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Contos-->ARROZ SEM SAL -- 01/02/2005 - 19:23 (Luis Gonçalves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Arroz sem Sal
Luís Gonçalves
Houve uma época (tempo bom, que ao longe vai!) que o mundo significava pouco, ou quase nada. Tudo não passava de matas repletas de caças e terras férteis para o plantio. O cultivo do solo, suado pelo sereno vadio da calada da noite, era o único referencial majoritário do poder aquisitivo de cada região. As famílias numerosas largavam na frente com maior volume de trabalho. O homem e a mulher aprendiam, ainda na aurora da vida, o valor da produção e reprodução da espécie humana. Dependiam do talento e disposição dos anciões e chefes de família. Quase sempre uma mulher; os machos viviam expostos aos perigos e sucumbiam a mercê da sorte. As fêmeas desenvolviam técnicas eficazes de sobrevivência e sobressaíam, desafiando o tempo com a idade. Era maior o número de mulheres idosas sem o legítimo esposo, arcando com a responsabilidade de preparar os filhos, netos e bisnetos para a vida. A boa formação educacional era restrita ao aprendizado básico do trabalho voluntarioso. O decente manejo de uma ferramenta afiada; valorizando os detalhes de uma boa plantação. Nada mais natural do que um corpo curado ao relento do sol escaldante. O adestramento psicológico não passava da simples ciência de sobrevivência no mundo hostil e precário. O que plantavam, colhiam e a vida só era sacrificada para sustento próprio. O sagrado direito a fartura. Comer e viver eram os prazeres maiores. Sábio era o homem ou a mulher que conseguia armazenar o maior número de recursos e informações naturais possíveis. Tornavam-se líderes natos e ordeiros devotos da terra; amantes da natureza e retiravam dela com sapiência a saúde e a bela ceifa para colocar em prol do povo carente. Formavam um pelotão de executivos astutos que utilizavam a sabedoria dos antepassados para fazerem prosperar os liderados. Ser patriota era nutrir a astúcia de zelar pela vida humana. Aguar de mansinho uma criança com carinho e proteção. A família era o esteio mestre da comunidade e a ela era dedicada boa parte do predicado benfazejo. O soluço amargurado de uma alma atormentada trazia transtornos para todos. Tudo não passava de sentimentalismo humano. A nação se resumia numa roda em volta da gigante mesa de jantar espalhada no generoso terreiro, onde todos eram da mesma raça, mantinham os mesmo interesse e não desejavam nada além de vida, força, saúde e felicidade. Nada que uma boa roça, de: feijão, arroz, mandioca e milho; não pudesse resolver. A felicidade se alastrava no solo fértil, adubado com respeito e consideração, e seguia doando alegria aos cachos; igual arroz na vargem, bastava semear com carinho e delicadeza. A terra é generosa com quem respeita os limite de cada centímetro de chão cultivado. O seguir contínuo do humilde servo lavrador para uma roça farta é semelhante o golfar inocente de uma criança feliz no primeiro dia de aula. Carrega no rosto, o açoite da curiosidade. O olhar oculto povoa o desconhecido travando uma guerra mútua com o inusitado, tornando-se elemento principal de todo o enigma do porvir. O fôlego cavalga a galope curto, na garupa da boa esperança, perseguido pela angústia da dúvida; seguindo lentamente de encontro ao óbvio: a árdua rotina da vida. Do feitio de um mutilar lamentoso do solo solícito, golpeado pelo gotejar voluntarioso da chuva ruidosa do final de verão. Lágrimas imprevisíveis do senhor do tempo. Um jardineiro extravagante e intempestivo. Às vezes a chuva parece um chicote a surrar a terra rebelde. É a punição pela falta cometida e o castigo da cheia é a lembrança para não voltar a errar. Passado a ira repentina vem a bonança. Os pingos escorregam tão suaves das nuvens que parecem acariciar as feridas dos doentes. A floresta feliz se veste com novas folhas e o Cerrado ganha mais vida com as flores. O homem e a mulher se entregam aos apelos do coração. É a rotina do amor. A vida não passa de um sinuoso caminho da roça. Um caminho batido pelas solas das botinas de couro cru; que farfalha um rumor estrepitoso saudando o maestro campeiro. São belos os tons executados por esses vernáculos roceiros de um poeta madrugador. Um ritual pitoresco ovacionado pelo rapsodo do sertão. Concerto que todos os dias rompe em ecos pela fresta dos capins