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Cordel-->O CRIME DO PADRE DÁRIO -- 10/10/2010 - 13:23 (JOAQUIM FURTADO DA SILVA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O CRIME DO PADRE DÁRIO
Escrivão Joaquim Furtado
Em Imperatriz, 2007


1. Foi em mil e novecentos
E oitenta e cinco, o ano
Que Alaíde Amintas
Madureira fez o plano
De abandonar seus pais,
Pra não voltar nunca mais;
E foi mais um desengano.

2. O seu pai, carrasco insano,
A maltratava demais,
Além dela passar fome,
Também não gozava paz,
Nem podia ir à rua,
Fizesse sol, fosse lua,
Nem ver moça, nem rapaz.

3. Sentia-se incapaz
Jovem de pouca leitura,
Já aos quatorze anos,
Magra, boa estatura.
Sabia que era gente
Por ser grande, mas somente
Uma jovem imatura.

4. Por natural, insegura,
Mas sabia ser errado
O tratamento em casa;
O pai lhe haver fechado
A porta do mundo fora.
Será que ele ignora
Que o rádio fica ligado?

5. O mundo do outro lado
Da janela do seu quarto,
Conhece pelos programas
Do rádio. E até parto
Sabe como acontece.
Só com a força da prece
Engole cobra e lagarto.

6. O pai teria um infarto,
Talvez, se ela fugisse.
Mas ela fez isso mesmo.
Nem mesmo à mãe ela disse.
Pouca roupa na sacola,
Passou defronte à escola
Sem que gente alguma visse.

7. ‘Melhor mesmo que sumisse’
Pensou por mais uma vez
Tanta privação e fome
E essa prisão que o pai fez...
‘Não se faz isso com filha’
A cristão nenhum se humilha
Por dias, semanas, mês...

8. ‘-Oh, Senhor só vós podeis
Ajudar-me nessa hora...’
Invoca ela a Deus Pai
Quando já da porta fora
Pronta estando pra fugir,
Não sabe aonde ir;
Só sabe que vai embora.

9. MUNDAÚ, a essa hora
Ainda está deserta
Só depois das seis e meia
É que a cidade desperta
Inteiramente p’ra lida.
Só a CASA PÃO DA VIDA
Acha-se de porta aberta.

10. Em caminhada incerta
Alaíde agora pensa
No que pode acontecer;
Acha-se nervosa, tensa.
Até um gato que passa
Parece uma ameaça.
Na cabeça, angústia imensa.

11. ‘Deus promete recompensa
Como bem-aventurados
Aos que vivem sofrendo.
Toma-os a seus cuidados...’
Pra ela, isso bastava
E nem mesmo precisava
Dar castigo aos culpados.

12. Pensamentos misturados
Vinham-lhe à mente, agora:
‘Aonde iria ter
Andando de rua afora?
Daí a pouco, hora alta,
Notariam sua falta
Veriam que foi embora.

13. Sabia que sem demora
Correriam a procurá-la
Tinha que apressar o passo
Para o pai não alcançá-la.’
O coração se lhe aperta
Então, vê a porta aberta
Da igreja, a convidá-la.

14. Rápida como uma bala,
No templo se refugia
Atravessa todo o adro
Vai parar na sacristia
Lá encontra uma mulher
Que lhe pergunta o que quer
Ela diz-lhe que fugia.

15. Por boa parte do dia
Ficam a falar as duas.
Alaíde conta à outra
Todas as agruras suas;
Pede-lhe para deixar
Na Paróquia ela ficar,
Para não voltar às ruas.

16. “-Amanhã, tu continuas.
Eu no caso vou pensar” –
Disse a outra a Alaíde -
“Também não posso deixar
Que alguém na tua idade
Fique errando na cidade.
Por hoje, podes ficar.

17. Se ficas, vais trabalhar
E nem sei se é diferente
Da morada de teus pais
Se és menina decente
Se me contaste a verdade
Se existe mesmo maldade
Em ti ou na tua gente.”

18. E Alaíde, contente
Com a resposta da mulher
Prometeu para si mesma:
‘Seja o que Deus quiser
Eu cozinho, lavo, passo,
Se for trabalho de braço
Faço dia e noite até.’

19. No outro dia, de pé
Cedo ‘tava e num momento,
Apanhou pá e vassoura
Varreu todo o aposento
Em menos de meia hora.
Varreu a parte de fora,
Depois a parte de dentro..

20. Nem assim, tomou assento
À mesa p’ra desjejum
Olhou os móveis da sala
E espanou cada um.
Com idade juvenil,
Se algum cansaço sentiu,
Não demonstrava nenhum.

21. E em momento algum
Procurou pela mulher.
O que fez foi espontâneo.
Só não preparou café,
Pra não deixar entrever
Que gostava de mexer,
Ou que tivesse má fé.

22. Às oito, dona Zezé
(era mesmo esse o nome?)
Chegou, trazendo dois pães.
Perguntou: -Está com fome?
Ela respondeu que não,
Mas Zezé cortou um pão
E disse a ela: “-Tome”.

23. “A pessoa que não come
Não tem nenhuma sustança
É como saco vazio:
Não fica em pé, pois balança
E cai no chão, todo mole.
Alguma coisa se engole
Mesmo tendo temperança..

24. Inda mais uma criança
De treze anos, ou doze.
Qual é mesmo sua idade?”
Ela respondeu: “-Quatorze.”
É que lá em casa, irmã,
Não tem café da manhã
Não estou fazendo pose.”

25. “-Mesmo que tenha quatorze,
Você é muito pequena.
E tão magra como está,
A gente até sente pena.
Tenho aqui café com leite
Quero que você aceite
Sente aqui. Não faça cena!”

26. Depois dessa cantilena,
Ela sentou-se à mesa,
Com um jeito acanhado
E certo ar de tristeza.
Comeu pão, tomou café,
Disse “obrigada” a Mazé
E aguardou a surpresa.

27. Queria ter a certeza
De não voltar para casa
Se o pai já a ameaçava
De “cortar as suas asas”
E sabendo que fugira
Era capaz de, com ira,
Queimar os seus pés em brasa.

28. Mazé diz-lhe que na Casa
Paroquial, ali perto,
Ela ficaria um tempo,
Apesar de ser incerto.
Avisaria a seus pais
Pra não procurarem mais
Pois estava em lugar certo.

29. Não seria muito esperto
Voltar pra casa agora,
Depois dela ter fugido
E passado a noite fora.
O seu pai, cabeça-dura,
Podia fazer loucura
Antes de mandá-la embora.

30. Mais certo seria, agora
Prosseguir como escolhera.
Na casa paroquial
Passaria a noite inteira.
Trabalharia de dia
Na Igreja e sacristia,
De segunda a sexta-feira.

31. “-Mas não vá fazer besteira!”
Mazé lhe advertiu.
“Estou fazendo um favor
Pra quem de casa fugiu.
Você é quase criança
Se abusar da confiança
Volte pra quem a pariu.”

32. Alaíde tudo ouviu
E disse que entendeu.
Não era de andar na rua
Foi assim que aprendeu
E que só deixou o lar
Porque além de apanhar,
De fome muito sofreu.

33. Dessa forma, então, se deu
Uma radical mudança
Na vida de Alaíde
Amintas – uma criança.
Se não tinha diversão,
Tinha cama e refeição
E da fome só lembrança.

34.‘Quem espera, sempre alcança
Quem corre alcança mais cedo!’
Assim pensou Alaíde
Meses depois, já sem medo.
Trabalhava e estudava
Mas não como filha escrava
Tinha o espírito mais ledo.

35. Já um ou outro segredo
Dos registros batismais
Conhecia por ouvir
Mas sem perguntar jamais.
Era correta, por visto;
Nunca leu qualquer registo
Nos livros paroquiais...

36. E os dias, mais e mais,
Foram passando na vida
De Alaíde. Os seus pais,
Desde a sua partida
Foram vê-la poucas vezes.
Passaram-se doze meses –
Um ano de despedida.

37. Ela habituou-se à lida
Da casa paroquial
Logo nos primeiros dias.
Achava mesmo normal
Trabalhar por refeição
E morada, por que não?
Compensação natural...

38. Nesse contrato informal,
Ela até acostumou-se.
Ficou por mais de dois anos
E dali só retirou-se
Quando se viu obrigada.
Por conta de uma cilada,
Que o destino lhe trouxe...

39. Por outra coisa que fosse
Não deixaria jamais
O trabalho na Paróquia.
Dali gostava demais;
Fazia as coisas direito.
Fosse pra fazer bem feito
Ela seria capaz.

40. Nunca namorou rapaz
Nas folgas que concediam.
Dona Mazé lhe falava
Do que dela outros diziam:
Da sua dedicação
Também da educação -
Elogios lhe faziam.

41. Cada um dos que a viam
Na Paróquia dia-a-dia,
Gabava seu jeito de
Fazer o que lhe cabia,
Com esmero e com capricho.
Varrendo, apanhando lixo,
Trabalhando ela sorria.

42. Talvez essa simpatia
É que lhe tenha traído.
Não o corpo adolescente
Já sobrando no vestido.
Não tinha pernas roliças
Que atraísse as cobiças
De moços de bom partido.

43. Foi mesmo o padre enxerido
O vigário da matriz
Que contrariando o voto
Fez a pequena infeliz
Trazendo-a intimidada
Na condição de enjeitada
Fez com ela o que bem quis.

44. Submissa, nada diz
Quando da iniciativa
Imoral do padre Dário
Que em atitude lasciva
A abraça sem pudor
E lhe fala de amor
Ela se cala, passiva...

45. Como uma pobre cativa
Sob o jugo do patrão,
Ela prefere o silêncio
Ante a intimidação
Partida do Padre Dário.
Se brigasse com o vigário
Não lhe dariam razão.

46. Resiste à sedução
Usando as mãos em defesa
Do seu corpo virginal,
Porém faz-se fácil presa
Por não ter aonde ir
E ele sempre insistir
Cada vez com mais firmeza.

47. Contra a sua natureza
Terminou por aceder
À insistência do pároco,
Sem saber o que fazer.
Ele na força do cargo
Fez-lhe o destino amargo -
Um eterno padecer.

48. O que veio a ocorrer
Depois já foi natural
Conseqüência dos encontros
Na casa paroquial.
Viu Alaíde, com medo,
Que a relação em segredo
Lhe causara um grande mal.

49. Em gestação anormal,
Ficou em transe de horror,
Pois sabia não poder
Dizer quem fora o autor
Daquela sua prenhez.
Escondeu a gravidez -
Até dos pais ocultou.

50. O Padre Dário a levou
Primeiramente a Brasília
Onde ficou algum tempo
Sem rever sua família
Não sei se a dona Aldelice
Alguém da Igreja disse
Do paradeiro da filha.

51. Saindo lá de Brasília
Pelo Padre foi levada
Para Carapicuíba,
Em São Paulo, pela estrada
No Expresso Brasileiro
Viajando um dia inteiro
Chegaram de madrugada

52. Ali foi ela abrigada
Aos cuidados de uma freira
irmã Jacinta Fratelli
Que foi sua companheira
E a tratou bem de fato
Num quarto de Orfanato
Por uma semana inteira

53. Alaíde Madureira
Não sabia o que fazer
Mantida presa em segredo
Não a deixavam saber
O lugar em que se achava
Da família se lembrava
Mas não podia escrever.

54. Novamente veio a ser
Transferida de lugar
Estava no Orfanato
Santa Tereza e de lá
Foi entregue a uma tal
Dona Marina Vital
Para com esta morar.

55. O Diretor do Hospital
Stela Maris, foi que,
Sendo esposo de Marina,
Lhe ajudou a fazer
O pré-natal e o parto
Também arranjou o quarto
Para a criança nascer.

56. Nem sei se a mãe pôde ver
O(a) filho(a) do Padre Dário
Que ela trouxe ao mundo,
Depois do longo calvário.
Nem sei se foi filho ou filha...
Hoje, mora em Brasília
Onde vive de salário.

57. E o padre salafrário
Escondeu-se na Itália
Que é a terra natal
Desse que foi um canalha.
Não lhe condeno a fraqueza
Do sexo, mas a torpeza
De não assumir a falha.

58. Depois de longa batalha
Em processo demorado,
A mãe ganhou afinal
Do hospital condenado
120 mil reais,
Pra poder sofrer em paz -
Não falar mais do passado.

J- Julgo pequeno pecado
O- O padre render-se ao sexo,
A- Atraído pelo ímã
Q- Que têm côncavo e convexo...
U- Um desejo natural
I- Impõe-se a qualquer mortal.
M- Mas o assunto é complexo...

-------------------------------------------------CONSULTAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS
1 CHAVES, Mauro, O CRIME DO PADRE MÁRIO, em ROLLING STONE DO BRASIL, edição n.º 4, janeiro de 2007, pág. 56 e 57.
2 Mauro Chaves é colunista e editorialista do Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO e comentarista político da Rede Gazeta.
3 Apesar de baseado em fato real, objeto de reportagem em revista nacional, o cordelista utilizou ficção em grande parte da obra, inclusive propositadamente trocou os nomes dos protagonistas e outros mencionados, inclusive do local do ocorrido, pois reconhece o seu dever de não ferir a ninguém em seus textos.

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