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Contos-->A GAROTA DA RUA DAS ACÁCIAS -- 29/12/2004 - 15:48 (Luís André) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A MENINA DA RUA DAS ACÁCIAS
Quando nos mudamos para a Rua das Acácias trouxemos conosco a esperança de uma vida mais próspera e mais união entre nós. Até porque havíamos acabado de sair de uma fase terrível economicamente falando.
A Rua das Acácias é uma rua pouco movimentada de um subúrbio de classe média baixa. Aqui as pessoas se conhecem e não costumam tocar as campanhias umas outras, preferem gritar e se esgoelar chamando por quem deseja falar. Coisas de subúrbio. Os vizinhos são barulhentos e discutem por bobagens, como um vazamento no andar de cima, a pintura do bloco de apartamentos e coisas assim. Há também os que se intrigam por conta das músicas um do outro e porque o vizinho “A” ao invés de deixar o lixo na sua porta preferiu usar a lixeira do vizinho do bloco da frente.
Esta parte do bairro é constituída apenas de blocos de apartamentos, o que nos leva a ter uma enorme densidade demográfica por blocos de apartamentos. Se levarmos em consideração que cada bloco é constituído de 12 apartamentos e que em cada apartamento moram em média de quatro pessoas – tirando aí a minha vizinha do lado esquerdo que é uma anciã solitária e um outro camarada que parece ser gay – nada pessoal – (e estes moram sós) isso nos dá uma média de 48 pessoas por bloco. Se levarmos ainda em consideração que cada bloco é metade de uma quadra e que para fecharmos uma quadra teremos que ter 24 apartamentos, então esse número sobe para uma média de 96 pessoas, o que nos deixa em vantagem à muitas ruas de outros subúrbios. Mas o nosso curioso somatório não para por aí. A Rua das Acácias é compostas por exatos 120 apartamentos, o que nos leva a uma população aproximada de 480 pessoas. Isso é um número de deixar qualquer suburbano orgulhoso. Afinal de contas nós adoramos números grandes, né?
Morar num subúrbio tem suas vantagens. Por exemplo, quando você se dá bem com determinados vizinhos a sua vida pode ser até interessante. Eles parecem cuidar de você, guardam recados quando as pessoas te procuram e você não está, entregam suas correspondências, coisas desse tipo. Nós até que tivemos sorte com os nossos.
Mas foi nesse turbilhão de pessoas que habitam essa mini megalópole que nós fomos parar em frente a um apartamento um tanto quanto suspeito. Como é um subúrbio sem muita ordem arquitetônica há mais ou menos doze anos atrás as pessoas puseram-se a fazer reformas desordenadamente em seus apartamentos, transformando seus jardins em varandas e diminuindo assim os espaços entre os prédios, já que quem mora no primeiro andar aproveitou a reforma do térreo pra fazer a sua e assim sucessivamente. O apartamento que acabei de citar fica a menos de 6 metros do meu devido às reformas de ambos, de modo que se pode conversar tranqüilamente com os vizinhos da frente sem precisar gritar. A não ser, é claro, quando as crianças menores de dez anos estão brincando na rua e querem conversar com quem está dentro dos prédios e então gritam, ou quando os aborrecentes que vão entre os 13 e os 17 anos tentam contar seus segredos um pro outro, mas não conseguem sussurrar seus palavrões e suas exclamações exageradas ou suas novas gírias. O pior de tudo é quando eles tentam conversar sobre rock and roll ou ainda quando pensam que estão abafando ao falar de suas predileções musicais. Sinceramente bobagem por bobagem, eu prefiro os seus comentários sobre eles e as garotas que eles nunca comeram, sonham em comer e que nunca comerão.
Mas vamos ao que interessa. Vamos voltar ao apartamento em frente ao meu. Lá existiu uma família que deveria ter sido criada pelo ilustríssimo Nelson Rodrigues (caso você não saiba quem é Nelson Rodrigues pergunte a alguém que lê mais do que você). A família de João e Dona Fátima e seus dois filhos, Sandro e Carla.
