Usina de Letras
Usina de Letras
172 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62267 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10379)

Erótico (13571)

Frases (50658)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4776)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6203)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->A DESENRABADA -- 26/12/2004 - 23:25 (Marcodiaurélio) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A DESENRABADA


Por um curto espaço de tempo, mas de certa forma vivido intensamente, trabalhei com uma criatura muito especial. Tão especial que ainda hoje mantenho boas e saudosas lembranças e, vez por outra, cruzamos em datas também especiais.
Boa parte de nossos contatos se dá por conta de sua esposa, que ainda trabalha na mesma agência que eu. Portanto todas as minhas produções literárias são, de curso obrigatório, enviadas para ele, por assim dizer, em mãos quase próprias.
Em uma de minhas entregas, fui abordado por Maria que me disse:

- Não sabes de nada. Ocorreu lá em casa um acidente que, de início, parecia o fim do mundo. Os meus meninos acoitaram e acobertaram a presença de uma gata prenha e, que vindo a parir, escolheu o motor de nosso único carro para abrigar sua querida ninhada de filhotes. Nos primeiros dias vinha tudo dando certo. Imagino que eles espantavam a mãe e seus filhotes, sempre antes que o pai desse partida no veículo. Mas hoje a coisa desandou. Acho que imaginaram ter espantado a todos, porém quando o automóvel foi ligado, ouviu-se um barulho estranho, de algo que parecia enrolar-se dentro do motor. Um miado fino, uma disparada e o pior já estava feito. O filhote havia perdido seu rabo na correia do ventilador daquela máquina agora horrorosa.

- Virgem! Maria. E o que foi que vocês fizeram?

- Nada. A ninhada ainda se matem primitivamente arisca, portanto ninguém pode medir o prejuízo físico e emocional do bichinho.

Não me contive. Fui até ao computador e larguei esse e-mail pro bandido:

CABRA SAFADO
Se eu soubesse nessa vida,
da qualidade ruim que você tem,
eu lhe botava dentro de um trem,
sem ter chegada e nem partida,
com uma passagem só de ida
sua mala véia cheia de trapo,
seu belzebu, maltratador de gato,
mocréia doida de chave na mão
não precisava usar o seu carrão,
pra se eleger um arrancador de rabo.


Foi aquele descarrego. Imagino o choque que ele teve, quando ouviu, de longe, sua história doméstica derramada no meio do mundo em forma de loa. E mais, com esse palavreado pra lá de distinhorado. Mas ele merecia, não se faz uma coisa dessas com um pobre de um gatinho, sem levar uma descompostura.
Dias depois, perguntei a Maria pelo gato.

- Você não sabe é de nada. O gatinho anda por lá, todo troncho. Rebola mais do que mulher perdida. Acho que depois de ter perdido o rabo, perdeu também o equilíbrio. Faz pena vê.

Fui invadido outra vez por um sentimento de revolta, e como se ainda tivesse o que descarregar, fui novamente ao computador e lá mandei outro e-mail:


DESCAUDADO
Na lonjura que estou, fiquei sabendo,
que o bicho de pelo que você tem,
num triste acidente ficou sem,
o rabo que lhe dava o equilíbrio.
Hoje o bichano não tem seu trilho,
com o eixo que não tem, descontrolado,
caminha devagar, desengonçado,
ainda bem que esconde o seu destino,
sem o membro não é mais rabo fino,
o gato por você desenrabado.


Mostrei a Maria, o e-mail que fiz.

- Veja aí, Maria, mais um carão que eu acabei de dar naquele ingrato.

- Acho que você ainda não viu Paulo com raiva...

- Maria. Na verdade, não. Mas eu acho que quem poderia sofrer alguma coisa, seria você por está contando os acontecidos de casa pelo meio da rua.


No dia seguinte, me vi compelido a perguntar novamente pelo bichano:

- Ou, Maria, e aí? Alguma novidade?

- Nem lhe conto. Não é que o rabo do bichinho está quase sarado, nem parece ter sido arrancado como foi. E olhe que vai ficar bem direitinho, lá nele.



Minha raiva foi passando conforme as notícias mais recentes. Mesmo assim, e por outra vez, não me fiz de rogado, mais ainda por conta de não ter recebido nenhum retorno das loas que enviei pro malvado. Fui ao PC e mandei-lhe outra:


SOCIEDADE
Eu soube que o serviço foi bem feito,
que o rabo do seu gato já sarou,
por isso eu confio com fervor,
na proposta que lhe faço sem defeito.
ser seu sócio, este é meu pleito,
no carro amolado que você tem,
de cada gato cobraremos 100
com direito a mercúrio e esparadrapo,
cortaremos tudo que for rabo,
não haverá mais rabo pra ninguém.

