Usina de Letras
Usina de Letras
68 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62201 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10353)

Erótico (13567)

Frases (50601)

Humor (20029)

Infantil (5428)

Infanto Juvenil (4762)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Canoa Furada -- 12/02/2005 - 19:45 (Luis Gonçalves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CANOA FURADA

Luís Gonçalves
Ensolarada manhã domingueira. Eu a observar o dia passar com a mansidão costumeira do lugar. O tempo anunciando chuva para a tarde. Pesadas nuvens movimentavam-se para o norte, sombreando momentaneamente a vegetação, numa viagem tipicamente pantaneira. Ouvia o canto das aves faceiras a chilrear nos ramos, granjeando alimentos. Animando a festa, o vento fazia farfalhar as verdes folhas. Lá iam mais ou menos uns vinte dias que me encontrava ali naquele sitio. Isolado.
Estava à margem do rio no inicio da tarde, quando aproximou a bela dama, que eu costumava transportar para a outra margem. Moça faceira que fazia o percurso deslizando a mão na correnteza, cheia de graça, deusa da verdade. Do outro lado murmurava pelos vãos dos dentes:
— Vem apanhar-me às três!
Partia ao prender junto à cintura a gorjeta que estendia presa nas pontas dos dedos retesados. Atrevido, lançava algumas olhadelas libidinosas para trás a fim de flagrá-la retirando as roupas. Ela esperava conclusão da travessia para efetuar o ato. Naquele dia, trajava vestido longo e trazia o pescoço adornado por colares coloridos. Os cabelos, presos pelo lenço em touca coroavam a linda cabeleira ruiva. Perguntou, se eu poderia prestar-lhe um favor; respondi, sim.
Ia viajar, precisava de alguém para zelar do sitio, durante a ausência. Dirigimos até em casa, para dizer a mamãe o destino. Pelo caminho fez várias perguntas. Olhava-me com os cantos dos olhos discretamente. Deixando-me pouco à vontade. Eu não passava de uma máquina prestadora de serviços. Tendo a obrigação de cumprir as ordens corretamente.
Deixamos o asfalto de lado, para seguir uma estrada de chão e posteriormente um rol de porteiras para abrir. Em cada uma delas avistava manada de gado que se aproximavam, em seguida afastava-se em galope estrepitoso para lá adiante formarem novas rodas especulativas. Pareciam imaginar ser o veiculo branco um grande saco de sal ou um belo cocho ambulante.
Era dezembro, as mangueiras expunham, na vitrine esverdeada, deliciosas mangas rosadas pelo sol. Os únicos habitantes aparentavam ser os pássaros, que faziam grande algazarra nos arvoredos. Ao desembarcar do automóvel, notei que estava enganado. Existiam diversas marcas de pneus pelo chão confirmando constante presença no local. Entramos pelo fundo do grande casario passando pela cozinha e uma ampla sala de jantar. Onde havia uma enorme e robusta mesa. Imaginei o tamanho da família que a compunham. Parou. Olhou-me vagamente, parecia indagar o nada; disse:
— Você ficará aqui! É melhor...
Rodopiou no calcanhar, apontando uma porta judiada ao lado da cozinha, completando:
— Creio que ficará à vontade aqui!
O cheiro de mofo estava insuportável. Era visível o desuso do buraco estreito. Deixei cair a mochila em cima da velha cama de solteiro que ostentava a visão macabra do dito aposento de dormir. Na verdade era um pequeno cubículo, úmido e malcheiroso. Na cozinha entregou-me um molho de chaves e mostrou onde era a dispensa, lá encontrei material para a limpeza. Rapidamente procurei fazer a faxina.
Terminei e fui ajudá-la com as malas. Entardecia quando acabamos de preparar a bagagem para a partida. Ao redor da mesa, apanhou a bolsa, escarafunchou de um lado para outro com movimentos hábil. Retirou três notas de pequeno valor, que passou a minha pessoa impondo mil e uma recomendações referentes à casa que ficaria sobre a minha guarda. Levantou-se com ar soberbo. Satisfeito eu a vi embarcar no automóvel e partir. O ronco do motor desapareceria ao longe deixando somente a decepção.
A noite veio trazendo um silêncio aterrador. Somente o bale dos morcegos predominava, movido pela estranha orquestra dos grilos barulhentos. Nunca havia estado em tão macabro lugar, e, ainda por cima desconhecido. Após o jantar, ganhei à sala onde havia um televisor. Passei a noite em frente do aparelho, sobressaltado a todo ruído estranho, vindo do lado de fora. Ao amanhecer fui para a cama, cansado adormeci.
