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Contos-->ENCONTROS...E DESENCONTROS -- 03/01/2005 - 13:32 (Elias dos Santos Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ENCONTROS...E DESENCONTROS

O rapaz sentado na mureta em volta do canteiro de flores da praça parecia ansioso. Balançava nervosamente o pé esquerdo, que descansava sobre o joelho direito, enquanto olhava de um lado para outro, preocupado, fixando sua atenção nas mulheres jovens que vinham em sua direção, mostrando-se, ato contínuo, desiludido quando elas seguiam em frente, muitas sem sequer desviar o olhar para o jovem moreno-claro, de olhos e cabelos negros, vestido de jeans e uma camiseta azul na qual se lia, em letras brancas, a palavra freedom.
Já estava sentado ali há pelo menos 20 minutos e consultava o relógio com impaciência crescente. Mudava alternadamente de posição, ora cruzando e descruzando as pernas compridas, ora batendo levemente com os pés nos paralelepípedos de pedra cinzenta que cobriam o chão da praça.
Foi então que viu a moça magra, de estatura mediana, que atravessava a rua e caminhava diretamente para onde ele estava. Suspendeu a respiração. Era linda. Talvez vinte anos de idade, cabelos compridos, negros, olhos algo entre o verde e o castanho, emoldurando um rosto redondo, deliciosamente harmônico. A calça pantalona preta e a blusa leve realçavam o corpo de formas esculturais da garota, que atraiu sobre si os olhares de praticamente todos os homens que estavam ou passavam por ali.
André, o rapaz, chegou a esboçar um sorriso de boas-vindas, que logo transmudou-se em desilusão quando a moça passou diretamente por ele, seguindo em outra direção.
- Mais um alarme falso. Pensou o já irritado André, indagando com seus botões se não era melhor ir embora e mandar ao diabo aquela tratante da AndréaMSN, que marcara um encontro com ele, após dois meses de bate-papo na Internet.
A curiosidade em conhecer a interlocutora, contudo, foi mais forte que sua impaciência.
O rapaz chegou a sorrir ao lembrar que AndréaMSN sempre dizia que não importava quando seria possível conhecerem-se pessoalmente, pois o relacionamento deles já estava definitivamente encaminhado. Eram almas gêmeas, duas metades de um mesmo fruto, um casal espiritual, dizia ela.
André, realmente, não conseguia imaginar que outra garota pudesse ser tão versátil e, ao mesmo tempo, tão divertida e espirituosa quanto AndréaMSN. Afinal, quantas moças, virtuais ou não, se lembrariam de escrever um poema sobre o crescimento das pedras e, ainda, intitulá-lo de “Para o alto e avante”?
Rememorou as confidências trocadas entre ambos:
- Quero uma mulher capaz de ser totalmente minha na cama, na mesa, no banho, no sofá e em quanto outros lugares for possível fazer amor, dissera ele em uma das muitas mensagens picantes que costumavam trocar. Na Net era sempre um cara seguro, ousado, bem diferente da postura retraída e tímida que apresentava nos contatos reais com mulheres, especialmente aquelas que pareciam saber o que querer dos homens, da vida, de tudo.
AndréaMSN, com seu jeito brincalhão, mantinha o clima sempre quente:
- Embora você tenha um ideal de mulher que mais parece liquidação de saldão, acho que, se fizer yoga, poderei corresponder aos seus desejos (rs). Pelo menos um de cada vez ou em cada parte da casa, se preferir.
Combinavam em tantas coisas que não tinham dificuldades para se entender, mesmo com meias palavras. Falavam de trabalho, família, sonhos, esperanças, culinária e terrorismo, sexo e amor, como se estivessem juntos há tanto tempo que dispensassem qualquer formalidade ou cerimônia.
André explicara à moça suas dificuldades em arrumar estágio no último ano do Curso de Administração, do aprendizado de guitarra que fazia e até dos problemas mecânicos do seu Fusca 78 “com rodas esportivas e alarme”.
AndréaMSN também fôra a primeira pessoa a quem André contara sobre as circunstâncias da morte de seu irmão caçula, ocorrida há dois anos e causada por uma overdose de drogas. Contou, ainda, que falhara sexualmente uma vez com uma ex-namorada.
Disse a AndréaMSN o quanto ficara magoado ao descobrir que o casamento dos pais dera em nada, quando ainda era um adolescente; da dificuldade em aceitar que sua mãe tivesse outros homens, alguns dos quais iam passar a noite em casa, às vezes bêbados, às vezes tão idiotas que talvez fosse melhor que estivessem, também, bêbados. Pelo menos não conseguiriam articular tanta bobagem.
Sem ser vulgar, podia falar a ela sobre aspectos de sua intimidade que não teria coragem de referir a mais ninguém. AndréaMSN era não apenas compreensiva, mas também afetuosa, reflexiva, além de manifestar um sentimento de confiança mútua em relação a André.
Assim, a moça contou-lhe que fora abusada sexualmente ainda na infância por um tio e que odiava homens ousados, que usavam as mãos como um instrumento de prospecção da anatomia feminina. Também não suportava caras arrogantes, com propensão a monopolizarem a verdade e a razão. Falava de seu emprego como executiva de uma grande empresa local, das viagens que já fizera à Europa e dos idiomas nos quais tinha fluência, embora sempre se recusasse a teclar em inglês ou espanhol, línguas que André também arranhava razoavelmente. AndréaMSN era proprietária, segundo informou, toda orgulhosa, de um Vectra 2003 e adorava passar os finais de semana na chácara que possuía às margens do Rio Aquidauana. Jovem, magra e bonita, não tinha, segundo explicava, maliciosa, ninguém a esperá-la em sua cama.
André foi, ainda, o único homem a quem AndréaMSN contou, na última mensagem que trocaram, ter transado com o namorado de uma colega de faculdade que tinha sido Miss Campo Grande:
- Acho que eu queria provar que era tão gostosa como ela, sei lá. Ver aquele ar de candura artificial e bom-mocismo explícito que ela ostentava mexia com minha vaidade. E o pior é que foi uma transa desagradável, insípida. Nunca mais tive coragem de olhar o cara.
- Por que temos sempre necessidade de ficar provando coisas pros outros e pra gente mesmo? Acho que não é da natureza humana permitir que fiquemos satisfeitos com nossas grandezas e misérias. Que pena! Iria sobrar mais tempo pra correr atrás do que realmente interessa na vida, respondera o rapaz.
AndréaMSN demorara um pouco para teclar e, quando o fez, formulou uma indagação provocativa:
- Você diz coisas legais às vezes, tristes noutras e, também, incomuns. Fico pensando se as diria, da mesma forma, pessoalmente...
- Por que não descobre por si mesma (rs)?
- Sério?
- Claro que sim. Podíamos nos encontrar e (re)descobrir uma porção de coisas sobre nós. E se você for de lingerie preta, poderemos descobrir, literalmente, mais ainda (rs).
- Engraçadinho. Com exceção da tal lingerie, gostei da idéia, isto é, se você não estiver curtindo onda comigo...
- É lógico que estou falando sério. Que tal terça-feira, às 4?
- Terça não dá, tenho que trabalhar. Mas, no sábado, tudo bem.
- 4 horas?
- Pode ser.
- Onde?
- Poderia ser na Praça Ari Coelho?
- Combinado. Não vá faltar, hem?
Relembrando tudo isso, André não se conformava com a idéia de que ela tivesse pisado na bola com tamanha desfaçatez. Não, AndréaMSN não era assim. Era uma garota verdadeira, lúcida, que não agiria tão levianamente.
E ela viria, com certeza.