Pronto. Estava feita a proposta, agora seria apenas aguardar. No mínimo, dessa forma, eutéria uma resposta de alguém que nem parecia existir diante de tantos impropérios.
No dia seguinte achei que a coisa não estava bem plantada, e resolvi virar a ponta do prego:

NEM PENSAR
Se você a proposta rejeitar,
eu bem vou precisar me garantir,
de não deixar seu carro mais sair,
jogar sal nas paletas de cortar.
Fazer a cortadeira enferrujar,
sem mim, outro sócio não vai ter,
vai deixar de ganhar por merecer,
de ser dos felinos um benfeitor,
não tente ser sozinho vencedor,
senão, eu boto um rabo em você.


E fim de questão. Seria impossível alguém fugir de uma ameaça tão convincente.
O pior é que o tempo passava, e nada. Fiquei quieto por um bom par de dias. Mas só em ver Maria, o destampar do ocorrido borbulhava. E eu não podia deixar de perguntar:

- Ou, Maria, e aí? Alguma novidade?

- Sim. Não é que botaram o nome do gato de Flor.

- Oxente, Maria, e o danado do gato não era macho?

- Sei não. Os bichinhos são muito ariscos, ainda não deu pra ver direito quem é quem.


Não houve jeito. Soltei o verbo novamente para protestar frente ao ocorrido. Além de arrancar o rabo do coitado, ainda me botam um nome afrangaiado num futuro reprodutor felinício:

FULÔ
Certo de que houve um acidente,
na escolha do nome de seu gato,
o registro me pareceu gaiato,
pra se nomear um ser vivente.
Um chamado inconveniente
de alguém que queira lhe dá valor,
será no mínimo um despudor,
é, pelo menos, o que eu acho,
você batizar seu gato macho,
com um nome infeliz de Gato Flor.

Sei não. Comecei a desconfiar que a falta de resposta seria um sinal de tragédia. Quem já se viu, agüentar tanto palavrório e não revidar com uma só letra? Deixei o assunto de lado por um bom tempo. Mas cada vez que encontrava Maria, sentia uma fervilhação no canto da curiosidade. Logo eu que gosto de animais, especialmente de gatos.
Bem depois, com mais uma semana passada, olhei pra Maria e, esquecido da última pergunta, crivei:

- Ou, Maria, e aí? Alguma novidade?

- Tenho e das tristes. Fulô foi-se embora. Sumiu sem deixar o menor rastro.

- Virgem! Mas será que procuraram direitinho?

- Sim. E acho que não tem volta.

Aquilo encheu meu peito de tristeza, uma natureza ruim atravessada, foi aí que num lance de solidariedade, botei novamente o verbo de fora:

ELLE VOLLTARÁ
Não fique triste com a natureza,
dos felinos que ao bom campo vão,
pois no instinto existe uma razão,
que não merece nossa vã tristeza.
Toda viagem tem sua beleza,
seja ela feita pra qualquer lugar,
mesmo sem rabo para balançar
o outro rabo sem o menor pudor,
quando sentir a falta de amor,
o Gato Flor, por certo, voltará.

O certo é que esse gato não voltou, pelo menos até o dia que inventei de fazer uma visita ao querido casal. Uma manhã regada à poesia ao invés de miados. Algumas horas de murmúrios plangentes pelo resgate emotivo de uma vertente augustoanjiana. Taipas e moirões de Assaré, com o Patativa a tocar o gado de seu roçado nas páginas de um livro seu.
Depois da despedida, um almoço, uma soneca e um fim de tarde a beira mar. Com direito ao sol se pondo, deixando o claro decrescentemente colorindo a face das águas de Tambaú.
No dia seguinte, ao chegar ao trabalho, Maria salta de lá com alegria e me avisa que Fulô voltou, meio combalida e ainda sem descer de cima da casa, mas voltou. Que descobriram tratar-se mesmo de uma fêmea. E tudo indica que a culpa foi minha, era como se faltasse um pequeno empurrão para que a coitada tivesse mais confiança em voltar. Quem sabe, na leitura dos felinos, o meu interesse pela saga de uma descaudada, fez ecoar em freqüências ainda desconhecidas, uma mensagem de boas-vindas para um lar que, pelos menos as crianças, a terão de braços e colos abertos, onde possa ronronar para o resto de sua vida (que são sete). E que não more mais no motor daquela máquina doida, se não poderá gastar as seis vidas que lhe restam em menos de uma semana.

Hoje, Fulô é mãe de três gatinhos, todos enrabados, é claro. Até agora, enquanto ninguém se mete de novo na máquina doida do dono da casa.


Por Marco di Aurélio
Janeiro/2004


Hoje, Fulô é mãe de três gatinhos, todos enrabados, é claro. Até agora, enquanto ninguém se mete de novo na máquina doida do dono da casa.



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui