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Poesias-->HOLOCAUSTO EM S. DOMINGOS -- 23/04/2006 - 19:47 (FRASSINO MACHADO) |
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Manhã de Pascoela acinzentada
a de Lisboa em mil quinhentos e seis
Igreja de S. Domingos engalanada
e àquela hora mui cheia de fiéis.
À frente dos festejos não estaria
a Corte, qu’ ausentada de Lisboa,
deixara aquelas gentes bem à toa
e o monarca entretido em montaria.
Muitas naus ancoradas nesse dia
cheias de aventureiros, tristes povos,
fazendo algazarra e picardia
em face do baptismo em cristãos-novos.
P’ la baixa da cidade s’ estendia
um nauseabundo cheiro de pimenta
e a turba praguejava ciumenta
à procura do lucro que fugia ...
Já entrada ‘stava a hora matutina
quando da Igreja sai em debandada
muito povo atiçado e em rapina
abjurando com ódio a ruim cambada...
De rastos é trazido um cristão-novo
que protestara ver aceso um círio
em lugar do milagre e do delírio
com que a fradesca quis lograr o povo.
Acabou-se o baptismo dos conversos
que a raiva ofuscou a procissão
e por entre magotes bem perversos
acenderam-se as chamas da paixão...
- Fora com os hereges e a mourama,
fora com os judeus e os ciganos,
não queremos cá mais destes enganos,
levem-nos à fogueira, a cruz reclama !
- Ai, ó tempus, ó mores, ó Sodoma,
ó fanatismos vãos e peçonhentos,
ó cruéis morticínios com diploma
de vingança e d’ ódios pestilentos !
Nunca Lisboa viu atrocidade
tão grande como aquela acontecida
fazendo um holocausto vida a vida
numa razão cruel sem humanidade.
Dois dias se passaram de vinganças,
de acusações, massacres e fogueiras,
de corpos mutilados em andanças,
de casas assaltadas sem maneiras...
Cristãos-novos e velhos sem domínio,
d’ estrangeiros e lusos, mesma liça,
sem protecção alguma e sem justiça
soube o Rei esta nova do extermínio.
Se à capital por fim chegou a lei,
nas patas dos cavalos contingentes
o sangue não lavou a humana grei
que ofendida ficou por inocentes...
Nesta incúria do Império o Maioral,
justiça quis fazer e humilhar:
às gentes da cidade vai tirar
a honra de ser nobre e bem leal !
Quem assim rege uma cidade inteira
com atropelos aos seus pergaminhos
demonstra com razão mais verdadeira
um outro Holocausto e seus caminhos !
Frassino Machado
In ODISSEIA DA ALMA |
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