Dona Fátima com uma aparência de quase sessenta anos, era uma mulher totalmente liberta da vaidade. Tão liberta que quem a visse de costas ou de longe pensava ser um homem. Os seus cabelos grisalhos cortados um pouco acima da nuca em ondas grandes escondiam-lhe totalmente a feminilidade juntamente com os seus aproximadamente vinte quilos de seios caídos sobre a enorme pança, que por sua vez, terminava onde começam as coxas de qualquer pessoa. Não tinha nenhum atrativo. Nada que pudesse estimular um homem a sentir o mínimo desejo por ela. Isto sem falar é claro, em sua cara fechada. De pouco sorriso e poucas palavras com a maioria dos vizinhos, dona Fátima era de longe uma das criaturas mais abomináveis que eu já conheci.
Já o João seu marido era o inverso dela. Pelo que eu ouvi falar ele não trabalhava vivia do dinheiro que Dona Fátima recebia de sua aposentadoria de secretária, devia ter quase cinqüenta anos. Mas tinha corpo e cara de quarenta e jeitão de trinta. Tinha um corpo atlético e apesar de ter uma barriga considerável eu não queria sentir um soco dele nem nos meus piores pesadelos, pois sei que amanheceria de cara inchada. Talvez pelo seu porte, seu jeito e ser possuidor da mulher que eu julgo ser um pesadelo para a maioria dos homens normais ele não se contentou em ter apenas ela. E nem ao menos uma outra. Segundo as más línguas (olha só quem fala) ele chagou a ter quatro amantes num só período. E pasmem, todas elas sabiam da existência umas das outras. E as coisas não param por aí. Toda a sua família – e isso inclui os filhos – sabiam da existência dessas mulheres que inclusive chamavam de tias. Que coisa!!!
Esses fatos só me foram revelados por uma vizinha nossa que se tornou muito próxima de nós, depois que eu minha mulher numa noite de sábado em que nossos filhos mais velhos foram para um show de rock.
Havíamos colocado o nosso filho caçula para dormir e por estarmos sós, programamos uma noite mais romântica. Compramos umas cervejas, colocamos o som na varanda e ficamos lá nos curtindo um pouco. Foi quando por volta das onze da noite vimos Dona Fátima sair de casa acompanhada de sua filha (Carla). Achamos que havia acontecido algo, como algum problema de saúde na família, mas como as duas saíram calmamente, descartamos essa possibilidade e deixamos tudo pra lá. Pouco tempo depois minha mulher foi pegar mais uma cerveja na geladeira e quando voltou, viu que havia uma outra mulher na casa de João. Como o nosso apartamento fica bem de frente ao deles, achamos aquilo tudo estranho, mas pensamos em se tratar de uma irmã dele. Até por que o seu filho mais novo (Sandro) estava em casa.
Mas irmãos não se abraçam tanto e não se beijam na boca. Quer dizer. Podem até se abraçar demais, dependendo se estejam sem se ver a muito tempo, ou até do grau de afinidade. Podem até se beijar na boca, mas pelo que sei é só um leve toque de lábios. Isso pode ser até comum. Não é nada demais... Mas beijo de língua... péra lá...
Sandro estava na maior parte do tempo na varanda, seu refúgio predileto. - Ele não saía de lá. Passava a maior parte dos dias por ali, fosse desenhando, brincando, lendo ou então andando de um lado para o outro, como um animal enjaulado. Fato esse que lhe rendeu o apelido de macaco enjaulado, pelos amigos com quem convivia de lá do alto de sua varanda. Ele quase nunca saía de casa. As poucas vezes que o vi sair de dentro de casa não duraram cerca de meia hora. Era uma regra imposta pela sua mãe e seu pai que diziam que “rua só dá problema”. – mas depois seu pai o mandou entrar pra dormir. Lá estava aquela mulher (que não pôs os pés na varanda) que após a luz do quarto do garoto se apagou, arrastou João para o outro quarto.
Ficamos estarrecidos. Eu e minha mulher nunca havíamos visto coisa dessas em nossas vidas. E olha que nós já vimos e ouvimos muitas coisas estranhas. No dia seguinte é que através dos amigos adolescentes de nossos filhos é que ficamos sabendo de coisas que nos deixaram chocados.
Soubemos que os garotos sabem de tudo sobre as amantes do pai. E Dona Fátima achava tudo natural, convivia muito bem com as amantes do marido, dava recados e ainda as recebia em casa como se fossem as mais solenes visitas. E ainda por cima achava graça quando elas brigavam entre si por causa dele. Mas esse comportamento pacifico demais parecia ser apenas uma aparência.
Sandro seu filho - tinha sinais visíveis de anormalidade mental. Tinha um comportamento agressivo, estranho, bizarro. Tinha hábitos escatológicos, como comer meleca e catarro naturalmente, sem falar do vício de cuspir nas pessoas que ficavam embaixo da varanda. De tempos em tempos ele pendurava um saco cheio de papéis velhos pendurado no teto da varanda e passava o dia batendo nele. Isso é completamente explicável por dois pontos: 1) ele precisava queimar toda a energia que acumulava por estar preso dentro de casa. 2) tudo o que ele via acontecer dentro de casa fazia com que ele fosse um garoto de comportamento violento e que aquele saco fosse uma representação simbólica de tudo de ruim em sua vida e que ele queria punir de alguma forma. – era quem mais sofria quando ela estava irritada. Certamente ela nem sempre tolerava as atitudes de João (O fato de ele passar dias sem aparecer em casa e quando aparecia chegava com roupas novas, dinheiro (detalhe importante: ele não trabalhava), e ainda lhe contava detalhes de suas performances sexuais com suas amantes enquanto ela ria de tudo com uma cara de débil mental.) certamente em algum momento lhe deviam causar algum aborrecimento e por Sandro ser quem era geralmente sentia o peso de sua mão.
Carla por sua vez era uma garota muito bonita. Morena com os cabelos negros caídos em ondas suaves por sobre os ombros e um sorriso largo com dentes miúdos. Era a imagem da inocência. Tinha um comportamento meigo e era o alvo dos ciúmes do pai que dizia a todos que não queria que a filha namorasse. Só depois que ela terminasse todos os estudos... Isso é coisa que se determine?
Em pleno século XXI isso não pode ser uma coisa determinada pelos pais. No máximo isso é algo que deve ser combinado com uma filha. Pois não se tem total controle das garotas hoje em dia. Elas vêem e ouvem muita coisa constantemente, estão em permanente ebulição sexual e falam de seus sentimentos conosco abertamente. Hoje em dia o máximo que podemos exigir delas é que namorem em casa. Tragam seus namorados para que nós conheçamos, que procurem garotos legais que as tratem bem e procurem não fazer uma coleção deles. Não se pode impedir que elas namorem... Elas estudam, passam no mínimo quatro horas fora de casa, longe de nossas vistas e sabe lá Deus o que elas podem fazer na escola...
E foi assim que Carla agiu. Ela burlou as regras impostas pelo pai. Não só teve um namorado, mas alguns e certa vez isso veio à tona fazendo da garota a sua maior vítima. Mas isso tudo teve uma culpada, a sua mãe.
Dona Fátima era o tipo de mulher que achava que sua filha era uma santa e condenava toda e qualquer atitude que ela considerasse imoral (certa vez soubemos que ela estava falando mal de um de nossos filhos por que ele estava na nossa varanda com uma namorada que teve e que tanto a nossa família quanto a dela sabia e aprovava o namoro). Ela não gostava que Carla tivesse amigas que namorassem, não queria que ela conversasse com garotos a não ser os da família e sua filha nunca em hipótese alguma fora à escola sem ser conduzida por ela ou pelo pai. Segundo ela isso eram normas impostas por João e aprovadas por ela.
João era a figura mais bonachona que eu já havia visto. Na rua. E pelo muito que eu o observava em seu relacionamento com os filhos ele era um bom pai. Tratava bem as crianças, não gritava com elas desnecessariamente e dizia em alto e bom tom que as amava. Ou seja, tudo era muito era paradoxal, o que nos leva a crer que ele não passava o seu regime ditador diretamente para as crianças e sim para a mulher que por sua vez repassava aos filhos. Mas as crianças sabiam exatamente de onde aquelas regras vinham.
Quando digo que Carla burlou as regras, digo que ela desafiou as regras impostas pelo seu pai e por sua mãe. Ela literalmente não só alterou o sistema, como avacalhou de vez com tudo, fazendo com que houvesse uma frustração por parte de seus pais.
O que foi que ela fez? Carla se sentia apoiada pelas atitudes da mãe ao tentar beatificá-la em público. Doa Fátima ao falar mal das amigas da garota as colocava em pé de guerra com sua filha. Tudo o que as garotas queriam que Carla fizesse era defendê-las perante sua mãe. Afinal de contas que tipo de amiga seria essa que as deixaria serem crucificadas por seus pais?
Ora essa. Todas as garotas amigas de Carla sabiam das coisas que ela fazia na escola. Chegavam a ser cúmplices de suas pequenas armações amorosas. Levavam e traziam bilhetes e recados de seus paqueras e namorados. E foi por conta dessa cumplicidade que Carla fora nocauteada com um soco na boca do estômago, quase um golpe baixo como diriam os aficionados por boxe.
Uma de suas amigas, chamada Marcela resolveu contra atacar depois que soube de uma discussão entre sua mãe e Dona Fátima. Onde esta falou que nunca na vida iria admitir que Carla se comportasse como Marcela se comportava. Dizia isso pelo fato de Marcela ter dezesseis anos, dois a mais que Carla e já ter namorado em público com o consentimento da mãe. Dona Fátima não admitia esse tipo de coisa. Não com sua filha santíssima. E Carla não a defendeu dos comentários errôneos de sua mãe. A mãe de Marcela poderia ter reagido, poderia ter dito à Dona Fátima o que todos sabiam, mas que ela pensava que quase ninguém tinha conhecimento. Poderia ter falado das amantes de João. Mas será que isso adiantaria? Ela poderia facilmente dizer: minha filha tem namorado e isso eu admito, o que eu não admito é que ela seja uma demente que permita que o namorado dela tenha duas ou três mulheres além dela. Mas ao invés disso ela preferiu o silencio. Disse apenas que o modo como ela educava sua filha era problema dela. Dias depois disso Carla havia sido proibida de falar com Marcela.
O contra ataque de Marcela veio na forma de um grande complô. Um boicote, melhor dizendo, contra Carla e sua mãe. Afinal Marcela não era a sua primeira vítima. Reunindo as colegas de colégio, Marcela conseguiu ter em mãos vários bilhetes que Carla enviara para seus paqueras e namorados (e pelo que eu soube eram mais de um). Depois de juntar o máximo de bilhetes que pôde ela se dirigiu à diretoria da escola e disse que tinha uma queixa a fazer de Carla. Se Dona Fátima falava mal das amigas da escola, então porque é que não podia saber quem era sua filha de verdade? E então entregou todos os bilhetes á diretora que ficou pasma, mas disse que entregaria todos eles à mãe de Carla no dia do resultado final, ou seja, há pouco mais de quinze dias.
Ao saber disso Carla entrou em desespero. Andava triste pelos cantos e maldizia suas ex-amigas. Esses fatos se deram paralelamente aos preparativos de sua primeira comunhão.
João chegou em casa com um lindo vestido para a primeira comunhão de Carla. Certamente presente de uma de suas amantes, pois como sabemos ele não trabalhava. (tenho mais certeza que fora dado por uma tal de Eliete, a que mais freqüentava a sua casa. Foi ela que estava naquela noite de sábado já citada). O vestido parecia um mini vestido de noiva. Carla experimentou quando o pai trouxe. Lá de minha varanda pude ver a sua expressão de alegria iluminando seu rosto. No dia seguinte seria entregue no colégio o resultado final. O que seria dela agora? E os bilhetes?
Acordei com os gritos de João. Parecia um monstro dentro de casa. Gritando com todos. Sandro estava como sempre quando se sentia assustado, andava de um lado para o outro da varanda, subia e descia das grades. João xingava Carla de tudo quanto era nome feio e Dona Fátima pelo que soube, já havia levado no mínimo duas boas bordoadas pela cara e estava sentada no sofá. Não dava pra ver Carla. João entrou no banheiro e depois de quase meia hora ele saiu. Desceu as escadas do prédio como se nada tivesse acontecido e saiu montado eu sua bicicleta vermelha, como sempre fazia sorrindo para os vizinhos e cumprimentando todos. Ao longe, parecia a figura surreal de um nobre e digno cavaleiro em uma montaria escarlate.
Uma hora depois da saída de João, Carla apareceu na varanda. Tinha o rosto inchado não somente pelo choro que derramava, mas também por conta das bofetadas incontáveis que seu pai lhe dera. João a surrara ao saber do caso dos bilhetes na escola.
