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Contos-->MARIALVA -- 30/11/2004 - 00:09 (Mauro de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MARIALVA


Marialva saíra cedo para o Grupo Escolar onde participaria do último dia de aula do ano letivo, onde era professora da quarta série. Era o dia 14 de dezembro de 1958 naquela cidade do agreste nordestino. Fazia um ano que seu pai havia falecido. Seu Barbosinha do Correio, assim conhecido, era o chefe dos correios e muito estimado por toda população da cidade. Sua mãe Dona Mimosa era costureira e na cozinha não existia quem fizesse melhores iguarias na redondeza. Com a pensão do seu Barbosa e as encomendas de D. Mimosa, Marialva, filha única, vivia muito bem, com casa própria e bem arrumada na Rua da Matriz. Recebera educação na capital e quando se formou no pedagógico aos 17 anos começara a ensinar no Grupo Escolar local. Pela primeira vez depois da morte do pai tirara o luto cerrado, roupa preta tingida que até então era usada na época.
Além de muito querida na cidade, estudiosa e recatada, Marialva era uma moça com predicados carnais que deixava a população de solteiros e casados lambendo os beiços. Época em que as mulheres usavam um tipo de vestido interiço até a altura do joelho que costumavam chamar de tubinho. Como não havia cintura, o andar fazia com que o corpo se movimentasse dentro daquela manta, deixando aos olhos dos passantes o corpo e as curvas que aquele vestido escondia. Era sedutor não pelo que se via, mas pelo que se podia imaginar. Moça morena e de cabelos longos, muito esguia, perto de 1.70m com rosto fino e delicado. Por duas vezes tentaram a cabeça do Seu Barbosinha para que fosse inscrita no concurso de miss no clube local. – Filha minha não vai mostrar as partes pudentes e impudentes para nenhum marmanjo. – Era sempre a resposta do velho. No verão alugava casa em uma praia distante, e não dizia a ninguém para onde ia afim de que a sua filha não fosse pega em trajes de banho por qualquer conterrâneo. Usava-se na época um maiô com saiote que ia até um quarto da coxa. Era mais ou menos o traje que as tenistas de hoje usam para jogar.
Choviam propostas da rapaziada mais abastada da cidade, mas nunca ninguém havia flechado o coração de Marialva. Preferia conversar com todos, sem preferências ou amizades mais íntimas, tanto femininas como masculinas. Sua vida se resumia ao Grupo Escolar, ouvir rádio e ler os livros que seu Barbosinha a seu pedido comprava quando ia a capital. Eça de Queiroz, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jose Lins do Rego e outros clássicos faziam parte da sua biblioteca que já ocupava boa parte da sala de visita, em estante de madeira de lei que seu pai com muito gosto mandara fazer. Aos poucos, Seu Barbosinha, embora não fosse homem de muitas letras também ia lendo, sendo seus preferidos os livros de história. A noite quando motor da luz apagava, a família ficava na calçada a conversar com as pessoas do ciclo de amizade, tais como o Dr. Egidio, Juiz de Direito, seu Balbino, Prefeito, Padre Antonio, o vigário e outras pessoas de um nível cultural mais aprimorado. Falava-se do inverno, da seca, da política, e principalmente quando a luz de Paulo Afonso iria chegar juntamente com a água encanada. Com aquele pelotão de autoridades e pessoas de responsabilidade ficava difícil aos aventureiros se aproximarem da flor de Bela Vista. Embora situada no agreste, mesmo no verão o clima de Bela Vista era muito ameno à noite, e no inverno fazia bastante frio. No inverno como chovia muito, as reuniões eram na sala de visita onde todos convivas elogiavam a cultura e o amor aos livros de Marialva. Barbosinha e D. Mimosa se orgulhava da filha e por diversas vezes conversavam no leito que sua filha não teria um bom casamento se continuasse na cidade. Às vezes o velho pensava em se mudar para capital assim que se aposentasse. Tinha alguma poupança e poderia comprar uma casinha na cidade onde provavelmente sua filha teria maiores oportunidades de conhecer pessoas de outro nível. A dúvida, no entanto fazia que logo desistisse da idéia, já que não podiam imaginar viver no reboliço da cidade grande. A idéia morrera com Seu Barbosinha. Morreu de enfarto quando faltavam poucos dias para se aposentar. No seu sepultamento D. Mimosa fez a filha jurar que jamais sairia de Bela Vista.
Passara-se um ano e as coisas aos poucos foram se ajustando e ambas passaram a ter vida normal de órfã e viúva respectivamente. O dia 14 de dezembro, no entanto seria um dia que marcaria Marialva pelo resto da vida. Ao voltar do Grupo Escolar, vira um moço de branco descer do ônibus que viera da capital. Com uma mala grande e uma maleta de médico dirigiu-se a ela perguntando onde havia um hotel ou pensão para se hospedar. Apresentara-se como Adailton Correia de Souza, e viera para Bela Vista para tomar conta do Hospital do Estado que seria inaugurado no dia 30 de dezembro. Marialva sentiu o coração bater ao ver que não usava aliança e aparentava não mais que 25 anos. Era alto, bonito e parecia ser um gentleman. De imediato foi leva-lo a pensão de D. Eustáquia, que ficava cinco casas a pós a sua na mesma Rua da Matriz. Em lá chegando o apresentou a dona da pensão, único lugar que oferecia hospedagem na cidade. Lá morava o juiz, o promotor e o delegado, que a cada 15 dias seguiam para capital para ver suas famílias. Era um casarão antigo, com enorme corredores e mais de 20 quartos. Tinha duas salas amplas e um terraço há cerca de 1.5 m acima da calçada, oferecendo uma vista bonita para saída da cidade.
Feitas às apresentações, Dr. Adailton agradeceu e ficou de visitá-la para conhecer sua família tão logo assumisse as suas funções. Marialva voltou para casa exultante, pois pela primeira vez em sua vida um homem lhe despertara sentimentos tão fortes. Falou a D. Mimosa da novidade e não escondeu a sua satisfação e interesse pelo doutor. No radio tocava “chega de saudade” de João Gilberto, musica que para alguns marcara o inicio da bossa nova. Na época Tom Jobim e Vinicius começaram a parceria e suas músicas eram tocadas a toda hora. Marialva tinha uma preferência por “Canções do amor demais” gravado por Elizete Cardoso. Nos seus vinte anos a música sempre fora uma arte, mas nunca lhe despertara sentimento maior que o som e a rima dos versos. Pela primeira vez seu sentimento de amor e a vontade de dividir felicidade com outros que não os seus familiares se acercara daquele coração que até então só conhecera responsabilidade.
Embora fosse uma pessoa normal, sua adolescência se passara em colégio interno e nunca sentira o despertar da sensualidade com o vigor de uma adolescente. Ao terminar o seu curso, no mês seguinte já era a professora do grupo, e assim a profissionalidade embutira outros sentimentos. Aqui e ali algum rapaz lhe despertara pequena atenção, mas nada que desabrochasse aquele coração sem pressa. Talvez o fato de sua vida ter sido sempre só elogios, ora pela beleza, ora pela educação seu corpo nunca se movimentou para ser usado e amado. A vida lhe sorria sempre, mas ela ainda não conseguira sorrir para vida. Não sabia o que era um roçado de braços, pegar na mão, ou beijo na face no escurinho do cinema. Filmes fora a poucos. Alguns como “quo vadis” que com seu pai assistira na capital quando de retorno do ano letivo. Sua sensualidade só fora despertada nas leituras do “Crime do Padre Amaro”, no “Primo Basílio”, ou em Dom Casmurro” com Capitu. Na verdade Marialva passou vida a encher um bujão de amor para explodir na primeira oportunidade que achasse conveniente. Em sua virgindade total, embora não desconhecesse os prazeres do pecado, sem sentir, esperava uma oportunidade para desabrocha-los. Sua educação em colégio de freiras fazia de tudo um pecado maior e a lavagem cerebral fez com que ela poucas vezes obedecesse a sua biologia natural. A falta de uma imaginação maior, seus sonhos se resumiam nos personagens dos livros que lia.
Naquele 14 de dezembro, no entanto o pavio do amor e da sensualidade acendeu. Ao contar a D. Mimosa o acontecido e ao ouvir a canção no rádio, seu mundo se transformou. Sentiu pela primeira vez o despertar de algo que há muito se acumulava. Em face de sua felicidade estática, achava que o sentimento desejado de logo estaria em suas mãos.
Sua vida se resumia entre as aulas durante a semana, a missa aos domingos, as conversas na calçada após o apagar do motor e os livros que lia e relia a luz de velas ao deitar. Talvez Marialva fosse a última alma pura com vinte anos de idade em todo agreste pernambucano. Até então nunca soubera o que era namorar, andar de mãos dadas ou um simples beijo na face. Dr. Adailton chegara para mudar aquela rotina e mudar a sua vida para sempre.
Adailton ficara impressionado com a musa que pela manhã lhe indicara com cordialidade o local para sua moradia. Embora fosse provisória, pois em breve moraria no hospital, sentiu algo estranho naquela bela jovem que de pronto o acolhera. Depois de acomodar-se no quarto, tratou de saber com D. Eustáquia os costumes da cidade e principalmente quem era aquela que lhe fora o primeiro contato na cidade. D. Eustáquia fofoqueira como toda dona de hospedaria, de logo, falou da ficha completa de sua anfitriã. Não esqueceu, no entanto de perguntar sobre seu estado civil, sua ascendência e o porque de sua vinda para Bela Vista. Adailton prestou-lhe as informações, declarou-se descomprometido e falou que era filho único de comerciante estabelecido na capital. Fizera o concurso para o estado após sua residência e fora nomeado para dirigir o novo hospital.
Adailton saiu para o hospital logo que terminou de arrumar os seus pertences. No hospital deparou-se com uma bela construção, equipamentos novos, mas com muita coisa a fazer. Primeiro procurou os enfermeiros que foram transferidos do Posto de Saúde da Prefeitura. De logo viu que teria de treinar muito para poder fazer pequenas cirurgias e principalmente partos que era uma das razões de sua vinda. Tinha duas parteiras antigas, um enfermeiro que poderia ser instrumentista e mais nada. Precisaria de um médico clínico e um anestesista. A farmácia estava abarrotada de caixas com medicamentos e materiais para cirurgia. Não havia uma pessoa que pudesse assumir o cargo de almoxarife, tão pouco uma pessoa para organizar um fichário e controlar as contas do hospital. Para falar com a capital dependeria de ligação com uma telefonista, já que o sistema ainda era o aparelho com o magneto. Embora concursado, fora nomeado por pedido de um deputado que tinha interesse na região e que queria aumentar sua base eleitoral trazendo pacientes de outras cidades para Bela Vista. Além do mais existiam muitos projetos de industrias tão logo chegasse a energia de Paulo Afonso. Nos municípios visinhos e nos arredores de Bela Vista, já existiam diversas construções de fábricas de médio porte, que iriam aproveitar incentivos da agencia de desenvolvimento criada por Juscelino.
Enquanto Adailton tomava as providencias no hospital, falando com a capital depois de muitas horas de espera, Marialva ia alimentando seus sonhos e fazendo indagações a si mesma. Será que ele viria à noite para conversar na calçada da sua casa? Teria alguma namorada na capital? Simpatizara com ela? Seria um bom homem, honesto, trabalhador? Será que ele vira a beleza dela que tanto o povo falava, mas que ela jamais se considerara? – Enquanto pensava com seus botões, ouvia no rádio a “canções do amor demais” que tocava a cada hora. Pela primeira vez ligou a música ao amor, que antes só considerava os versos de rimas perfeitas. Às seis horas o sino tocou e no rádio ouviu a voz de Augusto Calheiros: Cai a tarde tristonha e serena, em macio e suave langor, despertando no meu coração as saudades do primeiro amor... – Lágrimas de alegria correram-lhe a face. O amor estava definitivamente implantado naquele coração até então virgem e imaculado. Um novo mundo se abriu para Marialva. Nos seus pensamentos, no entanto havia aquela dúvida. Será que estarei fascinada com esse novo sentimento ou havia chegado a hora de lutar por algo que todos falavam, mas não via ninguém em seu redor totalmente feliz com o amor. Já havia ouvido alguém falar: O amor constrói! – Também já assistira na sua cidade o amor destruir, inclusive matar. Então pensou: O amor constrói e o amor destrói. – Valeria a pena trocar sua felicidade e tranqüilidade por algo que lhe era desconhecido? – E se Adailton fosse um cínico, casado, mau caráter e aquela aparência angelical não passasse de uma máscara de personalidade como havia lido em Dom Casmurro? – Marialva! – que é que tu tens menina? Faz mais de uma hora que você está olhando para o mundo e não diz uma palavra! Que foi que ouve? Estais doente? – falou espantada D. Mimosa. – Nada não mamãe, estava aqui pensando que tipo de homem é o Dr. Adailton. – menina tu estais apaixonada, tomas cuidado, não te arrelias muito, pois poderás ter uma grande decepção. Tenhas calma, que à noite no sarau conversaremos com Pe. Antonio e o Dr. Egidio que deverão vir com muitas novidades. Essa cidade é muito pequena e a chegada do doutor já está na boca miúda. D.Eustáquia já deve saber tudo da vida dele. Vai te aprontar para janta, que logo depois colocamos as cadeiras na calçada e vamos esperar serenamente as novidades.
O primeiro a chegar foi o Pe. Antonio. Disparou com a novidade da chegada do médico protegido do deputado, que viera para fazer funcionar o hospital. Disse também que com a eleição do Dr. Cid para governador as coisas poderiam mudar no próximo ano. Ficou temeroso da subida da oposição e que Dr. Cid fora apoiado pelos comunistas. Não havia acabado de falar e Dr. Egidio e Seu Balbino que ouvira o final da conversa foi dizendo: Dr. Cid é um homem de bem, vai encher o Estado de industrias e essa historia de apoio dos comunistas era só para se eleger. O fato é que o progresso está chegando em Bela Vista. Vamos poder ter geladeira, rádio a noite toda e uma série de aparelhos domésticos elétricos. – Pra quem tem dinheiro falou o Pe. Antonio. Aliás, seu Balbino, estou esperando a verba para comprar a divulgadora da Igreja. A última vez que fui a capital já tirei o orçamento. Quero inaugura-la com a festa da luz de Paulo Afonso. – Isso mesmo seu Balbino! – asseverou o juiz. – A cidade precisa ser bem iluminada para o fim do ano. Pretendo vir com minha esposa e meus filhos. – Quando acabara de falar, a poucos passos vinha chegando o Dr. Adailton. – Boa noite! Desculpe interromper a conversa, mas como soube que a luz se apaga daqui a meia hora, fiz questão de vir agradecer a Marialva, ao tempo em que queria conhecer a Sra. sua mãe e os senhores, que me informei são as autoridades de Bela Vista. – Feita às apresentações, Dr. Adailton narrou as providencias que tinha tomado junto ao Secretario da Saúde, inclusive com a contratação de outro médico anestesista e alguns enfermeiros mais habilitados para ajudarem no inicio do funcionamento do hospital. Falou que a aparelhagem cirúrgica era das mais modernas e que só faltava a energia para o hospital funcionar a pleno vapor, no inicio de janeiro. Disse que de agora em diante as pequenas cirurgias, cesarianas, apendicite, etc. os pacientes não precisariam se deslocar para capital. Adailton foi o centro das atenções e das conversas que giraram em torno de diversos assuntos, ligados principalmente ao futuro do município. Até a luz apagar, Marialva não tirava os olhos de Adailton. Todos elogiaram o desprendimento de Adailton, um jovem medico deixar a vida da capital para morar no interior, longe de seus familiares e com uma responsabilidade tão grande, como a saúde de uma cidade. Quando a luz apagou Adailton convidou todos os presentes para aparecerem no dia seguinte ao hospital para conhecer as acomodações. Ia se despedindo quando os presentes disseram que a conversa não terminava com a luz. Se ele quisesse continuar poderia ficar que seria muito bem vindo. Lá pelas onze horas a temperatura esfriou mais. Resolveram então terminar a conversa, pois D. Mimosa já começara a cochilar como era de praxe em todas as noites.
Depois de recolhidas as cadeiras a portas fechadas, D. Mimosa deu suas impressões para sua filha. Disse ter gostado muito da conversa, achando-o muito cerimonioso, mas um homem bonito além de parecer muito estudado e simpático.
No dia seguinte os convivas da noite foram ao Hospital. Adailton mostrou todas as dependências dando as explicações técnicas, além de falar da importância que o hospital significaria para a cidade. Também comunicou que receberia uma ambulância e um jipe para seus deslocamentos no interior do município e para as cidades vizinhas que também seriam atendidas pelo hospital. Durante a visita por duas vezes colocou a mão no ombro de Marialva para direciona-la juntamente com o grupo para os locais que queria mostrar. A cada toque, Marialva sentia uma sensação diferente, e seu corpo reagia com arrepios que nunca havia sentido. Adailton até então não havia se dado conta do sentimento instantâneo de Marialva. À noite, no entanto Marialva lhe chamou a atenção além da beleza. Seus olhos brilhantes pareciam pedir algo mais que o doutor ainda não havia descoberto. Ao se recolher depois das conversas, Adailton começou a pensar na flor de Bela Vista.
Antes porem teria que ir a capital terminar um caso mal resolvido com uma ex-colega de faculdade. Havia começado a namorar Gisele no sexto ano e se estremeceram na festa de formatura. Assim mesmo prosseguiram aos trancos e barrancos durante a residência. Na verdade e de fato o ponto final só dependia de uma declaração: Não existia nada entre eles além de sair e se divertir juntos. De parte à parte um explorava a companhia do outro, sem nenhum plano para o futuro. À noite ao deitar-se, resolveu que iria ao fim de semana a capital exclusivamente para por fim aquele namoro. Do mesmo modo pensou que poderia namorar a Marialva e quem sabe abrir uma nova fronteira no amor que já de muito estava adormecido. Não era só a beleza que o encantava. A educação a cultura e a pureza d’alma de uma moça de interior começou a cativar de maneira forte o Dr. Adailton.
No dia seguinte a indiscrição do Pe. Antonio fez que revelasse a sua posição de solteiro e falar de sua família. Seu pai, comerciante de material de construção onde também era ajudado por sua mãe já que não tinha outros filhos. Em suma, Adailton era filho único de uma família de classe média alta. O coração de Marialva faltou pouco para explodir de tanta alegria e felicidade, quando Dr. Egidio se lembrou que conhecia o Seu Joaquim de Souza e a D. Amália respectivamente pai e mãe de Adailton. – Falou que quando estava construindo sua casa comprara o material na loja dos seus pais, indicado por outro amigo juiz que conhecia a família mais de perto por ser filho de português, como seu Souza e D. Amália. Falou que quando em conversa eles falavam que tinham um filho que estudava medicina e lhe fazia muito gosto. Daí em diante a conversa girou em torno da família de Adailton e o clima cerimonioso foi desaparecendo nas conversas nos dias seguintes.
Na véspera de viajar a capital, Adailton procurou Marialva na saída da escola e disse que precisaria falar com ela em particular. De pronto os dois caminharam até a praça, onde se sentaram num banco na sombra de um oitizeiro. Adailton foi direto ao assunto. – Marialva, estou indo hoje a capital por sua causa. – Por que Adailton? – O que foi que eu fiz? – Nada minha querida. Apenas estou querendo namorar você e antes que me dê a resposta preciso acabar um namoro que de há muito deveria tê-lo feito. Contou a história com Gisele com todos os pormenores. Por fim disse que independente de sua resposta na sua volta lutaria para conquistar o seu amor. Marialva ouvira toda historia se tremendo e não lhe saiu uma palavra até o final. Adailton notando o seu estado, pegou a sua mão e disse: acalme-se. Você não precisa se preocupar com nada, nem ficar nesse estado de nervos. Será que sou o primeiro a lhe pedir namoro? Por acaso você nunca teve um namorado? – Marialva respirou fundo e disse: Você foi o primeiro a me falar. Muitos mandavam cartas ou outras pessoas que aqui chamamos de corta-jaca. Nunca me interessei por nenhuma proposta e nunca tive um namorado. – Então, Marialva minha querida, está na hora de você recusar a primeira proposta feita diretamente, e cara a cara. – Não posso recusar Adailton, gosto de você desde o dia em que lhe conheci há uma semana. Tenho apenas medo do desconhecido. Medo de perder minha tranqüilidade e minha felicidade, embora de há muito sinta a necessidade de sair da rotina e começar uma vida normal que todas as moças da minha idade já começaram. Falarei com mamãe, mas a resposta já está dada. – Eu também vou falar com D. Mimosa, e dizer para ela minhas intenções, logo que volte da capital. – Saíram lado a lado até a casa de Marialva, onde D. Mimosa já a esperava para o almoço. Em lá chegando D. Mimosa convidou o doutor para almoçar, mas ele agradeceu dizendo que iria pegar o ônibus para capital, mas que em outra oportunidade se sentiria muito honrado com o convite. Ao se despedir de Marialva, apertou a sua mão com as duas dele, acariciando-a e dizendo: tome um chá para se acalmar. Domingo estarei de volta. A distancia fez com os lábios o gesto de um beijo.
No domingo, Marialva esperou atentamente a chegada do ônibus das 16,00. Vestiu um tubinho cinza, colocou pela primeira vez batom após a morte de seu pai e soltou os cabelos lisos até os ombros. D. Mimosa ficou espantada com a transformação de sua filha, que embora se vestisse bem, nunca caprichara tanto no visual. O ônibus atrasou uma meia hora. Da janela de sua casa Marialva olhou cada um dos passageiros que saltava. Por fim seu coração já estava explodindo quando último passageiro saltou. Adailton não viera.
Nervosa foi até ao ponto para ver se tinha enganado. Nada. Seu amor não veio. Voltou triste para casa na esperança que ele viesse no das 18:00. Não poderia espera-lo porque estaria na hora da missa. Pelas 5:30 saiu com D. Mimosa pela praça em direção a Igreja. Assistiu a missa e voltou para casa. No caminho pensou em ir até a Pensão de D. Eustáquia, mas ficou com vergonha de alguém achar seu movimento no mínimo suspeito.
Queria saber se o último ônibus havia chegado e se Adailton viera nele. Quando estava chegando em casa, avistou Adailton parado em frente a sua porta. Apressou-se para encontra-lo deixando D. Mimosa pra traz. Boa noite Adailton! – Boa noite Marialva! – Perdi o ônibus das quatro e cheguei há pouco mais de meia hora. Fui a Pensão e corri para te encontrar. Tudo resolvido na capital. – D. Mimosa chegou logo e cumprimentou-o: Boa noite Dr. Adailton! – Por favor, D. Mimosa, tire o doutor. – Riram com a brincadeira, e D. Mimosa entrou em casa deixando os dois conversando. Adailton contou então que estava livre e que sua namorada de Recife já estava o esperando para fazer a mesma coisa que ele: terminar o namoro. – Foi melhor assim, asseverou Adailton. Não houve nenhum constrangimento de parte à parte. – Agora querida é só nós dois. Vou tomar um banho mudar de roupa e já voltarei como teu namorado. Certo! – Pegou a mão de Marialva e deu um beijo. Ela ficou rubiácea de vergonha, sorriu e disse: volte logo Adal! – Adal! Exclamou Adailton. – sim, de agora em diante só vou te chamar de Adal. Seu nome é muito comprido. Riram, enquanto Adal se afastava louco de felicidade.
Quando Adailton voltou, os convivas da noite anterior já estavam a postos. A cadeira dele já estava colocada ao lado da de Marialva a sua espera. Não demorou muito para que os presentes descobrissem a nova situação, embora nenhum houvesse tocado no assunto. Nessa noite, porém procuraram sair mais cedo com desculpas de que teriam de trabalhar pela manhã. Como estava muito frio D. Mimosa convidou Adailton para entrar e ficarem conversando na sala. Lá para as tantas, Adailton falou a D. Mimosa de suas intenções. A principio ficou calada, mas depois falou que sua filha era uma moça inexperiente, nunca teve um namorado e que confiaria nele. Seguiu falando que haveria hora para sair, hora pra chegar e que namoro no interior era diferente da capital. Marialva esperou sua mãe terminar e disse: Mamãe, a senhora falou de um jeito que parece que tenho quinze anos. Sou maior de idade, e não sou tão inocente quanto à senhora quer apregoar. Se não conheço a vida na prática, pelo menos aprendi nos livros. – Depois D. Mimosa foi até a cozinha preparar um café enquanto os dois conversavam. Adailton pegou na mão de Marialva e ela de imediato recusou, dizendo que era cedo para certas intimidades, principalmente em respeito a D. Mimosa. Adailton riu e disse: realmente você não é tão inocente como sua mãe falou. – riram os dois, enquanto D. Mimosa servia o café.
Após o café, Adailton se despediu e foi embora. Naquela noite Marialva sentiu tanta felicidade que não conseguiu dormir direito. Pensou quando aceitaria ficar de mãos dadas, passeando na calçada, ou carregando nos ombros o braço de Adal. E o primeiro beijo, quando ele se atreveria? Será que ele estava levando a sério ou seria um aproveitador? Essa opção jogou imediatamente do lado, pois estava convicta de que Adal era um homem perfeito e por ele colocaria a mão no fogo.
Em uma semana de namoro, já passeavam na calçada de braços dados, embora Adal ainda não a tivesse beijado.
Faltavam três dias para o final do ano quando foi inaugurada a luz de Paulo Afonso. A festa na cidade foi um espetáculo de fogos e de música. A banda municipal tocou até as duas da manhã. A praça fora iluminada com lâmpadas brancas, verdes e amarelas. Tinha um parque de diversões, pipoca, caldo de cana, bolinhos de milho e toda gama de guloseimas das festas do interior.
Adailton resolveu passar dia de ano em Bela Vista. Telegrafou para os pais avisando e ficou de ir a casa deles após os festejos. Deu um prazo a ele mesmo que a beijaria na passagem do ano. Primeiro um beijo na face e depois tentaria um outro mais insolente, dependendo da reação de Marialva. Só agora sentiu o quanto amava Marialva. Aquela maneira pura em uma moça de vinte anos havia transformado os seus sentimentos. Já pensava em se casar assim que a situação financeira o permitisse. Montaria casa em Bela Vista e viveria feliz para sempre.
