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Contos-->UTHÒPYA -- 02/03/2005 - 18:52 (John Dekowes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
by John Dekowes

O ruído nervoso dos massificadores refrigerados era abafado metodicamente pelo impacto seco dos martelos gigantes quando encontravam as tampas frigoríficas contendo a massa porosa esbranquiçada. Carretas colossais descarregavam continuamente aquele tipo de material no sopé de uma montanha que se perdia nas alturas. Tão logo era depositado, uma espécie de máquina dentada com uma lagarta central cheia de pás e vasilhames vinha rapidamente e recolhia todo o conteúdo, depositando-o no cimo do monte. E não era somente uma, mas diversas montanhas em fileiras que se distendiam para lá do horizonte alaranjado sob um céu cinzento, assim como as estradas, viadutos e túneis bastante iluminados, também aos milhares, que se aprofundavam para o interior do planeta. Vista de longe, a paisagem era insípida, fria... Ao se aproximar lentamente, podia se observar quando as pás dentadas penetravam vorazes nos montes, arrancando pedaços enormes de blocos daquele material que começava a se derreter nas partes mais internas: uma gosma elástica vermelho-esverdeada grudava nas bordas das pás enquanto era despejada no alçapão automático das jamantas circulares que se fechavam sob pressão magnética. Um barulho de descompressão fazia-se ouvir; em seguida, quando uma fumaça num chiado agudo saía de pequenos canos laterais do tanque, os colchões de ar afundavam com o peso e, até se completar a operação, já haviam sumido completamente debaixo da carga.

Toda essa operação não era exercida por nenhuma criatura de carne e osso, mas, sim, apenas por robôs hidráulicos e estruturas de fotocélulas sensíveis a uma programação laboriosamente preparada.

Um seqüenciamento fazia-se notar de forma organizada e rápida logo à entrada do desterro, que ia se processando com mais lentidão na medida em que se alongava mais para o interior. Havia uma razão de ser para esse procedimento mecânico. A coloração dos montes parecia influenciar para que o processo de carregamento funcionasse desse modo. A tonalidade era mais para marrom escuro e sobretons até o vermelho vivo, mas quando se aproximava dessa cor, já não eram mais montes, pois se encontravam em enormes tanques semi-abertos rodeados por iluminação que variava de cor conforme o volume do enchimento, e quase todos mantinham o mesmo tom grená-alvicerúleo.

As carretas, que vinham de todos os lugares, quando passavam por debaixo dos portais, estes emitiam sinais eletrônicos ao mesmo tempo em que faziam a leitura do peso, enquanto toda a carga era escaneada dando uma visão, nos monitores cristalinos, do conteúdo. E o que os olhos eletrônicos analisavam eram corpos dispostos numa ordem que em se encaixavam acertadamente um contra o outro; pernas com cabeças e vice-versa. Todos avolumados e comprimidos em blocos concentrados à temperatura criogênica. Esses blocos de gelo escorregavam para os depósitos de superfície e, em seguida, para subterrâneos, deslizavam por esteiras até os massificadores re-frigerados, transformando-se em massa porosa e, à medida em que descongelavam, seguiam para tanques de reciclagem amiônicos e por processos de desfibrilação por impacto viravam combustível de alta porcentagem de metano solidificado.

*****

Longe da Usina, após passar pelo “Fastio Estéril”, uma faixa delimitadora dentro de um terreno baldio com quilômetros de extensão e segurança, principiava a cidade. A visão era a das mais bonitas que se podia imaginar. Mista de edifícios altíssimos muito juntos, quase compactos com vãos centrais ocos, por onde passavam através de pontes suspensas, as aerorodovias, que se entrecruzavam por viadutos e se perdiam no infinito; e pequenas casas residenciais cercadas por jardins de gramados tão verdes que contrastavam com o tom metálico do conjunto de prédios a distância. E as flores? Era como se tivessem sido tiradas de um conto de fadas, ou de uma pintura bucólica, tais eram os coloridos e os mínimos detalhes que faziam em cada desenho exposto por grandes espaços ao redor das moradias. As fontes naturais de águas vibrantes no centro dos jardins, teciam verdadeiras melodias em sinfonia. As casas formavam quarteirões e mais quarteirões esparramadas para todos os cantos. Sem a existência de estradas, os gramados eram impe-cavelmente tratados e imaculados. Todo o sistema de tráfego por aquele lado da cidade era reali-zado através de subterrâneos em veículos tracionados por partículas de ar que formavam bolsões sob suas fuselagens, e alinhados sobre uma linha guia tubular, em altas velocidades, percorriam milhares de quilômetros de distâncias em poucos minutos. Os “flips” eram pequenos módulos ovais com grandes pára-brisas tomando toda a frente, com diretrizes simples e básicas de trânsito; levavam ou traziam os moradores dos seus locais de trabalho, em Polyondra, mas havia aqueles que mantinham equipamentos com autonomia para viagens aéreas em escalas de pequenos percursos. Estes eram denominados de “Aeroflips”.

As linhas hiperdinâmicas centrais levavam passageiros em “flips” coletivos para locais mais longínquos; as metrodinâmicas contornavam os centros urbanos fazendo a intersecção com as parodinâmicas que desenvolviam baixas velocidades, com paradas controladas nas garagens perimetrais. O trânsito aéreo somente funcionava em Polyondra, “pólis” mediadora de Uthòpya, onde se concentrava o complexo administrativo das cinco Unidades Citadinas - centros urbanos de pequeno porte espalhados pelo planeta, composto em sua maioria de civilização heterogênea e o núcleo da “Assembléia da Plebe”, no qual cada um exercia o seu direito de cidadão. De Polyondra era que partiam as parelhas autômatas ou veículos de engates para as cinco Unidades Citadinas. Cada linha tinha cores contrastantes e vibrantes como referência indicativa: amarelo, verde, vermelho, branco e azul; sendo que cada veículo possuía, na frente e na traseira, mecanismos especiais que os engatavam quando se encontravam na aerorodovia, desenvolvendo, assim, hipervelocidades; nas cinco pistas existentes, o sistema era rígido e organizado. Os carros, quando emparelhados, perdiam a autonomia se transformando numa corrente única, pois o erro ocasional de um motorista seria uma tragédia incalculável, por isso que, ao se entrar em cada uma das aerorodovias opcionais, havia o desligamento automático do motor mecânico passando à energia neurorobótica ao se encaixar e alinhar na corrente, indo até o destino final em uma das cinco Unidades Citadinas, que desembocavam nas garagens subterrâneas, onde cada passageiro tomava os “aeroflips” que sobrevoavam a pequenas alturas através dos labirintos sinaleiros indi-cados por células termo-sensoriais, e nenhum ultrapassava os limites demarcados sem a perda total da energia motora, vindo a despencar do espaço quase que instantaneamente. Geralmente esses mesmos sensores faziam a leitura vocal e da íris tão logo se entrava no veículo, fazendo assim a devida correção do trajeto dos passageiros. Aqueles que moravam nas construções mais centrais, cercadas pelos jardins, chegavam via esteiras automatizadas subterrâneas até o interior do recinto de suas casas. Somente os veículos especiais, mesmo assim com a permissão dos residentes, é que podiam sobrevoar além dos limítrofes considerados como áreas de lazer. Nesses locais só era permitida a evolução aérea além de 8 mil quilômetros de altitude, que não interferia no conforto, nem na qualidade de vida dos cidadãos de Uthòpya nem das Unidades Citadinas. A preservação dos direitos qualitativos de cada um era a maior preocupação do Presidente e seus Diretores em cargos temporários; estes buscavam, além de atender às necessidades do planeta, como manutenção da flora, fauna em todos os seus aspectos, facilitar a vida dos seus habitantes possibilitando, a eles, maiores áreas de lazer, cultura e moradias equânimes a todos, até à conclusão de suas gestões contratuais, que duravam períodos anacrônicos.