Os dias foram passando: de uma manhã sonolenta; para uma tarde melancólica. A noite chegava com um convite rotineiro para os programas da televisão. Aos domingos preparava-me, em vão, para recepcioná-la. A misteriosa mulher deixou-me esquecido naquele lugar. Apavorado, ensaiava abandonar o local. Mas, a consciência convencia-me a permanecer, enfrentando o medo insuportável da calada da noite. Não recebia visita. Tudo levava a crer, ser pouca amiga. Ninguém a procurava...
Morrinhento, a cochilar, não percebi quando o carro estacionou. O ruído da porta se fechando trouxe-me a realidade. Dê súbito deparei com o rosto dourado esboçando um largo sorriso. Surpreso fiquei pasmo com os detalhes. Era um sorriso forçado, desculpando-se dos dias de atrasos. Mesmo assim achei o máximo.
Apressei-me a ajudá-la, feliz em vê-la de volta. Logo estaria livre daquela incumbência ridícula em qual havia me metido por simples curiosidade. Acabei de carregar as malas e sentei-me diante dela para devorar o almoço vindo da cidade. Enxaquecado tomei abuso da própria comida. Ela me enchia de perguntas sem perder o ar sério e majoritário. Afirmou: ia me deixar em casa, após um bom banho. Fiquei contente. Preparava-se para deixar a mesa, quando estacionou veloz uma caminhonete, vindo não se sabe de onde.
Pendurou no ombro do recém-chegado a cobri-lo de beijo; igual uma louca desvairada. Devo ter sentido ciúmes. Aproximou-se, abraçada a ele, dizendo ter me contratado para lhe fazer companhia. Ele olhou-me sério balançando a cabeça em sinal de aprovação. Era alto, ruivo com bigodes grandes. Os cabelos vermelhos, quebradiços, eram atados com uma fita encardida à nuca. Deixando cair um pequeno e indiscreto rabinho atrás. Pegou-a nos braços e caminhou em direção ao quarto do casal. Parecia ter um bebê em mãos. Ela esperneava com regateirice. Sumiram pela porta adentro em plenos chamegos nupciais...
Poucos minutos se passaram, antes do primeiro grito, que repetiria com maior intensidade. Tornando-se ininterrupto. O rumor de choro e pancada aumentou gradativamente. A porta abriu-se com violência. A criatura espoliada corria em minha direção, açoitada por um enorme chicote de couro cru, com o qual se domam os cavalos chucros na região. Desesperado, também fugi. Tranquei-me na sala, procurando refúgio. Ela perseguia-me, implorando:
— Socorro! Socorro! Ele vai matar-me...
— Por favor, ajude-me!
O agressor esmurrava a porta cruelmente, que logo cederia a tamanha fúria. Com os olhos esbugalhados pela cólera, jogou-a sobre a poltrona. Com o pé direito pressionava a garganta da vítima, enquanto castigava o corpo indefeso com o rústico relho.
Eu, trêmulo no canto, espremido entre a porta e a parede, gostaria de sumir a presenciar tamanho horror. Procurando apoio para sair, correr, gritar, chorar, minha mão tocou em algo estranho... Pesado... Duro! Meu corpo gelado suava em convulsões contínuas. Ainda tentei reagir...
Um corpo inerte rolou por terra. Tombou diante daquele calvário de súplica ali agonizante. Houve um ruído surdo a seguir um silêncio profundo e mortal... Ela encarava-me com um olhar interrogativo. As roupas em trapo deixavam transparecer o corpo seminu, com marcas e escoriações profundas. Levariam um bom tempo para cicatrizar as chagas. Sentindo calafrios intensos as minhas pernas bambeavam traindo o equilíbrio. Envergonhado, chorei. As forças pareciam abandonar-me. Ela abraçou-me, ainda soluçando, e pegou da minha mão a velha peça decorativa: um machado enferrujado coberto de sangue.
Para a polícia local houve um assalto. Ele foi assassinado ao reagir quando os assaltantes tentaram estuprar a bela esposa. Fui condenado a residir no sítio maquiavélico. Desfruto da possante caminhonete. Atormentado pelas dúvidas, o futuro é incerto. A minha sentença é catalogar as próprias conclusões:
— Para onde e por quê partiu sem a vontade do marido??
Ela o traía. Havia observado, lá na praia, os encontros fortuitos. Fatalmente terei o mesmo tratamento, assim que conseguir superar o trágico fim do casamento. Até lá apresento a pose de:
— Indomável, campeão!
É assim que rosna roucamente, a esfomeada gata ruiva em minha cama.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui