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Contos-->Onde está que não responde? -- 28/02/2005 - 22:00 (Sergio Marcondes Cesar de Araujo Lopes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
- Bom, eu não sei bem por onde começar, mas a idéia é que esse seja um papo informal. Nós nos conhecemos há tanto, né, não há porque rebuscar essa conversa com formalidades e rodeios. Na verdade acredito que você me conheça muito bem, intimamente, bem mais do que eu lhe conheço, mais por ouvir falar, ler e imaginar, ou acreditar. É no mínimo estranho estar aqui, onde pouco venho, sozinho, falando com alguém que não vejo, me abrindo com alguém que notoriamente me quer bem, mas mesmo assim temo não ser ouvido, não ser querido, não ser atendido. Decidi vir aqui hoje porque sei que sua casa está sempre aberta, e me invisto de fé, de crença cega, e procuro buscar aqui o que está me faltando lá fora.
Optei por uma conversa, simples, direta e pouco elaborada, fugindo das formalidades e protocolos que são padrão no contato com o Senhor porque acho que minha fé precisa disso. Talvez eu seja diferente, talvez ansioso demais, mas teimo em me ver como alguém comum, mais um alguém por aí, que tem sua atenção e aceita dividi-la com inúmeros, porém vim decidido a tomar uma iniciativa diferente, que vejo como minha última alternativa nesse momento que vivo. Eu vim para desafiá-lo!
Alguém, um dia, disse “Deus, ó Deus, onde está que não responde?”, e imagino que a resposta nunca tenha vindo. Pois aqui estou eu para seguir o mesmo caminho, não nesse tom de desafio direto, vulgar, mas venho aqui em busca de respostas, de favores, e de uma série de coisas que espero de você, ou do Senhor.
Meu desafio consiste em percebê-lo, em ouvi-lo, em dar-lhe a voz que você nunca teve, em saber porquês, em obter algumas poucas respostas, e em troca lhe dou minha fé, que já lhe entreguei antecipadamente. E de minha fé não pode fazer pouco o Senhor, que a testemunha, e percebe sua sinceridade, em minhas palavras, atos e gestos.
Deus, sempre acreditei em você sem te ver, te ouvir, mas sempre achei que olhava por mim, que me protegia, até que as coisas chegaram a um ponto onde que preciso de sua ajuda direta, de uma intervenção divina por assim dizer.

Deus, minha vida desandou, uma doença me come por dentro, minha família se desintegrou, meus amigos se distanciaram, e eu não vi nenhum erro meu que justificasse isso, que mostrasse para mim que, como dizem, aqui se faz aqui e se paga. Eu preciso saber porque, preciso ouvir de você, entender o que fiz para viver isso assim. Acho justo que alguém tenha o direito de saber os porquês do seu destino, e querer ouvir isso do Senhor me soa tão óbvio que me custa crer que apenas eu faça isso.

Bom, eu só vou viver uma vez, não é? Ou viverei outras? Se já vivi outras vidas e pago por erros cometidos então, por que não me lembro de nada, nada que me tranquilize ou me acalme? Se não estou pagando por nada de errado cometido noutra vida, onde errei nessa? Se não errei nada em nenhuma vida, por que sou punido com a vida miserável que estou vivendo? Desconfio que seu modelo de existência está errado, mal elaborado ou mal executado. Desgraças assolam o mundo, a miséria é tão mal e injustamente distribuída quanto a riqueza, as pessoas sofrem a céu aberto e a olhos vistos, e nós sempre creditamos isso a elas mesmas. Será que o senhor está apenas observando, deixando a coisa rolar? Será que existe uma vida eterna que será produto de nosso mérito obtido na vida terrena? Eu lhe procurei para dar-lhe uma chance de manter a minha fé, de manter-me acreditando em você, nos valores a você atribuídos. Espero que veja isso como uma deferência, que perceba a importância que dou ao senhor e à fé que alimento há tempos.