*****

Mas nem tudo foi sempre assim. Há mais ou menos 187 anos, Uthòpya podia ser considerado um planeta caos. Uma superpopulação cobria quase toda a superfície de maneira desorganizada. O sistema de governo era baseado numa pseudodemocracia na qual os políticos, com rarís-simas exceções, procuravam obter regalias e vantagens em benefício próprio, em detrimento do povo, apesar de exercerem tais cargos por ensejo e prerrogativa popular na defesa dos seus direi-tos. A subversão, a corrupção, a extorsão, a exploração, a subserviência dos mais pobres era o contraste que imperava em todos os níveis, e tudo era tanto em demasia. A fome e a miséria eram acintosamente evidentes e escarnecedoras junto ao povo, já que o planeta era abundante de produtos alimentares e disponibilizava de uma reserva econômica saudável; só que para as classes menos favorecidas conseguirem comida, tinham que passar por muitas burocracias e demagógicas negociatas políticas; até o incremento religioso se apropriava dessas condições de penúria para blefar e tripudiar os pobres com promessas fantasiosas de benevolência e de farturas divinas, no reino dos céus, pela remissão dos pecados terrenos, mediante a prescrição do jejum, enquanto eles mesmos fartavam-se em festins deploráveis às custas do povo. Governos, religiões e políticos mancomunados exauriam - quando não de um ou de outro, entre eles mesmos, lobo comendo lobo - recursos escusos para suas fanfarrices; voltavam-se para o povo, acharcando-o em todos os sentidos, com apelações emocionais, mentiras publicitárias e impostos exorbitantes. O planeta Uthòpya era realmente o exemplo tácito de um mundo na mais completa corrupção democrática, onde valores morais, leis e preceitos de amor ao próximo eram tratados com escárnio, desprezo e nojo. Amoralidade era o termo exato e o princípio ativo que forjava a sobrevivência de cada um para manter-se vivo: a ralé, a plebe ignara, a escória, o refugo da espécie, agia de acordo com o exemplo de comportamento vindo de cima; do governo que se vangloriava e se refestelava de uma depauperada democracia.

Caminhar por Uthòpya naqueles dias, em qualquer lugar que fosse, não era nada convidativo e pensamento acertado seria: entregar a própria vida nas mãos do carrasco, sendo que até o verdugo se ressentia daquele peso, pois nem ele mesmo se sentiria seguro exercendo aquela profissão naquele momento, o risco era muito alto para se estar em evidência. A situação era a seguinte: quanto mais se mantivesse oculto, inexpressivo, escondido dos olhares desconfiados dos “Gnarous”, os espiões pagos do governo, melhor seria para a vida de todos.

Uma nota: mencionar a figura do carrasco foi apenas um pequeno exemplo citado para demonstrar a realidade dos fatos no planeta, onde o mesmo poderia ter relevada importância no meio governamental. Fim da nota.

*****

E chegou um momento em que a situação caótica era tanta que ninguém mais agüentava, principalmente o povo, já combalido pelas injustiças terrenas e divinas. O Movimento Revolucionário Arkang – M.R.A. surgiu silenciosamente e, como o abano das asas de uma borboleta, foi evoluindo num crescendo como uma onda em expansão, cobrindo todo o planeta, enquanto exercia uma espécie de clarividência, uma abertura de consciência esclarecedora entre o povo, assustando até aqueles que o iniciaram, um grupo de insatisfeitos que unira políticos, intelectuais e militares. O M.R.A. propunha entre outras coisas, que o povo acordasse e insurgisse contra aquela democracia tirânica imposta, buscando a libertação e seus devidos direitos. Tão logo o sistema governamental, os políticos e as hostes religiosas pressentiram que as forças opostas atuantes começavam a exercer forte influência junto à população, decidiram que já era hora de acabarem com a festa, dominando novamente a situação. E começaram agindo da maneira menos indicada possível, mas propícia à ocasião. Os soldados aquartelados foram para as ruas com ordens expressas para agirem energicamente e com truculência contra os mais exaltados. Eclodindo daí uma série de confrontos dispersos, que deram margens a ambos os lados de utilizarem armas leves e depois pesadas, quando, realmente, a guerrilha já havia se transformado em guerra. E aconteceu uma batalha ferrenha, na qual morreram milhares de soldados e civis. Num momento crucial o povo aderiu aos combates - após a conclamação geral do M.R.A -, e lutou contra armas automáticas e de grosso calibre, enquanto utilizava armas caseiras. A união das milícias aos “Gnarous” tornou uma carnificina os embates, mas, no final, os corpos dos inimigos ou não, dos dois lados, cabiam juntos na mesma cova rasa.

E mais de meio século durou a guerra. O governo se tornara em tirania absoluta e, sob esse jugo, o planeta Uthòpya viu-se entregue à barbárie, à fome e à ensandice de uma mente perturbada pelo desejo absoluto do poder. A massa popular mais do que revoltada com todos os acontecimentos não querendo mais ser subjugada, nem trucidada novamente, numa ofensiva suicida, investiu com tudo o que possuía. Era tudo ou nada. E num combate contínuo que perdurou longos meses, dias e noites, todos os povos se uniram e depuseram o tirano e outros governantes num golpe mundial único. Houve uma rendição global dos soldados. Para que tudo não destrambelhasse e outros governos surgissem entre os militares, criou-se, então, imediatamente, a “Assembléia da Plebe”, com representantes do povo escolhidos através de voto popular, entre aqueles que mais se destacaram durante os conflitos, além de alguns do M.R.A. Pela primeira vez, o povo sentia a força que exercia quando estava unido e não se limitava a delegar poderes a um representante que fazia e desfazia de suas vidas a bel prazer, mas tinha o poder da decisão, e assumia seus erros e comemorava os acertos, as vitórias.

E foi partindo dessa nova visão que a própria “Assembléia da Plebe” sugeriu um novo sistema de governo com o nome de Plerecracia; no qual o poder de decisão caberia soberanamente ao povo, contudo criariam um sistema governamental baseado num contrato de gestão, composto de um Presidente e cinco Diretores. Seria o princípio daquele novo formato de administração para toda a Uthòpya. Caberia ao Presidente desenvolver planos e definições de metas para o período de, no mínimo, 2 anos e 6 meses e, assim, com os Diretores, executá-los. Tendo, porém, que mostrar resultados a cada 6 meses. Caso a apresentação não fosse convincente, diante do povo, o mesmo perderia o cargo junto com os diretores. Como punição não mais poderiam se candidatar a nenhum outro cargo, por incompetência administrativa. Nesse ínterim a “Assembléia da Plebe” já estaria convocando o povo para a escolha de novo Presidente e Diretores. O Banco de Dados existente sendo revisto continuamente evitaria que não houvesse aventureiros ao cargo.

