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Artigos-->Da conversa fiada à televisão -- 24/08/2002 - 23:54 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DA CONVERSA FIADA À TELEVISÃO



Francisco Miguel de Moura *



Há poucos anos, precisamente pelas décadas de 70 e 80 da última centúria, tínhamos em Teresina a chamada “Rádio Calçada”. Aviso aos mais novos, ou àqueles que não tomaram conhecimento do assunto: Não se trata de uma rádio verdadeira e sim de grupos de pessoas que freqüentavam certos lugares do centro da cidade e ali se reuniam para contarem anedotas, histórias as mais diversas e também se encarregarem de transmitir os boatos, às vezes verdadeiras notícias que, por razões inconfessáveis, o jornal nem o rádio mencionava. Um dos pontos mais freqüentados era a calçada da Rua 13 de Maio, esquina das imediações do antigo “Bar Carnaúba” e do “Teatro 4 de Setembro”.

Hoje o centro está desvitalizado, ninguém vai mais à praça para conversar, para passear, para espairecer. Estamos na era dos “shoppings” (que palavra horrorosa e que lugar triste!), onde só se conjuga o verbo comprar.

Entretanto, a crônica não pretende referir-se apenas a tempos recentes. Quer épocas bem recuadas. Então, mudemos para o “outrora”, quando os divertimentos eram os saraus, as festas dançantes e as de igreja e por ocasião de batizados, casamentos e até velórios. Que nos lembremos das famosas “incelências” do nosso folclore. À margem das festas nascia a conversação, e aí se comentavam os fatos do dia-a-dia, se inventavam boatos, se levantavam hipóteses sobre tudo e sobre todos.

Em tempo mais recuado ainda, no terreiro das fazendas reuniam-se os donos da casa, a parentalha, os empregados, os agregados, os vizinhos. E, depois do jantar, a conversa rolava franca e sadia até a hora de dormir. Geralmente dormia-se muito cedo, salvo nos dias de festas, é claro.

Assim se passaram séculos. Mas, começavam as mudanças. As casas grandes de engenho ou de fazendas de gado davam lugar à pauperização do povo do campo e sua multiplicidade de vivendas menores e chãs.. A ereção de uma capela era a primeira providência, em seu redor nasciam as povoações, vilas, cidades. Entretanto, o velho costume das reuniões noturnas, à luz de velas de cera ou de candieiros, quando não havia lua, era tradição que continuava viva. Foram crescendo esses arruados, e as conversas não eram mais no terreiro – que deixou de existir – porém nas calçadas. Cedo da noite, depois da ceia, cadeiras eram colocadas pra fora e as pessoas se achegavam e iam se sentando, abriam o seu “jornal” ou contavam uma anedota, histórias de trancoso, ou apenas conversavam fiado. Normalmente, daí a pouco haveria o cafezinho para esquentar a garganta e espantar o sono. Nas noites de lua clara o “papo” se estirava por mais algumas horas. Isto acontecia até mais ou menos meados do século XX, em cidades como Teresina e outras do seu porte e nas menores. Aqui já havia novela, mas era no rádio. Como bem poucas pessoas possuíam aparelhos de rádio...

Por aquela época aparecera a televisão no Brasil. Aos poucos foram-se desmanchando as rodas de conversas das calçadas, os costumes mudando, mudando... Os homens cada vez mais isolados por causa das dificuldades da vida, do individualismo, dos preconceitos e sei mais lá o quê. O fato é que a tevê agigantou-se tanto no Brasil que não há mais lugar para conversa sem ela, ou que não seja assunto que ela tenha veiculado. Enfim, não há espaço para uma conversa amena, sem ruídos que não os humanos, em torno do dia-a-dia. Se se vai a um clube, lá está ela, e mais a música deste fim de século e começo de milênio que é, realmente, infernal. Se se planeja visitar um amigo, primeiramente temos que enfrentar o cachorro – toda casa tem seu cachorro – depois a tevê entronizada na sala tomando-lhe a palavra, os olhos e o coração.

Que fazer? Os intelectuais criaram as academias. Tudo bem, mas em lugar de, nas suas reuniões, tomarem o chá e conversarem banalidades, não! Vão lá para resolver as grandes questões da humanidade, em sessões de discurso ou de trabalho. Ninguém mais escuta ninguém, ninguém mais se encontra. Todos se desencontram nesse planeta humano, onde tanto se fala em humanidade. Mas, humanismo com a televisão bem na frente, é impossível.



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* Francisco Miguel de Moura é escritor, membro da APL e do CEC.

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