Não posso admitir ver o meu Deus como alguém injusto, não posso continuar a represar sentimentos ruins, desejos sórdidos, ambições desmedidas, tudo com base em medo e respeito por alguém que não justifica os rumos que dá ao que me é mais caro – eu mesmo. As vezes me pego imaginando se pode calhar de ser você um Deus omisso, ou injusto, ou mesmo mesquinho, que administra o mundo e as vidas contidas nele com pouca ou nenhuma vontade, intercedendo eventualmente de acordo com humores e disposições.

Tudo a seu respeito é irritantemente vago e dúbio! Contando com a boa vontade dos fieis, tudo o que foi escrito a seu respeito leva a crer que se trata de um Deus justo, ativo, trabalhador, onipresente e atuante. Mas, sem essa boa vontade, e com uma pitada de má vontade até, podemos ver o senhor como um Deus preguiçoso, negligente e fanfarrão, usando da fama e da fé conquistadas para constranger logo os que mais se esforçam para agradá-lo servilmente.

Se é verdade que o senhor fez o homem à sua imagem e semelhança, a ordem dos fatores não alterará o produto. Não importa quem ficou parecido com quem, pois se somos parecidos mesmo, minha fé vai pelo ralo.

Sua arbitrariedade sempre foi respeitada, sempre acreditei em seu julgamento, acatei seus valores, impostos muitas vezes refreando instintos e naturezas, julguei os outros pelo que disseste – se bem que pode ter sido invenção de alguém, o que não justifica nada, pois sua intervenção em tamanha fraude seria obrigatória, e sua omissão nesse caso seria pecado maior que qualquer um cometido por nós aqui.

Das três opções que analisei ao entrar aqui, friso que sempre acreditei na primeira, - o senhor existe e é justo, mas comunica-se mal e exige muito de nosso discernimento e critica – o senhor existe e é injusto e mesquinho, assim como qualquer um de nós, fazendo da existência dos daqui de baixo um joguete divertido e complexo que lhe distrai da famosa monotonia celestial – ou o senhor não existe e nossa subserviência é inútil e inócua, e nesse cenário sua inexistência o poupa de ver a frustração dos que galgam durante a vida o que não existe e nem se alcança. E aí, que faço eu?

Não me incomoda estar aqui nesse momento falando sozinho, pois se isso é verdade absoluta, a fé coletiva me poupa de estar fazendo um papelão. O que me incomoda é imaginar que você pode estar aqui, em algum lugar, me olhando e me ouvindo. Me incomoda pensar que o Senhor pode estar me espreitando pelos cômodos de minha casa quando choro no sofá antes de dormir. Me entristece achar que você sabe como, mas se recusa a me ajudar, por qualquer razão. Me apavora conceber que estou purgando aqui coisas que fiz em outra vida, da qual não me lembro nem trouxe nada comigo nessa em que estou. Me enoja a possibilidade de ser alvo de um ego divino, que me quer louvando-o, puxando seu saco, atendendo-o em troca de migalhas, quando migalhas eu recebo. Me irrita pensar que meu sofrimento é decorrência de negligência de alguém que se nega sistematicamente a atender os pedidos de quase todos e exige fidelidade sem dar nada em troca. Me deprimiria saber que o pouco que tenho, a vida amassada, feia e triste que vivo seja ainda assim uma bênção por si só. A vida é o que você nos dá? Só? Você nos dá a vida e depois a coisa corre por cada um, como correr? Você dá o pontapé inicial e vai para a arquibancada?
Ô Deus, não quero nem saber onde você está, como meu predecessor. Quero apenas que responda as perguntas que lhe faço.

Sabe, não me leve a mal! Leia minha mente, meu coração, sei lá, mas entenda que não quero desafiá-lo. Retiro o que disse. Não é um desafio, é quase um apelo, um pedido de alguém em desespero. Fale comigo, eu não quero um sinal, quero apenas poucas palavras, respostas simples que me libertarão, me tranquilizarão. Por favor.... .

O que? O que? Não ouvi, repita, por favor. Por favor!

Ah, moço, o que foi? Não, não quero comprar vela nenhuma!
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