A “Carta Magna” estabelecia o sistema Plerecrático de governo e assim como regulamentava a “Assembléia da Plebe” e a “Consulta prévia” que devia fazer ao povo, a respeito da tomada ou não de medida do seu interesse:
Art. 1º. A soberania popular é exercida mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular, pelo voto universal, com valor igual para todos.
Art. 2º. O povo decide soberanamente em plebiscito:
I – sobre os programas de ação nas matérias de ordem econômica e financeira, cultural, saúde, bem como de ordem social.
Art. 3º. A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Núcleos, bem como a criação de Unidades Citadinas, sua transformação ou reintegração ao Núcleo de origem, serão decididos pelos cidadãos com domicílio nas Unidades envolvidas, em plebiscito realizado na mesma data e horário, conforme determinação da “Assembléia da Plebe”.
§ 1º. A iniciativa do plebiscito competirá a cidadãos que representem, no mínimo, cinqüenta e um por cento do eleitorado de cada uma das cinco Unidades Citadinas para a decisão plebiscitária conjunta.
Art. 4º. A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de núcleos far-se-ão, em cada caso especial, após a sua promulgação, e dependerão de consulta, mediante plebiscito, às populações das Unidades envolvidos, após divulgação dos estudos de viabilidade apresentados e publicados de acordo com o disposto pela “Assembléia da Plebe”.
Art.5º. A iniciativa popular exige a subscrição do pedido de consulta ao povo por, no mínimo, cinqüenta e um por cento do eleitorado distribuído pelas cinco Unidades Citadinas.
§ 1º. O objeto do plebiscito limitar-se-á sempre a um só assunto.
§ 2º. Conforme o resultado do plebiscito, Presidente e Diretores tomarão as providências necessárias à sua implementação imediata.
Art. 6º. O plebiscito, em qualquer de suas modalidades, é convocado pela “Assembléia da Plebe”.
Art. 7º. Por meio do referendo, o povo aprova ou rejeita, soberanamente, no todo, o texto de emendas, leis, acordos, pactos, convenções, tratados ou protocolos de qualquer natureza, ou de atos normativos.
Parágrafo único. É obrigatório o referendo popular das leis, de qualquer natureza, cujo projeto não tenha sido de iniciativa popular, sob pena de invalidade pela “Assembléia da Plebe”.
Art. 8º. O referendo é realizado exclusivamente por iniciativa popular, com observância do art. 6º.
Parágrafo único: Não existe efeito revocatório para a decisão tomada soberanamente pelo povo.
Art. 9º. Uma vez proclamado o resultado do referendo pela “Assembléia da Plebe”, compete ao Presidente declarar que o texto normativo, objeto da consulta popular, foi confirmado ou rejeitado pelo povo, assim como também acatar a decisão.
Art. 10. Compete à “Assembléia da Plebe”:
I – fixar a data da consulta popular;
II – expedir instruções para a sua realização;
III – assegurar a divulgação, por todos os meios de comunicação existentes, da propaganda sobre o objeto do plebiscito ou do referendo ou iniciativa popular.
IV – proclamar o resultado da votação, correspondente à maioria absoluta dos votos váli-dos das cinco Unidades Citadinas.
Art. 11. A iniciativa popular pode ser feita, junto à “Assembléia da Plebe”, pela subscrição de, no mínimo, cinqüenta e um por cento do eleitorado, distribuído pelas cinco Unidades Citadinas.
Parágrafo único. O projeto de lei de iniciativa popular não poderá ser rejeitado sob quaisquer alegações ou pretextos ou por vício de forma, cabendo à “Assembléia da Plebe”, providenciar a correção de eventuais impropriedades técnicas ou redacionais.
Art. 12. O projeto de lei de iniciativa popular tem prioridade, em sua tramitação, sobre todos os demais projetos de lei apresentados pelo Presidente ou Diretores.
Art. 13. A alteração ou revogação de uma lei, cujo projeto seja originário de iniciativa popular, quando feita por lei cujo projeto não teve iniciativa do povo, deve ser obrigatoriamente submetida à “Assembléia da Plebe” para convocação de referendo popular.
Parágrafo Único: A não observância de todos os artigos e parágrafos desta “Carta Magna” torna o Presidente e os Diretores desqualificados para dar continuidade à Gestão Contratual, sendo exonerados sumariamente dos referidos cargos, sem apelação. Cabendo à “Assembléia da Plebe” promulgar novo plebiscito para a escolha de novos pretendentes aos cargos de Presidente e Diretores.
Art. 14. Esta “Carta Magna” entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 15. Ficam revogadas todas a Leis anteriores.

E desta forma, através da vontade e do bom senso popular, Uthòpya foi entrando nos eixos. No princípio, a Plerecracia, como novo formato de sistema de governo, não obteve muitos resultados devido às incompatibilidades ditas políticas entre Presidentes e Diretores que, em alguns casos, ainda procuravam levar suas vantagens fortuitamente, assim como a incompreensão de diversos grupos religiosos por não pactuarem com o novo tipo de tratamento realizado para com os mortos. Principalmente no que se referia à grande quantidade de corpos ainda insepultos e acondicionados em sacos lacrados: a indústria da morte fazia pressão e queria obter lucro. A “Assembléia da Plebe”, convocada, segundo a Lei, abriu um leque de oportunidades para que todos dessem idéias quanto às soluções imediatas para os problemas existentes mais iminentes. E mais uma vez, na história de Uthòpya, houve consenso e nenhuma manifestação contra a solução apresentada para o acúmulo de cadáveres. A votação foi unânime para o método a ser aplicado na remoção dos milhares de corpos e quanto à sua utilização na reciclagem de energia: os corpos passariam por processos criogênicos e, em seguida, seriam transformados por coletores indutores em massa energética através do recolhimento do gás metano e outros gases especiais. A “Assembléia da Plebe” convocou o Presidente e Diretores em exercício para explanar de forma concisa e bastante detalhada que os sentimentos, aos entes queridos, podiam se reverter em agradecimentos, por seus corpos estarem sendo úteis, trazendo conforto às Unidades Citadinas e ao planeta. E, assim, após a morte, os corpos passaram a ser automaticamente requeridos pelo serviço de remoção e limpeza, sendo entubados em cilindros; passados pela fase de criogenia e depois descarregados nas gigantescas carretas que, continuamente, recolhiam materiais para o reciclo.

O sistema plerecrático favorecia o cidadão em todos os seus direitos e à gestão contratual do Presidente e dos respectivos Diretores por prazos determinados, com direito à prorrogação por mais 3 meses, caso a “Assembléia da Plebe” aceitasse o pedido em referendo, após ouvidos todos os motivos expostos. E tal fato acontecera por umas 2 vezes, quando as aerorodovias estavam sendo levadas para os subterrâneos e começavam também a criar os jardins artísticos. O plano e os projetos ambientais ainda passaram por três Presidentes e Diretores que sequer viram a sua conclusão. Mas o povo soube muito bem apreciar a construção dos edifícios panorâmicos e as aerorodovias desenvolvidas, que cobriam e ligavam as cinco Unidades Citadinas. As cidades podiam não ser iguais, mas todas recebiam o mesmo tratamento paisagístico obedecendo sempre à flora e à fauna locais. Para as regiões além-mar saíam tubos ultramarinos ou “aeroflips” com paradas em plataformas turísticas marinhas.

Até toda Uthòpya entrar nos eixos sociais e políticos, vários tipos de estruturas internas de “Gestão Contratual Presidencial” foram experimentados, até que foi formalizado o “Lex Contractus”, com período equivalente a 5 anos, também chamado de “Tempo de Lustro”, para Presi-dente e Diretores; sendo que cada Diretor gerenciaria uma Unidade Citadina, sob o mesmo regime do “Lex Contractus”, contudo, manter-se-iam sob às ordens do Presidente. Não possuíam o poder absoluto, e todas a leis ou projetos, sugeridos por eles, deviam passar sempre pela “As-sembléia da Plebe”, que era convocada entre aqueles mais destacados nas cinco Unidades Cita-dinas, sem a ingerência ou indicação do Presidente ou Diretores. Então, os mesmos, 15 no total, se reuniam de posse das informações sobre o assunto em pauta e convocavam o povo para dar o parecer. A “Assembléia da Plebe” podia ser convocada ou desfeita por um cidadão que se sentisse ultrajado, injustiçado ou o que fosse, em qualquer situação. A sua questão era levada ao “Púlpito de Rotina”, ao qual o povo em si tinha livre acesso, sabendo de antemão, de todas as convocatórias. Aquelas que obtinham “quorum” pelas suas relevâncias passavam para o “Código de Rotina”, que era de aplicação imediata, isto é, convocava-se a “Assembléia da Plebe” para ex-planar melhor a questão isoladamente, em todos os pormenores. A mesma “Assembléia da Plebe” não era formada pelas mesmas pessoas para cada convocatória, todavia, entre elas, sempre havia uma pessoa experiente que podia ser um dos Diretores ou, em caso especial, o Presidente, que devia apenas prestar assistência ao povo quanto aos requisitos da questão em andamento.

*****

A Plerecracia passou por períodos conturbados em que, por desnível de conduta, grupos unilaterais peculiarmente formados tentaram desestabilizar o regime plerecrático e a “Assembléia da Plebe”, alegando a não existência de elementos de oposição às questões sugeridas. Em contrapartida, o povo tomado da força que lhe deu o poder soberano de decisão, foi às urnas re-pudiando aquele grupo espúrio e comprometido com a não-verdade e manipulador da informação. Essa nova ordem político-social dava clara permissão ao povo de conhecer suas verdadeiras necessidades e trabalhar para alcançar, assim, suas metas e objetivos. E até ela estar completamente implementada, amargou-se muito pelos erros. Mas quando tomaram plena consciência do que representava o regime plerecrático em suas vidas, cada cidadão conheceu a sua verdadeira liberdade, o seu direito, assim como a sua intrínseca responsabilidade.

Assim principiava o Primeiro Artigo da nova “Carta Magna”.
“O Planeta Uthòpya é o seu Lar; a sua casa é sua Moradia; a Unidade Citadina, a sua Residência; portanto, antes de pensar na sua Moradia, pense no conforto do seu Lar, pois ele é único e insubstituível”.
“O mal que fizer dentro do seu Lar todos arcarão também com as conseqüências”.
“Ame ao seu Lar como ama a si mesmo, à sua Moradia e à sua Residência”.
“Respeite o seu Lar e todas as criaturas que nele habitam, assim como ama aqueles que se encontram dentro da sua Moradia, em sua Residência”.
“Agindo com amor e responsabilidade o seu Lar estará sempre florido e abençoado”.
E depois continuava:
“Cada pessoa tem direito ao acesso livre a todos os níveis educacionais, desde a sua infância até o grau superior, com a conclusão do estudo. O governo de Uthòpya faculta a todos as pessoas o estudo gratuito, segundo a sua vontade e desejo, e conta com cada pessoa, segundo a sua vontade e desejo, que ela participe e colabore para que a “Assembléia da Plebe” possa conter cidadãos com uma visão abrangente ensejando a harmonia, a paz e a qualidade de vida para o seu Lar, a sua Moradia e a sua Residência” .

A “Carta Magna” deixou de ser um elemento rígido, coercivo, que proibia, que exigia, mas cada palavra, cada sentença escrita fora laboriosamente posta à análise de cada cidadão co-mum, com grau de maturidade suficiente e de consciência da sua Cidadania para entender o sig-nificado do pensamento exposto, e que estivesse em condições de avaliar ou contestar o seu con-teúdo textual. A idade era irrelevante desde que soubesse discernir com a devida clareza sua i-déia.

A liberdade do cidadão era algo tão pessoal que “ser livre” caracterizava preconceito danoso, afigurando vilipêndio ao ser e à liberdade.
“Todo cidadão do planeta Uthòpya é livre do temor. Sua existência, desde o seu nascimento, é protegida pelas Leis que regem a “Carta Magna” em sua totalidade. Fronteiras, Territórios, Unidades Citadinas existem apenas para demarcar a sua formação geográfica, sem, contudo, interferir no direito de Ir e Vir de cada cidadão uthòpyano”.

Quaisquer problemas relacionados às transgressões do cidadão uthòpyano que porventura viessem a ocorrer, a “Assembléia da Plebe” era convocada, então eram solucionadas as questões, ou dirimidas as dúvidas, ou sancionada a Lei.

A situação religiosa também foi levantada e exposta na “Assembléia da Plebe”. O Presidente e os Diretores explanaram com clareza toda a celeuma divina e os cidadãos de todo o planeta, sem nenhuma exceção, foram argüidos quanto à preferência religiosa. O sistema plerecrático, através da “Carta Magna”, incentivava cada cidadão a mostrar a sua verdade espiritual. E as cinco Unidades Citadinas foram envolvidas em debates teológicos, teosóficos, questões místicas, velhas tradições religiosas voltaram à tona, preceitos canônicos... Enfim, a teodicéia levada ao ápice do discurso, com dessecamento de todas as religiões, crenças, seitas, cultos, ritos, mitos e tudo aquilo que se assemelhasse, ou parecesse de alguma forma com algum credo. O Politeísmo, o monoteísmo, o sincretismo religioso, assim como os partidos políticos que existiram séculos passados, só traziam lembranças de intranqüilidade, violência, mortes, guerras e muitas perdas por nada. E, agora, expostas à decisão do povo, que sabia o que queria, as questões mais importantes quanto ao conhecimento do que significavam palavras, tais como “Latria, Dulia, Hiperdulia” de forma generalizada, representavam, no todo, o embuste das religiões a que eram submetidos forçadamente por séculos e mais séculos.