rasteiros escaldados pelo sereno da noite úmida. Um cabedal de disposição que ignora a benzedura dos ramos úmidos que aos poucos vão ensopando as roupas e o corpo do passante matutino com a água benta do tempo trazida pelo gentil orvalho da madrugada. Passos firmes que galgam com destreza o novo amanhecer, deixam atrás, as marcas da brusca passagem na capoeira rumo a clareira da plantação; que aguarda no fim do mato, na curva do riacho; entremeio as curvaras chamuscadas e pintadas de preto e cinzas com as novidades das sementes prestes há germinar. Um quadrado preparado, que acumula alguns redondos, geralmente zela pela bela expectativa. A roça, apesar de ser disputada, é uma folha de papel em branco: uma flâmula de esperança desfraldada numa esquina do capão do mato; ao lado de uma baixada onde o pequeno curso de água faz a curva desviando das pedras. A noite pertence aos bichos que vagam na escuridão; durante o dia ganha a ilustração humana que lavra a terra com disposição juvenil. É a sala de aula dos idosos, que pacientes ensinam os novatos a plantarem e a colherem. Os sábios fazem a leitura do chão e contam os bichos que por ali passaram. E todos admiram a beleza das plantas que brotaram. Até as aves famintas cavam cada cova para conferirem a produção. É a sala de estar de quem vive na labuta do campo para viver. Olhando para o topo da serra, entremeio aquele vapor esbranquiçado que emana do suspiro da terra nas primeiras horas da manhã, era possível acreditar que acima daquelas manchas verdes escuras estava a morada secreta do fabuloso astro sol. Um ser possesso de luz que saía todos os dias de casa e partia a vistoriar o mundo com o olhar crítico e a saber como andava as roças, os bichos e as matas. Eram os olhos do senhor do universo. A vida era tão simples que ninguém se preocupava com a vadiagem do ilustre ser de luz que nunca voltava para a própria casa. Anoitecia na casa da lua. Era lá que ia se esconder dos olhos curiosos do mundo. A lua era a mulher, a companheira e a confidente do grande zelador. Às vezes acontecia de ser lua de um lado e sol de outro; mas nada tão irreal que os anciões não explicavam. Não havia mistérios a desvendar. Somente vidas a viver. Sonhos a sonhar. A realidade não passava de horas e minutos embaralhados nos segundos para preencher o tempo e realizar os projetos desejados. Tudo era tão pequeno que sonhar grande figurava uma utopia e ninguém queria se estressar com nada que não pudesse ser apertado contra o peito com um longo abraço. Nesse tempo era possível acreditar que o céu chorava e que o trovão era o ruído da ira dos deuses. O mundo era tão pequeno que correndo em linha reta qualquer um chegava ao fim em dois dias. E era por isso que ninguém aventurava a realizar essa estripulia. O mundo, embora pequeno, era bom e ninguém queria viver fora dessa magia um minuto sequer. Não havia motivo para correr e a vida se resumia numa marcha lenta sem fim. As redes de algodão cru, bem armadas de um esteio a outro e a generosa sombra de uma frondosa mangueira, era tudo o que um bom vivente poderia desejar. Nesse bordejo vadio o ranger do balanço, das redes, travavam duetos sonoros com o trinado faceiro dos pássaros cantores do sertão; embalados pela pachorra do lugar. Dois dedos e meio de prosa era a conta certa para remendar as horas vagas vendo o tempo maroto passar. O trepidar da enxada bem manuseada, coçando a terra fofa da lavoura, soava igual uma melodia clássica no ouvido apurado do gentil lavrador. (Caminhar entremeio a robusta plantação é um recreio cativante aos donos do plantio. As feiras livres deveriam levar os clientes a colherem o alimento no canteiro. É maravilhoso comer uma espiga de milho colhida pelas próprias mãos. O fruto é generosamente doado pela planta a quem necessita de alimento. A fruta recém colhida guarda o sabor da terra, de onde foi produzida. Cada pedaço de chão tem o próprio perfume. A terra não se mistura. Nem quando molha.) O segredo da terra é guardado a sete chaves pelo deus da colheita. Só ele sabe e conhece a terra da fartura. Conta-se à lenda que o homem e a mulher fizeram amizade com a terra: juraram zelar da terra, em troca a terra produziria o alimento de cada dia. Mas teve alguém que resolveu furar um poço gigante e na falta de água potável continuou perfurando até o centro da terra e assim furou o coração da terra. A terra ficou