Felizmente ela havia sido aprovada por média, o que em minha opinião, a livrara de algo pior. Uma amiga sua, Fernanda a única que sobrara, veio visitar-lhe ao saber do que tinha acontecido, Dona Fátima, talvez por vergonha não deixou que ela entrasse, o que fez com que Carla fosse até lá embaixo, mas sem sair da área do prédio, o que fez com que toda vizinhança soubesse do que aconteceu.
Era nítido que Carla estava transtornada, se sentindo humilhada e com uma péssima reputação perante os vizinhos. João havia determinado que após a sua primeira comunhão, que seria naquele final de semana ela seria mandada para o interior de onde a sua mãe viera e seria criada por uma tia e estudaria num internato para moças. Ele havia saído apenas para acertar esses detalhes.
Na sexta-feira Carla passou dia choramingando pelos cantos da casa. Vez em quando ela aparecia na varanda e nem as minhas brincadeiras que sempre a faziam rir dessa vez funcionaram. Dona Fátima fizera os últimos ajustes no vestido e milagrosamente João dormiu em casa após ter passado todo o dia na rua, com certeza bebendo e nos braços de Eliete.
Naquela noite eu estava sem sono, não pensei muito no que aconteceria à Carla. Logo cedo loquei uns filmes e mandei meu filho mais velho, comparar umas cervejas. Como minha mulher estava um pouco indisposta (coisas de mulher) ela foi logo pra cama, o que me fez ficar só. Por volta das três da manhã, entre um filme e outro fui até a varanda, notei que o portão do prédio de Carla estava aberto, mas como lá moram muitas pessoas, não dei muita importância. Passou-me pela cabeça que alguém estivesse entrado em casa e fosse sair novamente, afinal era sexta-feira, dia de farra, dia de chegar tarde...
Devido ao efeito da cerveja acordei tarde no dia seguinte. Eram mais de nove da manhã. Haviam carros de polícia e um carro do IML estava na rua. Na verdade acordei com um barulho de multidão que se formava na rua. A tragédia anunciada tinha chegado à sua conclusão.
João de Fátima haviam sido mortos enquanto dormiam. Foram esfaqueados diversas vezes, talvez dezenas cada um. A autora do crime fora Carla. Ela havia se enforcado na área de serviços do apartamento. Estava vestida com seu vestido de primeira comunhão. Ele estava totalmente ensangüentado e seu pequeno véu servira de corda. Carla não tocou no irmão. Ele estava dormindo e assim ficou até acordar durante a madrugada e chamar os vizinhos. Antes disso pegou as chaves de casa pegou a bicicleta do pai e saiu. Deu voltas no bairro durante a madrugada até o dia amanhecer. Por esse motivo é que vi o portão do seu prédio aberto durante a madrugada.
A família foi toda sepultada no mesmo dia. As amigas de Carla que se voltaram contra ela na escola certamente não compareceram ao enterro, mas pelo que Marcela me contou meses depois quando a encontrei no mercadinho havia um sentimento de arrependimento. Ela me confessou que se soubesse que tudo aquilo aconteceria jamais teria entregado bilhete algum à diretoria da escola. Falou também que as outras amigas da escola não tocaram mais no assunto. Cada uma vivia remoendo consigo mesmo o remorso de uma tragédia que poderiam ter evitado.
Mas será que a culpa de tudo era das amigas de Carla? Ou será que tudo não era culpa de como João vivia com a sua família? Será que Carla por ser uma adolescente e ainda aos quinze anos acreditar em Papai Noel, estava realmente satisfeita em ver sua mãe tratada como um resto, como uma mulher sem qualidade nenhuma? Será que a própria Carla achara que aquele estilo de vida que o pai levava era natural? Ter várias amantes era um exemplo para ela que pensou em ter vários namorados e agora quando o pai soube por que lhe bateu? Onde estaria o erro nessa história toda?
Sandro fora mandado para uma instituição de menores, onde mais tarde, Eliete conseguiu com a ajuda de bons advogados tirá-lo de lá.
Oito anos depois ela o convenceu a ser seu amante, assim como seu pai fora uma vez.
Luís André
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