Ao se escrever o ditame doutrinário na “Carta Magna”, após escrutínio planetário, o povo, soberano em todas as decisões, não deixava nenhuma dúvida quanto ao fervor religioso. Ba-seados no sistema plerecrático, apenas uma entidade criadora do firmamento e de todas as criaturas do Universo, iguais em suas espécies e características, seria venerada como tal. Já que baseados nos estudos expostos havia fortes indícios deste fator dominante.

Os segmentos religiosos, os sectários dos cultos e ritos existentes, até então, preferiam lidar com o povo dominado pelo medo e pelo pavor; engendrando artimanhas divinas cultuadas dentro do próprio ambiente, mas silenciaram após o resultado oficializado, estabelecendo a uni-ficação de todas as religiões na busca plena de um objetivo comum: sem fanatismo ou idolatria.

*****

E passear por Uthòpya se tornou um prazer inesquecível. Viver em qualquer das Unidades Citadinas significava merecer todo o conforto e bem-estar. A bem da verdade, aqueles que ainda moravam afastados, em locais fora dos perímetros “urbanos”, aos poucos procuravam ir se adequando aos novos tempos, e a convite, iam se mudando para Unidades Citadinas na busca de mais qualidade de vida e conforto. A esses lugares abandonados eram restituídas a flora e a fauna, após estudos do meio ambiente. O Presidente e os Diretores em seus períodos de Gestão Contratual procuravam de todas as maneiras, além de cumprirem com suas rotinas de trabalhos, beneficiar o cidadão de Uthòpya para que sua moradia tivesse todo o conforto possível, assim como não lhe deixando faltar alimento, agasalho e educação, metas primordiais...

... Ou fazer um “tour” somente por Polyondra não requeria muito esforço. Bastava seguir as placas sinaleiras indicativas ou passar pelos portais de informação, que logo um monitor robô virtual solucionava todos os seus problemas quanto à direção, localização, rota, tempo de chegada, além do clima do local escolhido, fornecendo opções múltiplas de lazer. A exemplo do passeio turístico, qualquer cidadão uthòpyano sentia o maior orgulho de passear e mostrar aos turistas o seu planeta. E num Dia de Lazer, para ir a uma das “pólis” mais afastadas, partindo de Polyondra, podia se tomar um dos “Flips”, numa linha metrodinâmica e estabelecer a rota antecipada com paradas em Museus de História e Pesquisas Científicas, Centros Culturais, Áreas de Recreação e Eventos musicais ou teatrais, para depois tomar uma linha hiperdinâmica, ou então, preferindo ir direto ao destino, parelhas autômatas. Tudo facilitado para que o cidadão usufruísse ao máximo da paisagem durante a sua viagem por Uthòpya, a trabalho ou simples lazer.

... E de repente, descobriu-se que nascer, morar, viver e morrer no planeta Uthòpya era algo de muito bom. Não existia nada melhor... O cidadão uthòpyano era centrado nos seus deveres, direitos e responsabilidades e, principalmente, muito feliz, pois somente dependia dele para que o seu Lar, a sua Moradia e a sua Residência fossem os lugares mais harmoniosos e perfeitos possíveis daquele Sistema Galáctico.


NOTA DO NAVEGADOR: Às vezes fico pensando que Uthòpya poderia chamar-se facilmente: Terra. Ambos os planetas possuem o que há de melhor em qualidades, vontades e desejos idênticos. A única diferença é que Uthòpya reviu os conceitos, os preceitos, os valores/sócio/político/religiosos dando a devida atenção às necessidades do povo, enquanto que a Terra...

John Dekowes
Petrópolis/RJ
21/02/2005
13h49

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