doente. É por isso que ás vezes a terra treme, parece que vai morrer. Tosse, vomita, espirra... O homem e a mulher não comunicam mais com a terra porque perderam o fio da meada. Houve uma grande ventania que espalhou todas as sementes pelo mundo misturando as boas com as ruins. É por isso que as safras não são tão boas como antigamente e é preciso muito sacrifício para colher. A terra ainda tem vida, ela só está doente. Um sábio curandeiro, resolveu curar a terra e saiu pelo mundo procurando o mal da terra. Após caminhar sete dias com intuito de curar a terra ele descobriu que a terra estava afogada num imenso mar de água. Quando voltou, contou que até o céu vinha buscar água na terra através de um colorido arco-íris para regar outras plantações além do horizonte. Explicou que devido a grande quantidade de plantação o imenso céu trabalhava até durante a noite e as estrelas mostravam os tortuosos caminhos das águas. Todos ficaram tão maravilhados com o que ouviram que esqueceram de curar a terra. Foi assim que esqueceram o dialeto da terra. Do outro lado da vida existe um lugar que se chama: o paraíso. É lá que o grande Pai guarda todos os amigos da terra. Um dia foi enviado um anjo para avisar ao mundo o que era preciso para ser um amigo da terra e morar no paraíso. Mas o anjo perdeu o caminho e foi parar no outro mundo. Dizem que ele foi seduzido pelo cheiro de um fruto doce e saiu a procurá-lo. Distraído, pisou na borda do barranco e caiu no infinito abismo que separa o mundo em dois. Revoltado, criou uma enorme fogueira para incendiar a terra. Então o grande Pai mandou o vento ficar balançando todas as árvores do mundo para refrescar o calor. É por isso que ninguém vai até o fim do mundo, lá é o inferno. Mas sempre existiu uma advertência dos antigos que diziam: o inferno é aqui mesmo; aqui se faz, aqui se paga. De repente foram surgindo novas pessoas que usavam adornos que ninguém conhecia e afirmavam que todo mundo havia de usar; os sábios disseram que eles não eram desse mundo, mas ninguém acreditou. Eles comeram e beberam tudo que acharam pela frente até a terra se esvaziar. O velho mundo tornou-se uma enorme lata de lixo sem tampa. Houve necessidade de se buscar novos lugares para se viver. Os sobreviventes ficaram refém da terrível escassez de alimento e os valores foram acrescidos de cifras que só eles entendem. Travou-se uma guerra de imoralidade e a multidão se escoiceia para fugir do aperto da miséria constante. Na atual circunstância, o homem e a mulher perambulam a esmo: em busca de paz na terra prometida; da inocência perdida e da vã esperança de um dia reatar os vínculos de amizade com a mãe terra. Cansada, a terra perdeu a generosidade e anda ignorando a fome dos filhos. Para continuar vivendo o homem e a mulher, passaram a ignorar todos os conceitos que o tempo cedeu, como herança, a mãe natureza. O ser humano é órfão no mundo que um dia lhe pertenceu. E a cada novo dia segue distanciando da primórdia essência. A virtude da terra está esquecida na moderna consciência humana. Nas estatísticas, o homem e a mulher aparecem como o maior predador. E aos poucos o cerco vai se afunilando e a vida humana ganha ares dos campos de batalha: a natureza contra-ataca com males e epidemias e o homem e a mulher se defendem com uma boa dose de poluição visando o fim da agonia do grande planeta azul...
De repente: não basta ser humano, tem que se destacar. Produzir e vencer para sobreviver. Ter dinheiro para gastar. Comida para comer. Não basta manter a vida, tem que saber viver. Roupas para vestir calçado para calçar.
Não basta ser humano, é preciso valores e renda. Nome e renome, que cresça e apareça. Porque ninguém vive só de pão, é preciso o caviar. Vinhos para beber, música para bailar. Não basta ser visto é preciso ser lembrado.
Não basta ser humano, tem que participar. Manter o contraste entre o rico e o pobre; o feio e o belo. Detalhes e coincidências que desaparecem no apagar da luz do salão. Deslizam nos ralos agarrados aos resíduos do sabão. Mas permanecem deslumbrantes nas colunas sociais. São famas, fotos e fantasias de quem ainda pode sonhar.
De repente, não basta ser humano! É preciso dignidade para conseguir gritar ao mundo: já fui pilantra o suficiente; atualmente prefiro matar o tempo zelando da vida bandida que levo e esquecer o resto.
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