Usina de Letras
Usina de Letras
295 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62174 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50578)

Humor (20028)

Infantil (5424)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6183)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->NA PROFUNDEZA DO NADA -- 06/01/2005 - 01:11 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
NA PROFUNDEZA DO NADA
“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”
Mateus 11-15


Ao ler a última página, fecho finalmente o livro. É um tratado sobre solidão. Bebo um copo d’água e deito na rede, no terraço em “U”. Já madrugada se faz, o sono me toma e exausto fiquei. O cão fiel olha-me com olhos lânguidos sob a fraca luz do teto. Tento alcançar um par dos chinelos sem olhar o chão, bancando o adivinho tateador. A emissora de rádio se liga automaticamente e o locutor, sem voz emotiva, proclama a hora. Ouço-o mas não me dou conta. Sei pela noite engolindo o silêncio e pelo aquietamento dos pássaros, que passa das duas da manhã. Não sei se tarde demais ou ainda. As imagens difusas nas frondosas folhas de helicônia, vão me transportando vagarosamente para o ano anterior, na noite final do ano. O traje negro tudo tinha a ver. O cabelo revolto bem escovado, emoldurava a bela tirania do teu corpo. Tudo levava a crer que manterias tua imagem irrequieta, inquietante, travessa e nem tão efêmera. Extraí o áudio da tomada, “fade-in”, sem dizer palavra, menor que fosse, mas o beijo chegara tão depressa, envolto em desilusão. Felicidade deverá ter sido isso mesmo.
Uma noite de final de ano bissexto, do calendário gregoriano no subúrbio. Nem me dera conta que partias, sem prévio anúncio, um prato feito de medo à minuta. Sem áudio, criatura, fica melhor, né mesmo? Rodopio essa câmera imaginária, closes a valer, depois um certo plano americano ideal, quando todos me olham bobo, trespassado de amor regado a um uísque ordinário, única opção de final de noite, de quase início de outro ano em que raspas o prato de comida. Foi tudo tão rápido, que, acostumada a essa virulência, fingias não saber de nada, quando retornei do ano velho, cheirando a bacalhau em casa dum amigo antigo. O que era um “sim”, tinha um sabor de “não” e vice-versa. Há muito já te deixaras envolvida por mais um pontual cansaço, uma certa desconfiança. Não me atrevi, de minha parte, a dourar o flashback de cores inéditas. Estava tudo ali, chapado, ao gosto cenográfico da dúvida, do temor tirânico. Poderia ter sido mais simples, mais simplista. Dois adolescentes que se fingem de adultos, durante a passagem do mau-tempo. A tirania do corpo, a autocracia da alma. Nunca fomos tanto nós dois. Perguntei-me algumas vezes, se acolhi o amor com seus inconseqüentes ditames e tapumes. Ou foi o festival de tesão que intumescera meu corpo falido, minha mente de algodão? Nada sei por enquanto, sobre teu corpo, senão que o tiranizas para ti mesma e o colocas na bandeja de prata em louvor de Eros. Outras más línguas sussurrarão entre si, ele é velho demais para ela, ela é longe demais para seus caprichos de macho. Não, não quero que me imagines bebendo essa cicuta gloriosa, de final de tarde. Estou muito consciente dessa limitação, dessa apologia sensual que me conferiste. Deixo-te com teus disfarces, tua inquietação e tua angústia barata. Deixo-me ao redor dos meus treze mil medos, acorrentado apenas ao presente. Se o amor nos encontrar na próxima esquina, vamos fingir que estamos mortos, insoterráveis. Façamos de conta que sempre nos vimos com outras máscaras de um teatro sem proscênio, em um peça de um só ato. Na dúvida, se em algum instante solene do teu dia, sentires falta de meu apoio recusável, finjas que não ocorreu nada, em sua mais rasa profundeza.

CAMARAGIBE, PE janeiro 2005 copyright by WALTER SILVA

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui