenderiam.
Gabriel é diferente. Ao contrário dos outros, interessa-se por leitura, é gentil, cuidadoso e sensível. É incansável nos convites que me faz, para que o acompanhe ao cinema, ao que respondo com um beijo e um bocejo. Dou-lhe o dinheiro da entrada, e ele parte reclamando de meu confinamento. Hoje disse que assistiria a “Janela Indiscreta”, um filme americano.
É inevitável notar como parece com o pai. Fisicamente puxou a mim, mas na inteligência e no gosto, o sangue masculino preponderou. Às vezes, acho que o olho ou a boca lembram meu marido, porém logo abandono a idéia. Tomara que cresça digno e livre. Oxalá que, como o foi seu pai, cujo paradeiro ignoro, seja, de fato, um homem.
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