***

A jovem sentada a poucos metros de André passou a olhá-lo com mais atenção. Não lhe escapara que o rapaz parecia aguardar alguém ansiosamente e que demonstrava impaciência crescente. Também constatou que, entretido em olhar para outro lado, o rapaz não percebera sua chegada, alguns minutos antes.
Disposta a descobrir se estava certa em suas suposições, aproximou-se e, timidamente, indagou:
- Desculpe a pergunta, mas você está esperando alguém?
André voltou-se para ela, surpreso, levantando-se rapidamente.
- Bem, se você for uma certa moça do chat... Disse, sorrindo.
Gostara imediatamente do ar simples e singelo da moça, de seu jeito despojado de se vestir, dos cabelos castanhos e dos olhos doces. Os lábios estavam pincelados de um batom suave, única maquiagem que, apesar disso ou talvez por isso mesmo, realçava o ar meigo e fresco do rosto da moça.
Ela sorriu, então, receptiva, ao passo que André, estendendo a mão, apertou levemente a palma e os dedos delicados da garota, ao mesmo tempo em que se inclinava para dar e receber os três beijinhos do estilo.
- Pensei que iria me dar um tremendo bolo. Mas, agora que você chegou, acho que a espera valeu a pena, disse, sorrindo, o rapaz.
A jovem também sorriu, afirmando:
- Eu já estava aqui há bastante tempo, mas não tinha certeza se devia abordá-lo, pois não sabia quem era realmente você.
Os dois tornaram a sentar na mureta, olhando, meio sorridentes, meio encabulados, um para o outro. Então, num lapso extremamente breve de tempo, sorriram com naturalidade, contentes de estarem se conhecendo e, principalmente, de corresponderem às respectivas expectativas.
- Que bom que...
Ambos falaram ao mesmo tempo, interrompendo-se em seguida. Dessa vez, o riso foi ainda mais espontâneo, brincalhão.
- Diga, disse André.
- Não, fale você, insistiu docemente a moça.
- Nossa, quando você disse que era bonita não estava brincando, galanteou o rapaz.
- Obrigada. Você também não exagerou quando falou que era tão simpático.
Vencidos os primeiros momentos, hesitantes, de uma conversa entre duas pessoas que acabaram de se conhecer pessoalmente, ambos passaram a falar de si, do outro, da felicidade de terem travado um contato tão humano por intermédio de algo impessoal como a Internet.
Falaram também sobre amor, carinho, vida a dois e, sem perceber, deram-se as mãos, olhando-se nos olhos e revendo-se, um na face do outro, como partes de um todo homogêneo, harmônico, que finalmente se completava após uma longa separação.
- Que tal a gente sentar naquele banco ali adiante, perguntou André.
A moça acedeu e ambos sentaram-se bem próximos, instalados de maneira mais confortável, felizes com a proximidade. Sem se dar conta, André passou o braço por trás da nuca da garota, que, serenamente, inclinou a cabeça no ombro do rapaz, enquanto falavam, falavam sempre, confidentemente, contentes de transformar mensagens virtuais em rostos, pessoas, sentimentos, atração.
As horas passaram, a noite chegou e a moça falava de coisas tão suas, tão pessoais, que era como se desnudasse sua alma ao rapaz, sem temores ou receios. Então, no meio de uma frase, André a beijou lenta e suavemente, conhecendo, sentindo. A moça correspondeu, o desejo irrompeu entre ambos, tornando-se intenso, avassalador.
Respirando ofegante, André perguntou, com a voz entrecortada:
- E então? Você está de lingerie preta?
Surpresa e ruborizada, algo envergonhada, a moça respondeu que sim.
- Como descobriu? Perguntou ela.
- Talvez porque eu saiba tudo que tenha de saber sobre você, respondeu André, tornando a beijá-la, caloroso.
