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Contos-->MI MENOR EM SUSTENIDO -- 01/02/2005 - 20:17 (Luis Gonçalves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MI MENOR EM SUSTENIDO

Luís Gonçalves
Sexta-feira é uma dessas bioquices que só encontra guarida no pretexto único da palavra. Porque no sentido ordeiro da conjunção: sexta-feira é dia de macho e ponto final. Infelizmente não há sotaque ou palavreado, por mais genuíno que seja, capaz de interpretar uma boa sexta-feira vestindo um dia propriamente dito comum. Até provar, que: pernas de mesas não têm varizes; esbanja a farra e a vadiagem rola solta. Tanto é que sexta-feira, para a minha distinta pessoa, sempre foi sinônimo de folia e prazer.
Posso dizer que sou, com vantagem e sobra, um sujeito forrado de coragem de gogó a mocotó; que não dispenso a folia de uma boa sexta-feira desde que me entendo por gente. E digo mais: do buraco que saí, outro não sai igual. Asseguro, com veemência, que quem fez jogou a fôrma fora. De minha parte, não se tem notícia de outro parecido. Não digo de boca cheia, somente para não suscitar a ira divina e não justificar a desfeita erguida contra alguém inocente. Mas não emendo; sou homem para falar da largura do beiço sem medir o peso da palavra. Macho do meu quilate encontra-se em extinção.
Nasci numa região onde ser homem não faz muita diferença. É preciso ser taludo e polido de destreza. Lá um macho é macho e é valorizado em cada centímetro de coragem e bravura. Não é atoa que conquistei com exímio ganho de causa, a minha pérola de água doce. Mulher completa, com mais de um metro e oitenta de altura. Pele negra e saudável, cobreada do feitio da canela torrada no açúcar quente. Sempre espalhando na brisa um cheiro adocicado da viva flor de laranjeira. Dito e feito: para um grande homem uma bela mulher.
Confesso, a bem da verdade, que sempre padeci de uma coqueluche besta no peito por esse tipo de fêmea. Bem, sei que: tamanho não é documento. Mas quanto maior o boi, melhor o tombo e maior o prazer. E para quem nutri a ciência de apreciar uma boa fruta madura, sabe perfeitamente que não basta somente o sabor e o aroma sugestivo — a polpa tem que ser farta. Não sou nenhum cachorro vira lata sem dono, para viver lambendo osso pelado. Quanto maior a abundância de carne e a consistência da fibra, melhor serão os dias de fartura e sustância.
Foi justamente o que pensei quando descobri que a rapariga gostava de cutucar o rosto em busca de cravo. Alonguei o pescoço, do feitio da ema em disparada no cerrado e tratei de exibir a fuça repleta de cravos implorando para serem cutucados. Vi os olhos da sujeita relampear igual raio perdido em tempestade de verão. Comprimia a mão num formigamento desproporcional que as pontas das unhas zuniam uma nas outras em tara descomunal de: unhar, coçar e espremer. Tamanho era o desejo de beliscar os cravos salientes do meu rosto, com as pontas dos dedos já bem treinados naquele ofício de horas vagas. Detalhes que só um homem bem experimentado na arte do bom cafuné sabe valorizar e com todo respeito gozar da boa graça. Dádivas de poucos e deleites de outro tanto de privilegiados. Pois não sou um homem de sorte?
Eu cá, montado na tarimba de um bom macho sedutor, fazia questão de empinar a fuça ao ar e futricar as mãos levemente nos cravos, despretensioso, feito gavião em gorjeio de caça, ameaçando espremê-los. Bastava o jeito descabido de minha parte para levar a sirigaita a uma banheira imensa de agonia de fêmea prenhez. Desandava o peito virtuoso no ritmo da respiração ofegante. Contei menos de meio minuto e a bicha estava lá refestelando no meu costado do feitio de uma gata mimosa criada no colo de madame socialit.
Daí para um dedo e meio de prosa, foi um corisco e mais um tanto de soluço do tempo, para ouvir o pedido angustiado que soou no meu ouvido igual uma prece vindo de oratório franciscano: deixe espremer essa espinha! Negaceei o lombo com ligeiro pouco caso, zelando pela pretensão descabida de enroscar na pele sedosa da moçoila; feito matreiro de uma sucuri com fome. Atitude que fez a rapariga morder os lábios inferiores e sussurrar novamente o pedido, cuidando para ser mais incisiva e desmanchando um meloso jeitinho de fêmea atacada do mal da lua grande: deixe! Não vou machucar.
Não vi o momento exato que desmoronei do alto pedestal de macho reprodutor, transformando-me num cordeiro castrado, entregue ao engordadouro e dali para o abate. Deitei o vigor masculino de lado e entreguei a maciez de nuvens de algodão e um lacuteio de cânticos melodiosos soaram, igual as badaladas dos sinos da catedral, no meu escutador de novela. Vieram os ditos serafins embalar os sonhos com a santa pureza divinal. Sucinto, embarquei na orgia, dos delírios, dos ébrios poetas do lugar.
Escorreu ladeira abaixo a minha solteirice e com ela toda a canalhice de homem acalentado na marola de um bom jogo de saia bamboleante das damas noturnas. Quando dei fé, estava jorrando gemidos de touro sentido e soltando o bafo de leão na munheca delicada que futricava o meu rosto em busca dos cravos. Esse primeiro contato foi breve igual tara de moleque novo, mas o suficiente para que eu viesse a tomar conhecimento do peso da mão da sirigaita. Daí em diante, uma vez por semana sucedia o mesmo ritual e a minha pessoa saía de lá com o couro da fuça ardendo e vermelho igual um pimentão maduro. Fustigado pelos cutucões, não suportei três meses e meio, seguindo a estacionar os nossos destinos nas grades eternas do casamento.
Casamos numa quinta-feira de lua cheia. O rosto chegava estar pontiagudo, feito lombo de ouriço bravo. No momento do enlace matrimonial, vez por outra flagrava a sujeita a declinar cada olhadela apetitosa, de morder os lábios e franzir a testa — no meu focinho, que me elevava ao ápice supremo do homem mais feliz do mundo. A nossa lua de mel teve inicio entremeio a meia-noite e vi o dia clarear com a cabeça tombada nas belas pernas roliça, cafungando feito cavalo na redoma, no açoite curto dos cutucões em busca dos cravos encravados. Nesse dia perdi até uma verruga de estimação que foi confundida com os ditosos cravos.
Nota-se que o nosso relacionamento foi abençoado e ungido, desde o princípio, pelos abundantes cravos do meu rosto. E até dias de hoje, não há medicamento melhor para serenar os ânimos exaltados da minha pérola do que alguns cravos bem semeados no focinho reluzente. Quando quero exibir a autoridade, envio um olhar sisudo, escondo o rosto entre as mãos e dou às costas por desprezo. Isso basta para ver os olhos da sujeita murcharem e o soluço romper o peito: ora essa! Tá me estranhando, cafuçu? — cria caso se insisto em negar o rosto para os cutucões costumeiros. Nessas horas sustento as rédeas e firmo as regras à base da fartura de cravos. A bicha arreliada escamoteia e rebola feito minhoca na areia quente, mas não cuspe fora os desaforos e cumpre à risca meus desígnios. Ou fica sem cutucar os cravos. E isso é coisa que ela não sabe fazer. Verdade seja dita, de um tempo para cá, a rapariga anda arisca igual galinha poedeira quando deixa o ninho. Costuma dar nos nervos com essas ladainhas desafinadas das mulheres ladinas da televisão. Pressinto que é chegado a hora de eu tomar uma atitude de macho e podar à golpe de foice, bem amolada, o mal pela raiz.
No sítio, onde morávamos, não havia necessidade de chegar a esse ponto. Mas tudo mudou com a nossa vinda para a Capital. A vida tornou-se uma temeridade e buscou rumo ignorado. A sujeita ganhou tento, quando deparou com esses rapazolas mal-educados, espichados igual varas de bambu. Um povo atrevido igual animal no campo, que não dispensa respeito a ninguém. Andam de bando do feitio das garças em veraneio, retirando o sossego de quem não merece. Se não sou um sujeito de brio ficaria sem voz ativa perante a minha própria família. E tudo por conta da brincadeira besta desses rapazes malcriados. Pois não é: a mente vazia é a oficina do diabo; ganham o tempo gazeteando e atazanando a idéia dos outros com apelidos e chacotas.
Às vezes sinto-me refém da minha imagem. Imaginem que em plena sexta-feira, a última do horário de verão, estou enclausurado dentro da minha própria casa olhando de quando e vez pela janela. Acuado, feito onça, aguardo a roda de vagabundos da rua dissipar. Estragaria a minha noite por completo se decidisse colocar o focinho no portão com aquele conluio de malandros nas imediações. A rua inteira ouviria a zoada dos gritos: já vai né, baixinho! Vai aonde nanico?!
Não! Definitivamente, não doarei a eles essa folgança. Daqui a oito dias, bem contados, é o carnaval e não estragarei a minha folia com esses rebeldes desvairados. Baixinho é o seu salário, bandido! Penca de desocupados. Mas estejam certo, se eu tivesse pelo menos o tamanho da minha mulher, daria como presente, a todos, uma surra de urtiga. É o que falta, a eles, para aprenderem a respeitar um piquira macho em noite de sexta-feira.
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