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Discursos-->Futuro do passado -- 23/08/2002 - 20:30 (Alberto D. P. do Carmo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Acordava sem hora, fosse num nascer do sol, fosse na hora do almoço. Lavava os olhos e saía do banheiro ajeitando as calças, direto ao quintal – brilho de manhã, cheiro de mato, orvalho nas folhas.

Passava umas boas horas rastelando, outras cavocando, cortando sapé, galhos secos, pisando em formigas. A sede de poço na laranja madura, suor filtrado de pele nova. A bananeira pendendo, quase pronta. O cuidado de não pisar nos girassóis que engatinhavam. Tudo vibrante de vida, como sêmem recém-semeado.

O joão-de-barro ralhando arrogante, a saíra verde de paraíso, o sanhaço picando a laranja. A água fértil, escondida, que jorrava no silêncio das paredes. As latas enferrujadas, desbotadas, fazendo brotar samambaias de formas torturantes, pendentes, lacrimosas.

A calma das panelas, a risada da frigideira. O grito dos talheres sobre a mesa. A reza no espelho, agradecida, com som de esconderijo. A distância segura da loucura, do mundo enlatado de carne em pó, dos cheiros sem forma, sem sexo. A gargalhada histérica ao céu, num som disfarçado.

Nada era medo, nada era tão descalço. O choro longo da cidade, sorrateiro, feito queixume desesperado. O gesto sarcástico de pisar na terra, como desafio aos incautos. Tudo era terra, era capim pisado, era descaso. A palha queimando cheirava perfume, tingia cabelos e roupas, num odor matuto.

A infâmia da tomada, do clique, da imagem. O som absurdo dos vampiros, a estática teimosa, o veneno dos duendes. A raiva, a ira, o choro. O rádio declamando a informação maciça, acovardada.

Notícias, notícias... hordas delas, aos borbotões. Tudo era mal, tudo ruim, tudo errado. Vozes amordaçadas de alegria, urrando pós, chamando inocentes. Corpos elegantes chorando lamúrias, trazendo túmulos, jurando curas. Um povo doente comprando insolências. Tudo escuro, tudo nublado. A joça generalizada, o escárnio indolente.

O povo maldito insuflando revoltas. A saga covarde esmagando nações. O riso gorduroso, fétido, iludindo os pensamentos. O rastro enganoso da Jerusalém invadida. Ímpios ortodoxos vendendo seus crimes. Homens ciosos por lucros ignóbeis. Mulheres prostitutas com vaginas douradas. Povo amaldiçoado pelo tempo, vomitando seus últimos dejetos. O ódio dominando minhas palavras, fruto daquela gente que fazia da vida um mercado odioso.

Jardins de sonho, hortas esverdeadas. Tudo era vida, era grão. Fujo da calúnia insidiosa, dos turbantes, das jóias nos pescoços enrugados. Tudo é real, passageiro e eterno. Rio dos calções ridículos dos hermafroditas urbanos. Seres asfálticos, robóticos, anêmicos, azêmolas, vendendo seus sub-produtos herméticos, afônicos.

Volta a tarde, de sol grisalho, de lua castelhana. Verdes olhos de dourada moldura, que me encantam, solfejam sussurros indizíveis.

Deixo meus lábios nos lábios dela, num pouso sereno e incandescente. Tudo era mar, pácífico, tudo é passado. Rezo a oculta alforria, pontuada com minhas tréguas. Eu era feliz... e sabia.


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