Logo, aconteceu o que tinha de acontecer. A cama de um motel simples e aconchegante sedimentou o início de uma paixão que começava de modo inverso em relação às outras, mas, talvez por isso mesmo, mais verdadeira, mais profunda.
O sexo foi ardoroso, mas também meigo, de quem quer agradar, mais do que apenas satisfazer-se. Línguas, suspiros e movimentos fundiram-se e criaram um momento breve, de doação absoluta, pleno de descobertas mútuas e de realização.
Depois de se amarem repetidas vezes e exaurirem os sentidos, saciando momentaneamente a fome sexual de um e outro, André lembrou-se de perguntar à moça:
- Tenho uma curiosidade em relação a você... Por que sempre usou o nick AndréaMSN se não utiliza o MSN para teclar?
A moça levantou a cabeça, surpreendida, e olhou para o rapaz deitado ao seu lado.
- AndréaMSN? Mas eu nunca usei esse nick. Sempre entro como Laura21.
André também soergueu sua cabeça, apoiando-se nos cotovelos.
- Quer dizer, então...
- Que nick você usa? Perguntou ela, sôfrega.
- André-só-love!
- André-só-love? Caraca! E eu pensando que você era o Romântico, com quem eu tinha marcado um encontro hoje à tarde, na praça, pra nos conhecermos! Exclamou, assustada, a moça.
Ambos ficaram se olhando, aturdidos. A enormidade do engano que haviam cometido e as implicações daí advindas fizeram-nos quedar mudos e confusos, perplexos com a rapidez e o equívoco do que ocorrera.
É certo que várias frases que trocaram logo após se conhecerem haviam soado estranhas tanto para um como para outro, mas, afinal, algumas lorotas são comuns no chat e não tem como esperar que a pessoa seja, pessoalmente, exatamente aquilo o que diz nas mensagens, pensaram. Além disso, e somente agora isso ocorria a ambos, eles não queriam, realmente, saber quem era quem, mas apenas desfrutar aquele momento mágico, único, que surgiu quando passaram a conversar.
A constatação plena dos próprios sentimentos e emoções fez com que André, com os olhos fitos na moça, sorrisse, hesitante. Seu sorriso, porém, ampliou-se ao ver que era imediata e plenamente correspondido pela garota.
- Quer saber de uma coisa? Perguntou ele.
- O que?
- Ainda bem que a gente se confundiu!
O abraço que a moça lhe deu, rindo, deliciada, fê-lo saber que ela concordava inteiramente com ele, abençoando o engano acontecido.

***

No momento em que André-só-love e Laura21 voltavam a fazer amor, em outra parte da cidade, uma mulher obesa, aparentando trinta e poucos anos, chegava em casa, furiosa.
- Então, conheceu seu príncipe virtual, minha cara AndréaMSN? Indagou, divertida e curiosa, a amiga com quem dividia a casa e o computador comprado em longuíssimas prestações.
- Que nada! Aquele furão nem deu as caras. Se bem que eu cheguei atrasada por causa do ônibus, mas fiquei esperando mais de uma hora e ninguém apareceu. Além de perder o dinheiro da passagem e ter saído mais cedo da casa da patroa sem pedir permissão, ainda tive que aturar, para cúmulo do azar, o papo de um casal que também havia se conhecido pela Internet e estava sentado próximo a mim.
A amiga tentou amenizar a situação, consoladora.
- Vai ver, ele teve algum problema e não conseguiu te avisar. Por que não marca outro encontro?
Ainda irritada com o ônibus, a espera vã e a situação como um todo, AndréaMSN vociferou:
- Quer saber do que mais? Não vou mais ficar perdendo tempo com essa bobagem de namoro virtual. Duvido que uma coisa dessas possa funcionar pra valer. Sem olho no olho, sem atração, não rola mesmo!
Ainda furiosa, saiu da sala disposta a tirar imediatamente a cinta que lhe apertava a barriga, tomar um banho e esquecer de vez sua cara-metade virtual.
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