SOBRE PERNAS
Por Elias dos Santos Silva
Sempre que vejo as pessoas andando nas ruas, apressadas ou vagarosas, em busca de sonhos, esperanças e projetos de vida diversos, alguns inconfessáveis, outros previstos no Código Penal, outros ainda programados pela TV, fico pensando que seu meio de transporte natural – as pernas – nem sempre recebe a devida atenção. Talvez porque as pernas, para cabeças nas quais pululam cifras, lista de compras, compromissos, maledicência ou apenas um grande e insondável vazio, sejam apenas ossos revestidos de músculos e pele, destinadas a levarem seu proprietário às estalagens nas quais se compram ou vendem pedaços da consciência ou do coração.
Acho esse juízo aleatório e inconsciente demais, abstrato demais. Pernas são, segundo imagino, algo mais personalizado, mais social, mais gente...senão, vejamos:
Temos as pernas incoerentes dos bebês, que dão aos pequenos intrusos que choram de madrugada a oportunidade de expressarem seus pensamentos sem nexo ou mesmo suas necessidades concretas, somente traduzíveis às mães que se tornam, desse modo, automaticamente poliglotas quando do exercício da perpetuação da espécie.
Temos as pernas ricas (ou milionárias), seguradas por milhões de dólares, que se constituem no ganha-pão (mais correto seria dizer ganha-caviar, mas deixemos de lado tais preciosismos) de certas dançarinas, atletas ou mesmo astros da música que, em um compreensível apego aos seus artelhos, fêmures, tendões e outros bichos que compõem o algebrismo anatômico, garantem sua velhice com ou sem a presença de pernas.
Temos as pernas fortes dos retirantes nordestinos, etíopes, somalianos ou de qualquer outra latitude, que fogem da seca, da fome ou, mais freqüentemente, de outros homens cujas pernas os conduzem na busca e na colocação de pedras e mais pedras no altar da estupidez, no qual se imolam as vítimas da ferocidade humana (?).
Temos as pernas recatadas, castas, religiosas, que se juntam nos bancos das igrejas, tal como as mãos, em um silencioso pedido de perdão pelos poucos pecados cometidos. Amém.
Temos as pernas desinibidas, que se mostram inteiras, curvilíneas, comerciais, nas noites que ocultam e cingem em seu negro regaço os inferninhos da cidade grande.
Temos as pernas felizes, que correm atrás da bola no recreio da escola primária ou, ao contrário, as pernas que se quedam inertes, inócuas e imobilizadas pela incapacidade da medicina de levar a cura a todas as mazelas humanas.
Temos, enfim, pernas para todos os gostos e paladares (É só chegar e escolher a sua, freguesia!), para todos os ambientes e níveis de renda. Inclusive para o meu.
Gosto, sobretudo, das belas pernas femininas, que se cruzam e entrecruzam em um sutil e ancestral processo de sedução. Das pernas solteiras que buscam a liberdade das mini e micro-saias pós-Wight ou das pernas divorciadas que voltam à cena após um período de ostracismo. Gosto também, em off obviamente, das fugazes e esquivas pernas casadas, que hesitam em serem exibidas em sua magnífica e total plenitude. Epa! Pernas casadas? Pernas pra que te quero...
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