Marialva a toda hora dizia a D. Mimosa que nunca pensara que o amor desse tanta felicidade e que era tanta que não sabia como gastar. Cantarolava pela casa “canções do amor demais”, e dizia a mãe que quando fosse a capital iria comprar uma radiola e uns discos para ouvir com Adal.
A noite do Natal seria um dia triste por conta da ausência do segundo ano sem seu pai. Mesmo assim achou que deveria chamar o pessoal que ia todos os anos enquanto seu pai era vivo, para comemorar a entrada do ano novo.Na verdade, ela queria dividir a sua felicidade entre os parentes e amigos. D. Mimosa a princípio não concordou com a idéia, já que no Natal não houvera nada a não ser a Missa do Galo, mas depois pensou melhor e resolveu fazer uma festinha bem simples.Chamaria a irmã e o cunhado juntamente com os sobrinhos, já que moravam em um sítio próximo a cidade e normalmente vinha para a festa de rua.
Ao romper do ano a luz apagou. Adal aproveitou e beijou a face de Marialva que em seguida beijou a sua. Abraçaram-se e pela primeira vez ela sentiu o calor de um homem. A cena foi rápida, pois logo a luz acendeu e tiveram que se afastar para cumprimentar os presentes ao tempo em que evitava os olhares menos condescendentes.
Após três meses de namoro, Adal partiu para o primeiro beijo na boca. Marialva desejava muito, mas achava que ainda não era a hora.Por duas vezes recusou-se. Finalmente em um domingo a noite D. Mimosa deu um refresco para as despedidas e Adal beijo-a, primeiro ternamente e logo em seguida frenética e apaixonadamente. A medida que o tempo foi passando, os cuidados com os presentes ou passantes foram diminuindo e os abraços de corpo inteiro e beijos prolongados foram ficando uma rotina. Aquele agarrado do doutor com a professora mexia com a cidade. Seus ex-pretendentes e os menos íntimos começaram a invejar o amor dos dois. Aqui e ali o cochicho. – Viu que agarrado? Se Sr. Barbosinha fosse vivo o doutor não se aproveitava da inocência da professora. Nas rodas menos educadas os termos eram piores: Que garanhagem! – Era o termo usado na época para sarro. - À medida que os meses passavam, as línguas viperinas começaram a inventar que o doutor já tinha “lanchado antes do recreio”, quando D. Mimosa e Marialva foram veranear em Enseada dos Corais. Nos fins de semana, Adal ia para lá e ficavam os três na mesma casa. Na verdade a casa tinha três quartos, um para cada. A noite, no entanto, D. Mimosa só ia dormir quando seu futuro genro se recolhia no seu quarto e tinha o cuidado de colocar panelas amarradas na porta, para caso ele tentasse sair ela se acordar. As panelas jamais impediriam o que D. Mimosa pensava. Durante o dia e mesmo durante a noite, os namorados passeavam pela praia sozinhos e poderiam facilmente fazer seu ninho de amor. O que D. Mimosa não sabia, é que sua filha não admitia nem pensar em fazer amor antes do casamento. Casaria virgem e de véu e grinalda como seu pai sempre sonhara. Embora durante os longos abraços com beijos, deitados na esteira estendida na areia da praia, jamais deixou Adal tocar nos seus seios ou chegar perto dos “mares nunca d’antes navegados”. Por maior que fosse a paixão, por próximo que os dois corpos ficassem e ralassem, não existia promessa de amor, nem pedido de Adal que fizesse Marialva ceder. Certa feita Adal disse que o homem não podia ficar naquela agarração sem que chegasse aos finalmente, porque terminaria com uma doença chamada hidrocele. Doença essa que fazia com que os testículos fossem aumentando de tamanho até ele não poder vestir mais uma calça. Brincando ainda disse: amor! Ele pode até explodir. Ela riu muito e depois falou: Se fosse assim Adal todos os namorados do mundo já estavam explodidos. E continuou: Para mim basta o que sinto vindo do teu corpo quando estamos agarrados. Pensas que eu não desejo também me entregar totalmente. Achas que eu também não de desejo do mesmo modo? Não tenho nada para explodir, mas à vontade de me entregar ao frenesi e completarmos nossa relação talvez seja maior que a tua. Assim Adal na ofensiva e Marialva na defensiva, passavam as noites de lua e sem lua na maior “bolinagem”, mais nunca ultrapassando o limite permitido por Marialva.
Enquanto em Bela Vista o amor dos dois rolava solto, no Brasil, Juscelino inaugurava Brasília. Muitas rodovias encurtavam o caminho para planalto central e para o norte foi construída a Belém-Brasilia, por dentro das matas constituindo um novo marco na integração nacional. Grandes hidroelétricas foram construídas, a primeira fábrica de automóveis, siderúrgica e muitas industrias. Em cinco anos o Brasil crescera cinqüenta, como o presidente anunciara em campanha. Com o progresso, veio a inflação em face da dívida do país. Mesmo assim, o feito do Presidente JK foi extraordinário. Jânio Quadros fora eleito para assumir o poder em 31/01/1961. O slogan de sua campanha era uma vassoura. Nos comícios dissera que iria varrer do Brasil os corruptos e colocar todo mundo para trabalhar. Nos comícios eram distribuídos broches dourados em forma de vassouras. O Brasil em peso votou no homem. Na época fora eleito com maior quantidade de votos até então para um presidente. Cinco milhões de votos. Ninguém esperava é que se tratava de um louco e alcoólatra, desejoso de impor uma nova ditadura no país. Em 25 de agosto após seis meses de governo, renunciou dizendo que “forças ocultas” o obrigaram. N a verdade ele queria era o apoio das forças armadas para dar um novo golpe. As “forças ocultas armadas” não concordaram e o Jango Goulart vice-presidente deveria assumir. Ocorre que as forças armadas não queriam o afilhado de Getulio Vargas como presidente. Como estava de viagem na China, sua volta só se deu depois de um remendo constitucional, mudando o país para o parlamentarismo e Tancredo Neves como Primeiro Ministro até o plebiscito em 24/01/63, quando o país voltou ao presidencialismo. Em primeiro de abril de 1964, um golpe militar tomou o poder e um ato institucional colocou Castelo Branco como presidente.
No inicio do golpe, Bela Vista já tinha crescido muito. O hospital já atendia diversas cidades e o corpo de médicos já ultrapassava de vinte. Adailton já não era mais diretor, mas seus colegas o consideravam como tal, em face de sua liderança e o seu saber. Fizera algum dinheiro, comprara uma casa e um fusca e estava noivo se preparando para o casamento no ano seguinte. A reforma da casa foi rápida e Adal depois de mobília-la ricamente, passou a morar nela. Aos sábados ou domingos Marialva e D. Mimosa levava uma faxineira para fazer a limpeza ou alguma arrumação mantendo sempre tudo em ordem e organizado. Mesmo com toda intimidade, Marialva jamais se permitiu ir sozinha com Adal até a futura casa. Tinha medo da língua do povo e principalmente de cair em tentação. Para tanto, não permitiu que Adal comprasse a cama de casal e esta só entraria na casa um mês antes do casamento. D. Mimosa estava ficando cada dia mais triste por conta da separação da filha após o casamento. Embora Adal houvesse feito uma suíte para ela, se recusou a ir morar com a filha alegando que jamais sairia de sua casa e que quisesse ou não, sempre seria um incomodo para quem está começando a vida.
A televisão havia chegado a Pernambuco e as cadeiras nas calçadas foram trocadas pela sala com o aparelho ligado. O romantismo da cidade de interior ia aos poucos sendo tomado pelo materialismo do mundo novo. A tecnologia envenenava pouco à pouco a tranqüilidade, tornando seus habitantes escravos do mundo novo. Marialva aos poucos foi comprando a parafernália. Radiola, tv, telefone. Tudo aquilo no dizer de D. Mimosa era muito bom, encurtava as distancias, aumentava o conforto, mas ao mesmo tempo distanciava as pessoas, que agora não se viam, se falavam ao telefone, sempre apressadas, ora para resolver negócios, ora para assistir um programa na tv. Na verdade ela sentia falta da cadeira na calçada, onde curtia a saudade do passado com aquela prosa noturna já que ninguém trabalhava no escuro. Com a chegada da luz veio o colégio noturno, os bares com suas radiolas de fichas e tudo aquilo que o silencio da noite transformava em paz e alegria, estava terminado. Até os automóveis que eram raros passaram a contribuir com o barulho dado a quantidade existente numa cidade tão pequena.
Na cidade se falava abertamente que entre o doutor e Marialva só faltava o filho e a festa do casamento, porque quanto ao resto ele já havia percorrido todos os caminhos da professora. Na verdade, Marialva continuava resistindo e continuava virgem. Certa vez chegou a brigar com uma colega, porque ela brincando foi falar o que todo mundo falava na rua. Comunicou a Adal e este disse: Estais vendo amor, era melhor que já tivesse acontecido, porque assim você não se aborreceria tanto. Marialva brigou feio com Adal pela primeira vez. Chegou a andar sem a aliança por alguns dias, mas, depois voltaram com o mesmo fogo. Foi ai que ela descobriu que o bom mesmo é a dor de cotovelo e a reconciliação.
A novidade na cidade naquele mês de junho de 64 foi a inauguração do Banco do Brasil e uma Agencia do INPS. Até então todo movimento financeiro da cidade era feito por um gerente de um banco particular que aparecia nas quartas feiras recolhendo depósitos e trocando cheques. Para quem não confiava ia até a capital e fazia suas transações a cada quinze dias, ou usava correio para enviar pequenos depósitos para Caixa Econômica Federal. Com o INPS, as aposentadorias, e benefícios seriam resolvidos em Bela Vista, inclusive os das cidades vizinhas.
Junto com o Banco do Brasil, apareceu o primeiro hotel que agora hospedavam todos os visitantes e trabalhadores de fora. Era de um sobrinho de D. Eustáquia que vivia no sul e vira em Bela Vista uma boa oportunidade. Fez uma grande reforma na pensão, colocou até três apartamentos com ar condicionado. A turma do Banco do Brasil se hospedava lá.
Entre os funcionários do Banco, havia duas mulheres, coisa rara naquela época. Uma delas era recepcionista. Chamava-se Gloria. Era realmente a glória do banco. Alta, bonita, usava vestidos acima do joelho, deixando o belo par de pernas a mostra, cobertas apenas por uma meia transparente cor de carne o que dava-lhe muito maior sensualidade. Nos seus 22 anos, espalhava saúde e simpatia aos homens da cidade. Fizera um concurso no Ceará, mas desejava trabalhar em Pernambuco. Por conta de ser filha de homem abastado, foi fácil para ela ser treinada em Recife, e logo depois conseguir sua vaga em Bela Vista. Tinha o espírito aventureiro e independente e aproveitava-se do amor do pai por ser filha única, fazendo com que ele transformasse todos os seus desejos em realidade. Era muito avançada para época, costumava dar o bom dia aos colegas com um despretensioso beijo na face, fato este que seus colegas já haviam se acostumado. Para o povo da cidade, principalmente as mulheres, achavam uma pouca vergonha. Os homens achavam que ela seria uma presa fácil. Ambos se enganaram. Era costume na sua terra, que imitava tudo que o pessoal do Rio de Janeiro fazia e que naquela época era um cumprimento como qualquer outro, sem o mínimo de maldade.
Adailton e seus colegas foram contratados pelo INPS. Com isso a remuneração dos médicos começou a render muito mais. Isto fez com que muitos médicos da capital viessem para o interior na esperança de melhorar os seus rendimentos. Alguns já haviam se juntado e começaram a construção de um hospital particular. Bom para população, porque rodava mais dinheiro na cidade. Casas de eletrodomésticos, lojas de móveis e até uma grande mercearia, vieram se instalar na rua da matriz. Com isso as residências antigas eram compradas a peso de ouro e romantismo das cadeiras nas calçadas foi definitivamente enterrado. Os mais abonados procuravam fazer suas casas modernas em seus sítios que no passado serviam apenas para os fins de semana. Com o automóvel as pequenas distancias desapareciam. A cada dia novas ruas eram calçadas e a cidade foi se estendendo por todo planalto. Duas fábricas foram inauguradas, dando emprego a muita gente da cidade e adjacência. Tudo isso fez que muito dinheiro fosse aos pouco transformando a cidade e seu povo. A população de imigrantes cresceu e já não se conhecia a todos os passantes na Rua da Matriz. Em seis anos o paraíso se transformara no começo de um inferno.Apareceram os primeiros furtos, alguns crimes mais graves e a cadeia pública começou a colecionar hóspedes. Dr. Egidio foi transferido juntamente com o Promotor e o Delegado. O prefeito já não era o Seu Balbino. Em seu lugar fora eleito um vigarista protegido das forças armadas, que embora tivesse nascido na cidade, fazia mais de vinte anos que não aparecia lá.Chegou a cidade com as cartas marcadas para ser eleito pela ARENA, partido dos golpistas de 1o- de abril. A corrupção campeava solta, calçavam-se as ruas a peso de ouro e assim os primeiros empreiteiros da cidade começaram a enriquecer do dia para noite. O progresso e a safadeza vinham a cavalo.
Marialva conseguiu uma nomeação para a agencia do Inss. Pela manhã trabalhava no grupo escolar e a tarde era funcionaria federal. Graças a sua escolarização e na falta de gente que soubesse escrever, não foi preciso nem fazer concurso.
Por conta da ocupação do dia todo, as tardes saíram do calendário dos dois enamorados. A azáfama da vida moderna ia aos poucos destruindo o romantismo e o cair da tarde já não era o mesmo de antanho. Os pássaros já não cantavam nem se recolhiam aos seus ninhos, porque os oitizeiros foram cortados. Ao redor da praça invadida pela nova avenida, foram plantados pés de flamboiã, mas a passarada em protesto desapareceu. A luminosidade noturna deixava despercebida a lua nova e a lua cheia. O céu estrelado entrecortado por estrelas cadentes já não era observado pelos enamorados para fazer pedidos nem juras de amor. O silencio, o doce silencio da noite, já não ouvia o piado da coruja nem o latido de um cachorro ao longe. Fora substituído pelo terror do som dos alto-falantes e o zumbido dos motores dos automóveis. Com toda essa degradação o amor puro de Adal e Marialva se transformava todas as noites em sensualidade.
Aos poucos a população começou a abrir contas e movimentar dinheiro no Banco do Brasil. O mercado financeiro dava seus primeiros passos e todo mundo queria ganhar alguma coisa no deposito a prazo fixo ou na letra de cambio. Adailton estava entre um dos bons clientes com uma aplicação financeira muito boa ao nível da cidade. As idas e vindas ao banco e o comentário a respeito da beleza de Gloria também começou a entusiasma-lo. Por sua vez Gloria o olhava com bastante interesse, mas respeitava até certo ponto a aliança que o doutor carregava na mão direita. Aos poucos o cruzar de olhares o papo na gerencia nos fins de tarde foram encaminhando a ambos para uma estrada tortuosa. Quando Adal voltava da casa de Marialva com seus desejos reprimidos, sempre dava uma passada no hotel para tomar uma cerveja e ali conversava com o pessoal do banco e do Inps. As vezes as conversas iam até a madrugada. Entre a turma estava Gloria que aos poucos foi se aproximando do doutor. Um dia ao se despedirem, glória beijo-o na face como fazia normalmente com os demais colegas. Embora Adal soubesse ser uma atitude costumeira dela, sentiu que havia um significado diferente naquele beijo. A cada dia Adal saía mais cedo da casa de Marialva para passar no hotel e se encontrar com a turma. Pouco a pouco a intimidade entre Gloria e Adal foi tomando um rumo diferente. Um dia já perto da meia noite os dois conversavam sozinhos no bar já depois de algumas cervejas e troca de confidencias, Adal chamou Gloria para conhecer sua casa. Ela disse que era perigoso porque todos já estavam olhando a sua amizade com ela e podiam cabuetar junto a sua noiva. Adal insistiu e ela disse que se recolheria ao seu apartamento e depois sairia com cuidado para ir até a sua casa. Adal foi à frente e em casa se esqueceu do seu amor por Marialva. Pensou a princípio que se tratasse de uma mulher fácil em busca de diversão. Preparou-se a caráter e deixou a porta entreaberta para a chegada de Gloria. Meia hora depois ela entrou e rapidamente fechou a porta. Adailton pegou a sua mão e foi mostrando as dependências com um copo de uísque na mão. No quarto de casal Gloria espantou-se com a ausência da cama. Adal abriu o jogo e falou a respeito da imposição de Marialva. Dali foram para sala sentaram-se na poltrona. Gloria começou a tomar uns goles no mesmo copo de Adal. Aos pouco Gloria foi se declarando e abrindo caminho para Adal. Em dado momento, Adal abraçou-a e beijou-a nos lábios. Fora correspondido. Começara assim o ritual do amor e da desgraça do casal. Quando já estavam seminus, Gloria declarou que era virgem e que não poderia continuar embora achasse que seria uma coisa normal mais nunca tivera coragem de passar daquele ponto. Primeiro do medo de engravidar e depois achava que não deveria ser com um homem comprometido e principalmente em se tratando de uma traição a uma pessoa conhecida e cliente do banco. O que havia levado ela até sua casa fora a atração que sentira por ele desde que o viu no banco. Estava arrependida e achava que não tinha o direito de estragar a vida de Adal. Assim mesmo continuaram a se enroscar naquele delírio que toda paixão oferece. Por fim exaustos satisfeitos embora não tendo completado a relação, resolveram tomar outras providencias para o futuro. Ela declarou que o amava. Ele, no entanto foi sincero ao dizer que apenas a desejava como mulher linda que era, mas que não tinha o direito de fazer nada contra sua vontade. Mesmo assim disse que no outro dia iria arranjar anticoncepcionais e lhe entregar no banco. Disse também que poderiam se encontrar na capital, já que ambos iam a cada quinze dias. Ele para resolver negócios do hospital e Inss, e ela para visitar a prima com quem dividia apartamento em Recife na rua da Aurora. Lá era uma cidade grande e eles se perderiam na multidão. Neste momento Gloria falou para ele: Você acha isso certo? Justo? – Eu te amo, você não me ama, apenas me quer como amante. Não tens pena de mim e de Marialva? Não achas que depois o remorso pode bater em nós dois. Por quanto tempo achas que vou suportar de ser apenas a outra? - De fato respondeu Adal. Essa aventura poderá ser muito cara em nossas vidas. Por outro lado já não sei se suportaria viver perto de você sem que a tentação me batesse profundamente. Você chegou na hora e lugar errados em minha vida. Tenho impressão que não poderei retroceder. Com a virgindade incólume Gloria saiu furtivamente da casa de Adailton depois de se despedirem com um longo beijo.
Embora Adailton estivesse com seu instinto animal satisfeito, o remorso começo a corroer-lhe a alma. Primeiro pela traição a Marialva e depois por se aproveitar de Gloria. Mesmo assim, não podia imaginar quebrar aquele relacionamento.
No outro dia logo que chegou ao hospital separou três caixas de anticoncepcionais e guardou-as no bolso. A noite não fora nem em casa para trocar de roupa antes de ir para casa de sua noiva. As marcas de seu crime estavam estampadas no seu rosto. Encontrou Marialva bonita e cheirosa que de braços abertos recebeu-o com beijo longo e carinhoso. – Que é que tens meu amor? Estás triste? Que foi que houve, algum paciente o preocupa? – Não amor, estou muito cansado e passei a noite em claro estudando um novo método de cirurgia de apêndice. – Depois do jantar ela o chamou para o sofá e pediu que deitasse sua cabeça no seu colo para lhe acariciar os cabelos enquanto viam televisão. Em pouco tempo Adal dormiu e nem os beijos demorados houve naquela noite. Por volta das oito e meia, Marialva acordou-o com beijo na boca e disse que era melhor ele ir descansar em casa. De pronto ele se levantou e para disfarçar ainda disse que teria que passar no hotel para resolver uma aplicação com o gerente do BB, porque durante o dia não tivera oportunidade de ir ao banco. Ao sair beijo-a sem paixão o que Marialva ficou muito preocupada. No caminho entrou no hotel e como desculpa falou com gerente que aplicasse uma parte do seu dinheiro em conta corrente em letras de cambio por 90 dias. Gloria ainda não havia descido e o pessoal estava na sala da televisão vendo tape de um jogo do dia anterior. Pediu uma cerveja e esperou por Gloria. Na segunda cerveja ouviu uma voz:
Solitário doutor? Pensando na morte da bezerra? – Não Gloria, é que hoje tive um dia estressante. Cinco cirurgias e mais de dez atendimentos no Inps – A essa altura ela sentou-se em sua mesa e baixou a voz: Como vai meu amor? – Vou bem querida, trouxe o que lhe prometi. Tirou um pequeno embrulho e entrego-a dizendo: sabe como e quando deves tomar? – Sei amor, já tomei uma vez passado por um médico, mas para outros fins. Riu baixinho enquanto por baixo da mesa enfiava sua perna entre as pernas de Adal. – essa noite não vai dar disse Gloria. A turma vai ficar vendo esse jogo até tarde e não poderei sair como ontem. Certo respondeu Adal. Fica para amanhã amor.
Ao chegar em casa Adal sentiu um grande vazio. A falta de Gloria e a tristeza por estar traindo Marialva. Aos poucos os sonhos futuros com Marialva iam se desmoronando. Já não imaginava Marialva sentada naquele sofá após o trabalho esperando o seu primeiro filho. Já não pensava na noite de núpcias, quando poderia por fim possui-la por completo sem que fosse um fruto proibido. Um sentimento satânico ia aos poucos apagando o corpo de Marialva, enquanto que no mesmo pensamento Gloria se entregava sem nenhuma resistência. Tentava dobrar seu pensamento que insistia em fazer a troca de personagens. Duvidava de si mesmo se ainda amava Marialva enquanto que do outro lado já se considerava apaixonado por Gloria. Por outro lado pensava como iria trocar uma mulher do quilate de Marialva, culta, trabalhadora, carinhosa e que ele fora seu primeiro namorado, por uma mulher avançada, cujo passado ele desconhecia e poderia ser uma catástrofe em sua vida. Gloria tinha apenas 21 anos e aparentava ter um corpo mais bonito, mas não era doce e terna como Marialva. Talvez a facilidade e o fogo jovem fosse o atrativo principal de Gloria. O fato é que Adal estava perdido na encruzilhada do destino. Naquela noite pensou pela primeira vez em acabar o seu noivado.
No outro dia chegara a cidade três colegas de Adal. Vieram para lhe convidar para ser sócio igualitário em um hospital em Recife. Um deles envolvido com a ditadura. Antes que Adal falasse a respeito dos seus dois empregos, foi logo dizendo: Arranjo sua transferência para os dois empregos amanhã. Meu santo é forte e isso não haverá problema. Amaro líder do grupo disse que uma das razões para aquela chamada era a sua fama de excelente cirurgião que já chegara a capital. Adal falou de seu noivado com Marialva e a casa que havia montado. Falou também que não poderia separar a filha de sua sogra uma pessoa sozinha no mundo. Pediu um tempo para ver como arrumaria as coisas. Sua resposta, no entanto não poderia ultrapassar de outubro, quando o hospital seria inaugurado. Quanto ao dinheiro para sociedade eles aguardariam até ele começar trabalhar quando integralizaria o capital.Foram almoçar no hotel e depois se despediram prometendo aguardar o telefonema de Adal.
A tarde Adal foi direto para o Inss para falar com Marialva. Chamou a sua sala e contou a novidade.Falou que em Bela Vista seu futuro como médico não passaria daquilo e que outra oportunidade não apareceria em sua vida. Marialva caiu em prantos. Disse que sua mãe jamais aceitaria morar fora de Bela Vista e que ela jurara que jamais se afastaria dela. E do jeito que ela vinha ficando triste pela proximidade do casamento, uma noticia desta poderia até mata-la. Adal tentou contornar dizendo que não era o fim do mundo e que ela não seria a primeira mãe que se afastaria da filha por motivos profissionais do genro. Alegou que poderiam convence-la a morar com eles já que na nova situação ela não andaria apenas alguns metros para ver a filha e que aos poucos ela se acostumaria. Depois de acalmar Marialva, combinaram que à noite começariam lentamente a convencer D. Mimosa.
Na hora do jantar, Marialva falou que Adal fora convidado para ser sócio de um grande hospital na grande Recife. Disse que seria um grande passo na sua vida profissional e que seria a grande chance de se tornar um médico famoso e rico. D. Mimosa não disse uma palavra. As lágrimas brotaram dos seus olhos e aos poucos começou a chorar convulsivamente. Adal levantou-se, abraçou a futura sogra e disse: fique calma D. Mimosa, ainda não decidi nada. Também tenho pena e medo de deixar Bela Vista, mas ser tiver de ir embora vou convencer a senhora a ir morar conosco. – Nunca! Respondeu D. Mimosa. Nunca sairei daqui. Leve minha filha, não tenho direito de atrapalhar suas vidas. Seria muito egoísmo de minha parte ser um entrave na vida de vocês. Já estou no fim da vida e os poucos anos que me restam posso viver perfeitamente sozinha. Por mais ponderações que fossem feitas tanto por Adal como por Marialva, D. Mimosa não cedia um milímetro. Exauridos os argumentos, Adal disse por fim que nada havia ainda decidido e que teria três meses para dar a resposta. Que ela e Marialva pensassem melhor e que os três tomariam a decisão em conjunto.Naquela noite não houve sarro, logo após o jantar Adal beijou Marialva e foi para sua casa.Disse que era melhor deixa-las a sós porque a conversa entre a mãe e ela talvez fosse mais produtiva.
Quando passou pelo hotel, tomou a cerveja de costume, mas não viu Gloria. Alguém perguntou por ela e responderam que fora visitar uma amiga em um sitio na saída da cidade. Adal seguiu para casa, tomou seu banho e foi ver televisão. Em meia hora alguém bateu a porta. Era Gloria que entrou rapidamente e pulou em seu pescoço, enlaçando suas pernas na cintura de Adal. Beijaram-se, naquela posição por longos minutos até que arrearam no sofá. Aos poucos foram tirando suas vestes até ficarem inteiramente nus. A volúpia de Gloria ultrapassara os limites da sensatez. Adal também não se conteve. Carregou-a nos braços e levou-a para o quarto de solteiro. Na cama o inadiável aconteceu. Gemidos de dor e de gozo transformaram definitivamente o caminho da vida dos dois. A sensação de arrependimento e remorso da vez anterior não foi sentido por nenhum dos dois. Depois de três relações, extenuados dormiram abraçados por mais de uma hora. Ao acordarem a vontade de fazer de novo reacendeu, mas se controlaram dado ao adiantado da hora. Tomaram banho juntos e por duas vezes quase repetiam a dosagem ocorrida no quarto.
A medida que os dias passavam, o noivado de Adailton ia se deteriorando. Já não havia tantos beijos e abraços como antes e a conversa girava em torno da proposta da sociedade no hospital. Sua estada noturna em casa de Marialva fora se restringindo a uma ou meia hora. A paixão substituiu o amor, o romantismo cedeu à carne, como a praça que perdeu seus encantos para dar caminho à modernidade e a devastação.
Marialva começou a desconfiar que havia algo errado em Adal. Não era somente a proposta de trabalho que o atormentava. Adal sentia que uma força maior lhe jogava para Glória. Tentou se questionar, mas terminou concluindo que o caminho não tinha retorno. Abatido, um mês depois, pois fim ao noivado com Marialva. Não disse a razão por falta de coragem. Marialva implorou que não a abandonasse, pediu um último beijo mais lhe foi negado. Adal procurou sair de Bela Vista em uma semana. Antes de ir embora de vez, foi ao cartório, passou a casa para nome de Marialva. Deixou a escritura em cima da mesa da sala com um bilhete: Marialva me perdoe, fui um fraco, não sei o que será de minha vida. Esta seria a nossa casa, agora é sua casa. Boa sorte. Adailton. Depois que colocou as malas no carro, dirigiu-se até o Inps e pediu a um colega medico, que entregasse a chave da casa a Marialva, para que ela retirasse seus pertences de lá.
Adal tramara tudo com Gloria. Através do deputado amigo do seu pai, conseguira a transferência para Recife e uma semana depois também fora embora de Bela Vista. Adal assumiu a sociedade e seus empregos foram transferidos para o Recife. Gloria e ele combinaram no feriado de finados irem para Fortaleza para oficializar o noivado.
Marialva entrou em desespero e depressão e por mais de um mês não teve coragem de ir até a casa buscar seu enxoval. O que mais a deprimia era não saber a razão do rompimento tão abrupto do seu noivado. Primeiro pensou que fosse o problema profissional, mas isso eles discutiram e haviam combinado prorrogar a data do casamento para o ano seguinte, dando mais tempo para D. Mimosa mudar de idéia. Seu trabalho não era problema porque também conseguiria a transferência. Finalmente não havia nada que justificasse o súbito desamor do seu noivo. Como Adal era muito benquisto na cidade, todos estranharam não a sua mudança, e principalmente o rompimento do noivado. As conversas nas altas rodas acreditavam que a resistência de D. Mimosa fora a causa. As línguas ferinas, no entanto diziam: “comeu a professora e depois caiu fora porque tava rico e não ia casar com uma professorinha de interior”.A conversa da segunda classe ganhou o vulto e aos poucos todos começaram a achar a mesma coisa. – “A pobrezinha caiu no conto do doutor e agora está ai furada para os gaviões da terra se aproveitarem da carniça”.
Como se fosse um trigésimo dia, Marialva finalmente tomou coragem e foi até a casa pegar os seus pertences. Levou consigo D. Mimosa, uma colega do Inps e uma prima. Quando entrou na casa viu o bilhete e um envelope pardo grande. Leu o bilhete e abriu o envelope. Teve um acesso de choro e em seguida perdeu os sentidos. Foi um corre-corre danado, chamaram um médico no hospital que ficou na casa até ela se restabelecer com calmantes e uns porres de amoníaco. Logo em seguida a cidade já comentava a desventura da professora. Alguns mais insolentes diziam que a doação era o pagamento do estrago que fez na professora. Ele deve ter tido remorso, deixou a casa para ela arranjar um casamento mais fácil.
Abatida e inconformada Marialva ia para o quintal da sua casa a noite e ficava olhando para o céu. No quintal a luz da rua não interferia e ela podia olhar para os astros e estrelas cadentes para fazer pedidos, da mesma maneira que no inicio do namoro fazia com Adal na praça ou na praia de Enseada no verão. Chorava convulsivamente até esgotarem-se todas as lágrimas. Emagrecera quatro quilos e seus olhos negros empalideceram pela falta do sorriso, da alegria e da felicidade que antes ela dizia que não sabia como gastar.
Na véspera do Natal, toda cidade foi surpreendida pela noticia do casamento de Adal com Gloria em Fortaleza. A noticia chegou por conta de um convite de casamento de Gloria para os colegas do banco. Embora seus colegas tivessem sabido logo após a sua transferência, procuraram não comentar na cidade a pedido do gerente que achava que isso poderia prejudicar a imagem da sua administração. Em dezembro, no entanto, achou que não teria mais problemas e deixou o convite exposto no quadro de aviso. A noticia se espalhou e logo chegou aos ouvidos de Marialva. Desta vez ela não teve chiliques. Recebeu a notícia impassível, perplexa porque finalmente descobrira a razão ou as “forças ocultas” que roubara o seu grande e único amor da vida. Se por um lado ficara mais infeliz por saber que agora não haveria mais retorno, por outro descobrira que não fora ela a responsável pela decisão do seu noivo.
Sua vida voltara à mesma de antes. O grupo, inss, a missa e em casa. Só que não tinha aquela felicidade de antes, quando não tinha Adal, mas não era uma mulher feliz. Lia seus livros, mas não tinha a conversa à noite na calçada, ouvia o radio e dormia, não como um anjo mas como uma torturada. A vida voltara ao que era antes, mas cheia de amargura e infelicidade. Sonhava quase todas as noites com Adal e quando acordava sentia aquele vazio. Pensava que não havia mais sentido de viver. Rezava muito e pedia a Deus que lhe desse a conformação e a vontade de ser feliz de novo. Queria sentir alegria por alguma coisa. Queria voltar a ler, ver televisão ouvir música ou fazer qualquer coisa que lhe devolvesse a vontade de viver. As vezes olhava-se no espelho e sentia-se acabada e depauperada como uma velha apesar dos seus vinte e sete anos. Vez por outra imaginava que Gloria morreria e Adal correria de volta para os seus braços pedindo perdão.
No ano seguinte embora ainda estivesse sofrendo muito, recuperara o seu corpo original e parecia cada dia mais bonita. Não era mais aquela mocinha de vinte parecendo ter dezesseis, mais uma mulher viçosa de rosto bonito e suave de uma adolescente. Por conta dessa transformação, os gaviões da cidade começaram a se encostar e fazer propostas. Rechaçava a todos. As vezes até com indelicadeza. Depois o ataque passou a ser de homens casados que vinham à cidade a trabalho e sabiam da sua estória pelo hotel ou mesmo nos bares da cidade. Aos poucos Marialva foi descobrindo o que a canalha da cidade falava a seu respeito e o conceito a cerca da sua virgindade. No começo pensou até em ir falar com Juiz, mas depois achou mais interessante fingir que não sabia e achincalhar com os seus pretendentes. Isso a distraía, alem de ser para ela uma forma de vingança contra aqueles que a detrataram. Assim tomou gosto novamente por vestidos que retratassem mais o seu corpo, e procurava manter cada vez mais uma aparência melhor e dentro da moda. Conseguiu que o motorista da ambulância do Inss a ensinasse a dirigir e logo que aprendeu, foi até o Recife e comprou um fusca zero quilometro. Com o carro os pretendentes aumentaram e os desaforos ouvidos por eles, maior ainda. Recebeu uma boa oferta de compra da casa que ainda permanecia fechada. Pensou um pouco e depois a trocou por um pequeno sítio e uma casa na praia. Com as novas aquisições começou fazer pequenas reformas e o fim de semana passava no sítio com D. Mimosa ou alguma colega do Grupo ou do Inss. Divertia-se plantando hortaliças, ao tempo em que plantava todo tipo de fruteira. Aos poucos seu sítio foi ficando um mimo. Seu João empregado indicado por seu tio, fora morar no sítio com a mulher e dois filhos adolescentes. Era um matuto jeitoso e trabalhador. Aos poucos o sítio começou a render alguma coisa e ela fez o seguinte negocio com ele.Comprou umas cabras, galinhas de capoeira e perus para criar de meia. Tudo que o sítio rendesse seria dividido meio a meio. A idéia deu certo e aos poucos Marialva já não gastava um centavo para sustentar o sítio. A casa da praia ia de vez em quando e as vezes alugava ao pessoal da cidade para passar fim de semana.
Pouco à pouco ela foi se inteirando através dos livros e revistas que comprava a respeito de criação e plantação. Com as economias que tinha no banco, foi comprando mais terras até seu sítio virar uma fazendinha. Criava gado e cabra de leite confinado. Ai resolveu aprender a fazer queijo. Os primeiros queijos foram vendidos na mercearia de Bela Vista.Com a aceitação tratou de colocar um nome: Queijo Mimosa. Não chegava pra quem queria. Como não tinha condições de criar mais vacas e cabras, resolveu comprar o leite da região. Em um ano todo o leite da região era fornecido para Fazenda Mimosa e transformado em queijo.Comprou os equipamentos necessários e começou uma pequena industria. O queijo criou fama e vinham compradores de várias cidades inclusive do Recife para comprar diretamente na fazenda. Embora estivesse ganhando um bom dinheiro, não deixou nenhum dos dois empregos. Já tinha cerca de vinte empregados o que exigiu também um contador para assinar as contas. Passou a morar na fazenda e quando saía do emprego ficava até altas horas trabalhando. Com isso encheu sua vida e aumentou sua fama de mulher jovem, rica bonita e solteira. Candidatos para casamento apareciam aos montes e ela dava o fora em todos. Na cidade já existia até aposta para quem conseguisse alguma coisa com ela. D. Mimosa, entusiasmada com o negocio da filha, ficou morando definitivamente na fazenda. Certa noite Marialva disse a ela: comprei o sítio para encontrar um lugar onde pudesse o olhar o céu sem as luzes da cidade. Quando isso virou fábrica de queijo tive que trazer a energia e tudo que iluminava meu antigo sonho, apagou com a chegada da luz. É triste ver como o progresso que traz tanto conforto, acaba com as coisas bonitas da natureza e aos poucos vai enterrando o romantismo para sempre.
Uma coisa, no entanto Marialva não esquecia. O amor por Adal. Como fogo de monturo ele continuava corroendo seus sentimentos. Aos domingos ia para beira de um riacho que passava na extremidade da fazenda. Levava um toca fitas com músicas do passado de seus cantores prediletos: Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Ataulfo Alves, Dalva de Oliveira e muitos outros. Neste ano o homem pela primeira vez havia chegado a lua em 21 de julho. Roberto Carlos estourava na mídia com “as curvas da estrada de santos”. A ditadura começara a viver seus anos de chumbo. A ALN e o MR8 seqüestram no Rio o embaixador americano Charles Elbrick. Embora estivesse atenta a política nacional, até então não dedicara seu precioso tempo para sequer conversar com a própria mãe.Intimamente sentia ódio dos situacionistas e puxa-sacos da revolução, a começar pelo corrupto prefeito de Bela Vista. A conquista da lua pelos americanos vista pela televisão em todo o mundo, abalou muito Marialva. O astro que inspirara tanto o romantismo acabara de ser desvirginado pelos pés ensandecidos dos homens.
Na primeira noite de lua cheia após a descida, Marialva foi a noite para o riacho, juntamente com D. Mimosa e o Seu João para observar se havia alguma coisa diferente. Durante meia hora ficou deitada numa esteira olhando as nuvens apagar e acender a lua. Depois de algum tempo disse: Mamãe a lua está triste, ela já não tem mais aquele brilho que tinha antes do homem chegar lá. – Menina estais ficando doida! A lua é a mesma, teus olhos é que estão vendo aquilo que tua alma quer ver. – Marialva entendeu o que D. Mimosa falou. Na verdade o que a fez ver menos brilho na lua, era o reflexo da sua alma padecida pela saudade do seu amor. Lágrima já não derramava, mais seu corpo e seus sentimentos choravam por inteiro.
Embora passados quatro anos, ainda nutria a esperança de um dia Adal voltar. As musicas de Lupicínio Rodrigues como: Cadeira Vazia, Ela disse-me assim, Nervos de aço e Volta, serviam para alimentar a esperança e dar um descanso no seu sofrimento. Quando o desespero aumentava lembrava de “Vingança”, “Esses moços, pobre moços” – O importante é que apesar do sofrimento, o trabalho exaustivo minimizava o sentimento da perda, ao tempo em que a constante ascensão dos seus negócios servia para manter seu ego de pé e a vontade de viver. A última notícia de que recebera de Adal foi que morava no Ceara e que seu sogro homem de posses havia se associado a ele em um grande hospital. Se fora verdade ou mentira, nunca procurou saber, como também, se vivia bem com Gloria e se tinha filhos.
Durante a semana, somente a noite rebolava na cama com os seus pensamentos voltados para Adal. Durante o dia seu trabalho não permitia que seu pensamento fosse desviado para ele. Nos Domingos é que dedicava as seções de roedeira e dor de cotovelo. Em parte aquela solidão apesar de incitar seus sentimentos, lhe dava algum consolo porque curtia a saudade do passado.
As múltiplas atividades de Marialva mantiveram o seu corpo e seu visual em plena forma. Tanto assim que a sua beleza nos anos 70 aos 32 anos, causava inveja a muitas mocinhas de 20 anos. Na cidade a disputa pela professora continuava. As apostas de quem seria o felizardo subiam a cada dia. Engenheiros das fábricas, médicos, filhos de fazendeiros ricos e até um filho de Usineiro, tentaram ancorar na Fazenda Mimosa. Presentes eram devolvidos, pedidos de visitas a fazenda eram negados e até nos bailes que existiam em um clube da cidade, faziam fila para levar um fora de Marialva. Embora tivesse aprendido a dançar com Adal, poucas vezes aceitava uma parte na dança nos poucos bailes que comparecia.
Em maio de 72 apareceu na cidade um novo gerente no Banco do Brasil. Homem de 39 anos bem apessoado e de educação refinada. Lindo era como definia as moças da cidade.Partidão, por que era viúvo. Ao chegar a cidade alugou a melhor casa pertencente da família dos Souza Leão, gente de posse na região, mas que se mudara para capital. Trouxe consigo os pais e um irmão de 15 anos que diziam ser de criação. Seus pais já ultrapassavam os setenta anos e sofriam de asma, razão porque aceitara a transferência para Bela Vista que tinha um clima favorável para esse tipo de doença. Um dia Marialva foi ao banco fazer depósito e aplicar algum dinheiro. Como era uma boa cliente o pessoal a apresentou ao Gerente. Eduardo Pedreira Simone era o seu nome. Seus pais eram baianos, sendo que seu genitor Genaro era filho de italianos radicados na Bahia. A conversa durou pouco e exclusivamente do negocio de Marialva. Eduardo ofereceu uma nova linha de credito para pequenas e medias empresas conhecidas como resolução 295 com juros fixos de seis ao ano. Era o filé do crédito no Brasil. Marialva agradeceu, mas disse que preferia continuar usando o capital próprio e aumentar o seu negócio lentamente. Convidou Eduardo e seus pais para conhecerem a Fazenda Mimosa e ver a fabricação do queijo. Eduardo agradeceu e disse tão logo tomasse pé da situação iria visitá-la, já que ela era uma das melhores clientes da agencia.
Quando voltou a tardinha para Fazenda, contou a sua mãe a novidade. D. Mimosa disse logo: Pronto minha filha esse pode ser o seu príncipe que veio para sufocar o seu amor do passado. – Nem pensar mamãe! – Não quero saber de homem nenhum, e muito menos um estranho de outras terras e de outros costumes. – Ele não é bonito minha filha? Não é viúvo? Seus pais moram com ele. Deve ser um bom rapaz. Quem sabe se você não vai terminar gostando dele. – Mãe! Ele não me veio fazer proposta de casamento. Ele quer aumentar os negócios do banco que é o papel dele, e negociar o que é bom para fazenda, que é o meu! Fim! Não se fala mais nisso. – Deixe-o para as famintas de casamento que a cidade está cheia.
No banco logo após a saída de Marialva, os funcionários mais graduados se acercaram de Eduardo. Detalharam a estória da musa de Bela Vista e até as apostas para quem conseguisse namora-la. Eduardo ouviu toda estória calado e não deu um palpite. Quando terminou ele disse: A partir de hoje esse assunto está morto dentro desta agencia. Vocês são bancários e não devem alimentar esse tipo de baixaria do pessoal da cidade aqui no banco. Quero respeito, e exercerei a minha hierarquia se ouvir ou souber que algum de vocês conversou com algum cliente esse assunto. D. Marialva é a melhor cliente da agencia. O fato de ela ser bonita, educada e trabalhadora, deveria ser mais uma razão para que o tratamento na sua ausência fosse mais respeitoso e não tratado com essa vulgaridade que vocês já se acostumaram. A vida e os problemas pessoais de cada um doravante não serão alvo de comentário enquanto aqui estiver. Quanto ao Senhor seu Veloso, não aceitei minha transferência para a arranjar um casamento, mas para tratar da saúde de meus pais. Não meta meu nome nessa canalhice de apostas a respeito de D. Marialva. De hoje em diante ela será tratada como D. Marialva, e esqueçam o você. Entre os funcionários existia um operador de máquina que se casara em Bela Vista com uma colega de Marialva do grupo escolar. O casal Agenor e Lúcia tinha uma filhinha de um ano e D. Mimosa era a madrinha. Vez por outra eles iam a fazenda nos domingos e almoçavam com D. Mimosa ao tempo em que mostrava a criança as criações e a fábrica de queijo. Eram pessoas educadas e faziam parte do circulo restrito de amizade de Marialva.
Na semana seguinte debaixo do maior segredo, Agenor e Lucia contaram a Marialva o ocorrido no banco. Agenor falou que Eduardo era uma pessoa boa, mas muito exigente no serviço. Metódico doente arrumava seu birô de meia em meia hora. Não admitia uma cadeira fora do lugar. Entenda-se fora do lugar, quando não estava com o encosto paralelo a linha da mesa.Não admitia atendentes com o cotovelo em cima do balcão. Diariamente, reunia-se com todos os colegas impreterivelmente às oito horas e definia todas as ações do dia. Trazia escrito em uma folha de papel datilografada e a pendurava no quadro de avisos. Após a reunião colocava na sala da copa, recinto proibido para clientes. Ali estava escrita nominalmente a tarefa de cada um. Alguns funcionários estavam revoltados e já planejavam boicotar seu trabalho. Agenor pessoalmente se dava bem com ele porque também era uma pessoa muito organizada, embora não fosse um doente por organização. D. Mimosa e Marialva ficaram pasmas com o que ouviram.
No meio da semana Marialva foi ao banco e estranhou o tratamento cerimonioso dos funcionários. Dona Marialva pra cá, dona Marialva pra lá, a senhora precisa disso, a senhora precisa daquilo etc. Brincando falou bem alto: o que é que há? Por acaso envelheci tanto essa semana? Que estória é essa de senhora e dona ? Ouve um silencio geral. – Eduardo ouviu tudo. Aproximou-se dela e pediu que fosse até a gerencia. Lá explicou que dera uma ordem para tratar todos os clientes com maior respeito e dignidade que eles mereciam. Era o novo modelo do Banco do Brasil. Para isso fora treinado em Brasília e que aquilo era uma das maneiras de tirar da cabeça dos clientes que eles eram funcionários públicos e sem dono. Marialva balançou a cabeça e disse: Seu Eduardo, não tenho nada há ver, nem entendo de organização de banco, mas se o senhor me permitir, acho que esse tratamento aqui em Bela Vista vai afastar os clientes. – Eduardo caiu em si da besteira que dissera para justificar o tratamento, já que a causa fora exatamente a fofoca em torno de Marialva. Como não podia falar a própria, empulhado saiu com aquela imbecilidade. – D. Marialva me desculpe, se a senhora quiser o tratamento continuará o mesmo, porque no BB quem manda é o cliente. Por favor, não me chame de senhor. – E você também não me chame de senhora. – O riso sem graça brotou no rosto de ambos. Para diminuir o incomodo, Marialva o convidou para conhecer a fazenda no domingo.
No domingo Eduardo, Seu Genaro, D. Lídia, e o irmão Ricardo foram almoçar na fazenda. Cerimonioso, Eduardo beijou a mão de D. Mimosa e em seguida fez as apresentações. Logo após D. Lídia foi dizendo para D. Mimosa: Mimosa não me chame de senhora e nem a Genaro de senhor. Esse meu filho é muito cheio de salamaleques porque estudou fora e por isso acha tudo falta de respeito. A risada foi geral e descontraída. Logo em seguida, Marialva convidou seu Genaro e Ricardo para conhecerem a Fazenda. D. Mimosa ficou com D. Lídia, pois já não agüentava aquele repuxo de andar pelos matos. Logo que os três saíram, D. Lídia começou a contar a sua vida, sua doença e a viuvez precoce do filho. Disse que Eduardo perdera a mulher com dois anos de casados no parto do primeiro filho. Por essa razão vendeu tudo que tinha em Brasília e voltou para Salvador para morar com eles. Como os médicos recomendaram para o casal um clima de agreste, tinha aparecido a oportunidade de vir para Bela Vista, local que se falava muito do clima. Falou que depois que chegara, nem ela nem Genaro tiveram uma crise de asma e que já não tomavam o remédio nem usavam a bombinha. Como nossa família é muito pequena, se nossa saúde continuar assim, pretendemos morar definitivamente em Bela Vista. Mandaremos Ricardo para estudar em Recife assim que ele acabar o curso secundário. Venderemos nossos imóveis em Salvador e compraremos em Recife. Eduardo pode administrá-lo daqui ou mesmo se for transferido para o Recife. A estrada para lá é asfaltada e em hora e meia de automóvel chegamos lá. Aqui tem um bom hospital e qualquer emergência sabemos que teremos bom atendimento. D. Mimosa por sua vez contou a estória da sua viuvez e o ocorrido com Marialva.
Pelo meio dia os visitantes chegaram. Eduardo foi até o carro tirou um isopor com gelo e 4 garrafas de vinho Chateneuf Du Pape e mais duas de vinho verde Casal Garcia. Perguntou se Marialva e D. Mimosa apreciavam o vinho, já que era sua bebida predileta e muito própria para o clima de Bela Vista. Marialva disse que a única bebida que tomara na vida fora Champangne, e assim mesmo só no Natal e Ano Novo. Agradeceu o presente e disse que iria experimentar de imediato. Pediu que a empregada tirasse da cristaleira as taças e a Eduardo que servisse, já que ela não sabia os limites dessa bebida. O vinho verde foi servido e Eduardo fez um brinde a todos os presentes. D. Lídia disse que não beberia por conta da asma, já seu Genaro virou a taça como se fosse água. Marialva e D. Mimosa tomaram meia taça. Marialva a principio não gostou, mas depois da segunda taça sentiu uma sensação diferente, o que fez tomar a terceira taça. Sentia-se alegre e muito sorridente, fenômeno que há muito tempo não experimentara. Eduardo disse, que ela parasse por ali, já que não tinha costume e poderia não se sentir bem posteriormente. Ela agradeceu e seguiu seu conselho e todos foram almoçar. O almoço foi descontraído embora Eduardo, diferentemente de seus pais continuasse cerimonioso. Findo o almoço, Seu Genaro agradeceu e disse que nunca havia comido uma galinha de cabidela tão gostosa e convidou Marialva e D. Mimosa para jantarem um dia na casa de seu filho. O convite foi aceito e ficaram de marcar a data posteriormente. Em seguida se despediram e foram embora.
A noite depois de uma bela soneca, D. Mimosa e Marialva conversaram a respeito dos visitantes. Marialva disse que iria experimentar o vinho tinto no jantar, pois aquele que tomara foi muito bom para ela. D. Mimosa falou da tragédia de Eduardo e depois comentou novamente que seria um bom casamento para Marialva. – Não mãe! Tire isso da cabeça. Só amei e ainda amo um homem na minha vida. Se algum dia ele voltar estarei a sua espera de braços abertos. Já o perdoei, só não perdoarei nunca aquela vagabunda que deu a ele aquilo que eu só daria depois de me casar. – Pare com isso Marialva! Isso não são termos para uma moça como você minha filha! Esqueça Adailton, reconstitua sua vida. – Minha vida já está reconstituída minha mãe, só falta Adal voltar! Um dia ele voltará! Tenho certeza disso.
Eduardo ficara impressionado com Marialva, mas D. Lídia contara o que ouvira de D. Mimosa e principalmente o amor que ela ainda nutria pelo ex-noivo. A conversa que Eduardo tivera no banco com os funcionários vazou e os comentários na cidade recrudesceram. As apostas na loteria de Marialva tomaram novo vulto depois que todos souberam de sua visita com os seus pais na fazenda. As línguas ferinas diziam que agora ela iria desencalhar com véu e grinalda e que o arrogante gerente do banco iria comer pão com banha, expressão chula usada no baixo meretrício da cidade para mulheres que recebiam parceiros seguidos.
Aos poucos Eduardo foi gostando de Marialva, independente de que ela gostasse dele ou não. Pairava em sua cabeça os primeiros comentários que ouvira na cidade a respeito da virgindade de Marialva. As vezes pensava que ela realmente era uma virgem, outras vezes achava que ela não casara justamente porque fora desvirginada. Estranhava porque ela sabendo de tudo que falavam dela nunca havia processado ninguém por difamação e calunia. Se viesse a amá-la realmente, antes de casar queria por tudo a limpo. Não aceitaria ser enganado, já que com Eunice sua primeira mulher, ambos haviam casado virgens. Fazia seus planos e não pensava nem levava em consideração o que Marialva pensava dele. Achava que uma proposta sua seria irrecusável, face ao seu currículo profissional e moral.
Um dia um antigo colega, Mauricio que hoje era Gerente Geral em Fortaleza telefonou para saber dele e como estava se virando para viver em uma cidade do interior.Depois de viver tanto tempo em Brasília como se acostumaria com o marasmo do interior. Perguntou se seus pais realmente melhoraram da asma e se ele já havia se conformado em matar a sua ascendência no banco. Conversa vai, conversa vem, perguntou se conhecia em Fortaleza um medico cirurgião que já vivera em Bela Vista. Na mesma hora Mauricio falou: Me lembrei de você por causa dele. O hospital dele e do sogro é nosso cliente. Sua esposa é ex-funcionaria do banco e já trabalhou ai em Bela Vista. Ele é gente muito boa, mas ela é a mulher mais chata que conheci em minha vida. Mete-se nos negócios do hospital, é a procuradora do Hospital e da conta particular do Dr. Adailton. É metida a saber de finanças e enche o saco da gente aqui. Agüento tudo porque é uma senhora conta além de uma bela carteira de aplicações. Ela é bonitona, anda que parece a rainha da Inglaterra, arrogante, antipática e tem um ciúme doentio do Dr. Adailton.
Um dia desse ele me fez confidencias no clube onde somos sócios e vez por outra enchemos a cara para desaparecer. Disse-me que Gloria não quer ter filhos para não perder a forma física e ai ele se bandear para as raparigas. O homem é um ferrolho, nunca pulou a cerca, mas a desgraçada vive dizendo a minha mulher que ele tem outra. Por conta disso todo domingo o pobre toma um porre com o sogro, que é um velho rico e gente boa. Tem muitas fazendas, e duas industrias e fez o hospital só para filha não ficar longe dele. É louco por um neto, e não acredita que é a filha que não quer. Pensa que é desculpa dela porque provavelmente tem algum problema para emprenhar. Já ofereceu para os dois fazerem tratamento na Europa as custas dele e ela recusou, dizendo que não tinha problema. Adailton me disse que ela toma anticoncepcional, mas que está planejando trocar os comprimidos por placebo e ver o que vai acontecer. – A conversa continuou e Mauricio perguntou qual o interesse dele pelo médico. – Nenhum, respondeu Eduardo. Apenas porque a ex-noiva dele é uma das melhores clientes da agencia e a cidade inteira fala no doutor e no romance dele com ela. – Vou dizer a ele. – Não! Falou Eduardo. Não diga nem que telefonou para Bela Vista. Já tive problemas demais com os funcionários por conta de fofocas envolvendo o bom nome de D. Marialva. Não quero perder sua conta. Esqueça tudo que lhe falei.- Falaram mais algumas amenidades e desligaram.
Adailton apesar da vida confortável que levava, via que seu casamento não duraria muito. Desde que se casara em grande festa em Fortaleza, sentira que seria um boneco nas mãos de Gloria. No principio muito sexo, viagens, festas, dinheiro, prestigio e luxo. Aos poucos o ciúme doentio de Gloria, fez com que sua paixão fosse esmorecendo enquanto o remorso e a saudade de Marialva caminhavam todas noites no seu pensamento. Costumava ouvir as músicas prediletas dela e sempre relia alguns livros de Eça de Queiroz que tanto Marialva comentava. Achava que uma criança seria a solução para apaziguar aquele marasmo de vida. Embora vivesse no meio de tanta gente que gostava dele, era um solitário. Não existia e nem nunca existira amor naquele casamento. A paixão ensandecida findara logo após a lua de mel. Vinha suportando por conta da atenção do seu sogro que o tratava como a um filho. Gloria vivia se esfregando nele em todo canto e via fantasma de mulheres em tudo que era lugar. Brigavam quase todas as semanas e ele nunca tinha tido nenhum caso com uma mulher, embora não faltassem inclusive amigas de Gloria que investiam para cima dele. Quando falou a Gloria que queria um filho e que este seria a solução para acabar com a monotonia do casamento, ela deu um histérico tão grande que Adailton terminou chamando sogro para acalmá-la.
Passado oito anos de casados, resolvera falar em particular com o sogro. Disse que Gloria não tinha nenhum problema para engravidar, pois quando ela fizera o exame preventivo, pedira a sua colega medica que fosse mais além e visse se havia algum problema. Que ele próprio também fizera todos os exames e que não existia nada que impedisse uma gravidez no primeiro mês que Gloria deixasse de tomar a pílula. O velho sogro ficou surpreso. Foi ai que Adailton disse que estava pensando em trocar as pílulas por placebo sem que ela tivesse conhecimento. Queria, no entanto a concordância dele, porque se ela descobrisse o casamento se acabaria. O velho sogro vibrou de alegria e concordou de imediato. – Você já deveria ter feito isso a há muito tempo meu filho. Você é um homem muito bom, se fosse comigo eu já teria me separado. Onde já se viu casal sem filho? Mande brasa, fica tudo entre nós, não diga a ninguém e deixe a bronca comigo.
Adailton preparou o placebo com um envelope da mesma marca que ela tomava. Deixou na mesa de cabeceira e ficou observando ela tomar todos os dias. Não esperou 40 dias e Gloria começou a vomitar e reclamar o atraso do seu ciclo. Muito irritada pela primeira vez ela desconfiou da gravidez. A noite ao deitar-se disse a Adailton que estava desconfiada que estava grávida. Disse que não esquecera um dia de tomar os comprimidos mais sentia que o comprimido havia pifado. Adailton alegou que as mulheres que tomavam comprimido por muito tempo, isso poderia acontecer. No dia seguinte ela foi à ginecologista. Saiu em prantos do consultório e foi direto para sala de Adailton. Estava grávida e a ginecologista se negara a fazer o aborto. Adailton teve vontade de esmurra-la, mas conteve-se, abraçou-a e beijo-a felicitando-a pela boa nova. Ela o empurrou e disse: Arranje um medico para fazer o aborto seu miserável! – Não! Disse Adailton exasperado. Vou agora mesmo telefonar para teu pai avisando a boa nova. Quero ver se você vai ter coragem de falar dessa maneira com ele. – Ligou para o sogro comunicando e passou o telefone para ela. Enquanto o velho vibrava de alegria do outro lado da linha ela blasfemava baixinho do lado de cá. O velho saiu da fábrica, encheu o carro de flores e dirigiu-se para casa deles para esperar a filha. Quando chegaram, ele correu para filha chorando e a abraçou dizendo: finalmente, finalmente! Deus ouviu minhas preces e eu vou ter um neto. Gloria chorava muito e o seu pai pensava que era de alegria. Depois de algum tempo de beber alguns copos de uísque com o genro, Gloria já estava mais calma, porem com os olhos vermelhos de ódio. O pai a acariciava, enquanto falava na festa do batizado da criança quando nascesse. À medida que as coisas foram se acalmando, Gloria falou: Pai eu não quero esse filho. – O que minha filha! Isso é uma blasfêmia! Peça perdão a Deus pelo que você falou. Uma dádiva dessa se recebe de joelhos e se agradece pelo resto da vida. Você vai ter essa criança e quem quer agora sou eu! Não se fala mais nesse assunto. Ponto final. Nunca pensei que tivesse criado minha única filha para se tornar um animal. Se sua mãe fosse viva teria a amaldiçoado.Chorando retirou-se. Nunca havia falado dessa maneira com ela.
Quando o pai saiu, disse friamente para Adailton: Se você não arranjar o medico, eu mesmo darei cabo desse infeliz. Adailton respondeu-lhe calma e friamente: Se não tiveres a criança, também não terás um marido. Se você fizer alguma coisa contra essa criança, eu mesmo a processarei e depois nunca mais você me verá. Nunca pensei que tivesse casado com uma fera assassina.
Naquela noite Adailton sentiu como jogara fora a sua vida. Trocara a felicidade por um instinto animal. Pela primeira vez na vida viu como o homem é frágil, desprotegido e cego. Sentiu que a paixão é irmã gemia da desgraça, mestra da inconsciência e companheira inseparável dos fracos e covardes. Marialva! Marialva! Meu amor, onde estais?...A balada do desespero seguia seu curso...
Em Bela Vista, a amizade das famílias de Eduardo e Marialva se estreitavam dia à dia. Eduardo na sua prepotência burra achava que assim que estivesse convicto que deveria casar com Marialva, era só chegar e casar. Em hora alguma admitiu em seu cronograma de pensamentos uma recusa de Marialva. Tratava-a como uma cliente do banco e mantinha uma relação de alto nível, porem muito distante daquela em que um homem que tem intenções amorosas com uma mulher. A perda abrupta de sua primeira esposa tornara-o um homem frio e enigmático. Embora houvesse empurrões de sua mãe por um lado, e de D. Mimosa junto a Marialva pelo outro, não fazia nenhum comentário a respeito com D. Lídia.
Marialva, no entanto, começara a se afeiçoar um pouco a Eduardo. Gostava de conversar com ele talvez mais pelos seus conhecimentos e idéias para o seu negócio, do que como um homem que poderia um dia namorar. Embora fisicamente fosse um homem atraente, existia alguma coisa que nele, que ela não sabia qual era, mas não apreciava. Um dia sem sentir falou de Adailton por conta de um problema que houve com um medico do Inss. A conversa se arrastou e ela terminou entrando em pormenores do seu noivado. Eduardo sem sentir também soltou que seu colega de Fortaleza era amigo de Adailton e que este lhe dissera que ele era apaixonadíssimo pela mulher. Que viviam muito bem, eram riquíssimos e como ela, o melhor cliente da Agencia de Fortaleza. Marialva estremeceu diante da frieza com que Eduardo falou, mas controlou-se, desconversou e voltou para fazenda. Em casa sentiu pela primeira vez ódio de Adal. Não imaginava que fosse um homem tão fraco. Não admitia em sua cabeça que aquele homem que tão bem conhecia pudesse depois de oito anos vivendo com aquela mulher estivesse feliz. Na hora achou Eduardo indelicado, mas depois nutriu uma pequena simpatia pelo fato de ele deixar transparecer que o seu caso com Adal era coisa do passado e já resolvido, diferentemente dos demais habitantes da cidade.
Em dezembro de 1972, o horror no mundo, os tele-jornais e jornais de fim de ano mostravam a escalada da miséria e da desgraça. A guerra do Vietnã tomou o rumo do genocídio. Os americanos batiam em retirada e incendiavam vivos os Vietcongs. Fotografia de uma criança nua queimada por bombas de napalm eram estampadas nas primeiras páginas. Nas Olimpíadas de Munique os terroristas mulçumanos seqüestraram judeus e ouve uma verdadeira carnificina. Seqüestradores e reféns mortos enlutaram as Olimpíadas e o mundo. Elis Regina cantava seu novo sucesso “águas de março”, e na cinematografia O poderoso Chefão com Marlon Brando mostrava a verdade mafiosa dos Estados Unidos.
Eduardo mais assíduo na fazenda discutia com Marialva a situação do mundo. Ele favorável a intervenção americana por ser contra os comunistas. Impregnado da doutrina da ditadura, Eduardo via subversão em todos os cantos inclusive em Bela Vista. Marialva rebatia e dizia que os militares estavam torturando e matando idealistas no Brasil. Deu uma lição de historia a Eduardo. Falou da revolução de trinta e trinta e cinco. O Estado Novo quando o ditador Getulio mandou por 15 anos. Falou a respeito da covardia de Getulio antes de aderir aos Aliados extraditando Olga Benario, para que morresse nos campos de extermínio da Alemanha Nazista. A ditadura de Getulio além de perseguir os opositores era fascista e sanguinária.
No canto da sala Seu Genaro ouvia a aula dos acontecimentos que ele mesmo havia vivido. Ficou impressionado com o conhecimento da “professorinha” de interior. Ouvia os argumentos a favor da igualdade de direitos dos cidadãos brasileiros. Entusiasmada, Marialva ficava vermelha e parecia está fazendo um discurso em comício político. Falou que o mundo evoluiu com a revolução francesa e com o antagonismo entre as doutrinas comunistas e capitalistas. O fato de existir a oposição, fazia com que cada lado procurasse evoluir mais e mostrar a sua superioridade. Daí é que nasceu o desenvolvimento e a tecnologia. No Brasil, no entanto a oposição era estraçalhada pela força ou Atos Institucionais que cerceavam a liberdade de imprensa e até de musicas da bossa nova. Compositores, escritores e artistas eram presos, torturados e expulsos do país. A liderança emergente era composta de imbecis e filhinhos de papai, colaboradores da corrupção e da tortura. “ Dedos duros”, nome dado aos calabares e denunciadores. Enfim o Brasil progredia numa grande bolha, e assim que ela estourasse as dividas e a miséria iria fazer parte do nosso cotidiano.
Eduardo ficava calado ouvindo perplexo a professora que ele pensava ser uma pessoa frágil e desamparada. Aos poucos percebeu que seus cursos no Banco do Brasil e a Faculdade de Economia, não lhe deram nenhum respaldo para sequer discutir com aquela frágil professorinha. Viu ai a razão de seus negócios estarem a pleno vapor. Era simplesmente uma mulher admirável.
Marialva logo se convenceu de que Eduardo não passava de um metódico almofadinha, com conhecimentos do novo mercado financeiro e dotado de uma cordialidade formal e artificial. Isso era próprio dos gerentes de bancos na época, que recebiam cursos e mais cursos no intuito de mascarar as pessoas e torna-las bonecos do mercado de capital.
Vez por outra Marialva lia a Gazeta Mercantil que ficava na gerencia do Banco. O Jornal chegava sempre com dois ou três dias de atraso e ao que tudo indicava, ninguém na agencia inclusive Eduardo fazia uso daquele importante noticiário. Um dia Marialva perguntou a Eduardo o que faziam daqueles jornais após a leitura. Eduardo disse que de oito em oito dias ia pra o lixo. Marialva então se propôs a comprá-los. Eduardo estranhou na sua santa ignorância e disse: vou mandar para você todos os dias após o expediente. A noite Marialva lia o jornal de cabo à rabo. Aos poucos foi se inteirando do mundo financeiro, nacional e internacional. As leis, mercado e até as descobertas cientificas. Em pouco tempo começou a mexer nas suas aplicações com uma desenvoltura que todos ficaram admirados. Os rendimentos financeiros auferidos aumentavam geometricamente. Até Eduardo pedia conselhos para suas aplicações particulares. Quando começou o fundo de investimentos em ações Marialva entrou pesado. Quando já havia triplicado seu capital, caiu fora. Muita gente entrou bem naquela época. As perdas com o afundamento do mercado fez muita gente rica ficar pobre da noite para o dia. Marialva, no entanto saiu na hora certa. Três meses antes da Bolsa implodir. Com uma pequena fortuna na época comprou três apartamentos em Recife. Um mobiliou e deixou fechado para quando quisesse ir a Recife passar fim de semana com D. Mimosa, ou mesmo quando ia só para resolver negócios. Os outros dois alugou. Os três ficavam no mesmo prédio e estavam localizados na praia de Boa Viagem.
Em junho de 74, Marialva resolveu fazer uma festa de São João em sua fazenda para comemorar a reforma que fizera na casa e o sucesso de todos os seus negócios. Fizera mais duas suítes e cercara toda a casa com terraços espaçosos. Fez uma grande fogueira enfeitou a casa com balões e bandeiras, e encheu a sala de comidas típicas. Chamou seus poucos amigos, as professoras do grupo escolar, os colegas do Insp, Eduardo e família, seu tio com os filhos, Agenor e Lucia e todos os empregados da fazenda com suas respectivas famílias. Na frente da casa em redor da fogueira fez um palanque para dança e montou diversos toldos com cadeiras e mesas. Comprou bons vinhos, agora que já se acostumara a bebe-los moderadamente. A redemocratização começara em Bela Vista.
Eduardo havia marcado consigo mesmo que seria o dia em que falaria com Marialva para namorarem. Embora estivesse certo que jamais seria recusado, nunca dera a entender nem com um simples gesto suas intenções. Continuava o almofadinha formal e cerimonioso de sempre, incapaz de avançar em uma conversa mais íntima, como se ele fosse o sol e Marialva um planeta.
Já passava das onze horas, quando o vinho já havia subido a cabeça de muita gente quando Eduardo chamou Marialva para uma conversa em particular. Sentaram-se em duas cadeiras afastadas do barulho da sanfona e começaram a conversar. Diga Eduardo o que você quer me falar com tanto segredo. – Marialva, acho que a partir de hoje já podemos ser namorados. Convivemos há dois anos em perfeita sintonia e somos pessoas livres. Temos o mesmo nível social, nossas famílias se entendem muito bem, eu tenho por você a mais profunda admiração, como mulher, empresária e lutadora, além de muito culta e inteligente. Existe apenas uns senões que poderemos passar a limpo no futuro assim que nossa relação mais íntima for se desenvolvendo até o noivado. – Marialva ouviu tudo silenciosa, sentindo que parecia que ele estava lendo um pedaço de papel. Quando ele parou de falar ela disse: Eduardo pelo que você falou parece que alguma coisa o impedia antes de namorar comigo. Não entendi bem, mas creio que você se esqueceu da coisa mais importante. Você acha que eu estou querendo lhe namorar? Alguma vez eu deixei escapar nas entrelinhas que tinha essa intenção? Alguém lhe falou que eu gostaria? Além do mais, a peça mais importante nesse tipo de relação não foi mencionada. O amor. De onde você tirou essa idéia de que a minha admiração é uma prova de amor? Tenho você como um amigo e um parceiro de negócios, falta muita estrada para que haja entre nós alguma coisa mais do que isso. Como toda a cidade sabe, sou uma mulher que ainda espera pelo seu primeiro namorado. Sofro muito, e tudo isso que construí foi uma válvula de escape para minorar meu sofrimento. Encher o meu tempo com coisas úteis e ao mesmo tempo dar trabalho e sustento a vinte famílias já que esse governo que ai está não faz nada. Meus dois empregos e a pensão do meu pai daria perfeitamente para viver tranqüilamente. Respondendo com suas palavras, a partir de hoje ainda não podemos ser namorados. Podemos continuar amigos. E como entre amigos não há segredos, gostaria que você me adiantasse agora os senões que você gostaria de passar a limpo no futuro. – Eduardo ficou branco, mas não teve saída. – Marialva como você sabe, toda a cidade acha que você não é mais virgem e vivem lhe detratando por traz das portas. Nunca vi sair de sua boca uma reação a esse tipo de comentário, nem tampouco você jamais processou ninguém por difamação e calunia que é um direito seu. Quando cheguei aqui no banco, no primeiro dia que você esteve na agencia, vieram me contar toda a sua vida. Por essa razão obriguei que todos os funcionários lhe tratassem por senhora e proibi sob pena de suspensão qualquer comentário a respeito da sua vida particular. Alguns clientes tentaram por diversas vezes contar os fatos ocorridos com você e por pouco não tive maiores aborrecimentos ao reprimi-los com veemência. Todos, no entanto afirmavam que você tinha conhecimento inclusive das apostas de quem seria o próximo a namorar a professora. – Marialva o interrompeu e disse: E você Eduardo, o que pensa a respeito? - Eu não penso nada Marialva, mais gostaria que você me desse a versão verdadeira. – Se sou ou não sou virgem, interferiria em um futuro relacionamento com você? - Acho que não, no entanto se você é virgem, deveria fazer um exame e com o atestado entrar na justiça e processar criminalmente todos os seus caluniadores. – E isso mudaria em que na minha vida? A humilhação de um processo desse nível seria o mesmo que rasgar uma ferida que já está quase cicatrizada. Além do mais, minha médica ginecologista daqui de Bela Vista, sabe a resposta que todo mundo quer saber. - Mais uma médica daqui ninguém acreditaria. – Eduardo eu não estou preocupada com o que o povo pensa ou acredita, não me interessa a opinião de ninguém se sou ou não sou virgem. Além do mais se algum dia alguém me amar de verdade não vai se incomodar com o que o povo pensa ou deixa de pensar. Se fosse assim, viúva não casava de novo. Você acha justo que só as mulheres devem casar virgem? Por que os homens não? Pela constituição e perante Deus não temos os direitos iguais? – É diferente Marialva, o homem sempre foi solto para fazer o que quiser, isso é um costume e uma tradição. Não vamos discutir esse assunto. Já que não sou seu namorado, mas sou seu amigo e como você disse que entre amigos não existem segredos, me responda: você é virgem? – Se algum dia você namorar comigo, noivar e casar, na noite de núpcias saberá, porem nunca por um atestado ou pela minha boca. – O seu particular terminou Eduardo. Sirva-me uma taça de vinho e vamos dançar em seguida. Fiz essa festa para me divertir, não para receber pretendentes. Logo depois foram dançar até o amanhecer. A festa foi um sucesso.
Embora Marialva houvesse recusado, estava inclinada a aceitar um namoro por experiência com Eduardo. Dependendo da sua insistência experimentaria se relacionar com outro tipo de homem diferente de Adal. Uma coisa ela estava certa. Não o amava, apenas o tolerava.
Dois meses depois, após muitos pedidos, Marialva aceitou namorar Eduardo. Advertiu, no entanto que continuava amando Adal e se ele chegasse algum dia, o seu namoro estava terminado. – Mesmo ele sendo um homem casado? – perguntou Eduardo. – Mesmo assim. – respondeu friamente Marialva.
Em Fortaleza a tragédia de Adailton se aproximava. Glória tentou com todos os médicos que conhecia, fazer o aborto. Como todos eram amigos de Adailton, ele tomava conhecimento tão logo ela saía do consultório. Desesperada procurou uma parteira na periferia de Fortaleza e partiu com bastante dinheiro para praticar o crime. Numa casa imunda, uma senhora mal encarada a atendeu. Falou das suas intenções e a senhora pediu um alto valor por se tratar de gente da sociedade. De imediato Gloria pagou e se dirigiu para uma sala onde tinha uma cama de hospital enferrujada. Em poucos minutos os ferros traziam o feto seguido de uma hemorragia de grandes proporções. A senhora depois de algum tempo viu que não conseguiria conter a hemorragia, disse que ela pegasse um táxi e fosse imediatamente para o hospital. Ensopada de sangue, Marialva entrou no táxi, e pediu que a deixasse no hospital de Adailton. Quando chegou já estava praticamente sem sangue. Foram feitas inúmeras transfusões, mas em duas horas ela não resistiu e faleceu. Adailton e o sogro entraram em desespero, nada mais poderia ser feito. Ambos se acharam culpados por não ter levado Gloria para um tratamento psiquiátrico.
Gloria foi sepultada com o acompanhamento de toda sociedade. O crime foi escondido dos jornais, mas toda sociedade sabia. Depois da missa do sétimo dia, Adailton comunicou ao sogro que não tinha mais condições de ficar em Fortaleza. Iria embora e deixaria uma procuração com ele para que ficasse com tudo que ele tinha direito. O sogro não aceitou e disse que ele é que deixaria tudo para Adailton. Depois de discutirem muito, Adailton deu uma idéia de transformar o hospital em uma fundação. O sogro concordou, mas com uma condição. Adailton aceitaria uma quantia de 500.000 dólares para recomeçar sua vida, comprar um bom apartamento em Recife, e fazer uma viagem para repensar a sua vida. Disse ainda que iria visitá-lo sempre que pudesse e que Adailton fizesse o mesmo com ele, já que agora ambos seriam dois solitários.
Em Bela Vista o namoro de Eduardo e Marialva, continuava. Até então Marialva não lhe permitira um único beijo na boca. Ficavam de mãos dadas, e nas despedidas um beijo na face e nada mais. Eduardo se irritava com ela e toda vez que ela recusava um carinho novo ele perguntava se Adailton nunca o fizera. Calmamente ela dizia: Você é Adailton? As recusas fizeram Eduardo pensar que ela queria era noivar logo. Quando ele falou o que pretendia, ela disse que nem pensasse no assunto, porque se ele viesse com esse pedido, não só recusaria o noivado como acabaria o namoro. Aqui e ali sempre ela propunha voltar a ser bons amigos em vez de insossos namorados. Ele achava que não porque a essas alturas já estava apaixonado e se dependesse dele nem noivaria, casaria imediatamente.
Um dia Mauricio ligou para Eduardo e contou a desgraça que se abateu na vida de Adailton. Falou que ele vendera tudo ao sogro e fora morar em Recife. Antes, porém havia pedido que lhe ligasse e perguntasse se D. Marialva havia casado. Eduardo respondeu que ela se casara recentemente e era muito bem casada. Falou mais alguma coisa e desligou. Junto de Eduardo na ocasião do telefonema estava Agenor que percebera toda a conversa. Eduardo ficou tão atormentado que não se deu conta da presença de Agenor.
Na mesma noite Agenor contou o ocorrido a Lucia e resolveram ir até a Fazenda avisar a Marialva. Antes de ir se certificaram de que Eduardo não iria. Era seu costume ir namorar apenas nos Domingos, quartas e sextas. Era uma quinta feira, mas por via das dúvidas, o casal passou em frente a casa de Eduardo para se certificar que ele não havia ido para a Fazenda. Como ele ia sempre por volta das 19:30, esperaram até as 21 horas. Depois partiram para fazenda. Quando chegaram, D. Mimosa já estava dormindo, Marialva, no entanto estava lendo no terraço. De início chegou a se assustar quando viu os faróis do carro. Quando o casal saltou, ela perguntou logo o que havia ocorrido. Agenor contou detalhadamente o telefonema que ouvira. Falou que Gloria havia morrido e que Adailton estava de volta ao Recife. Por fim disse que Eduardo havia dito ao colega que ela estava casada e muito bem casada. Marialva prometeu não revelar nada a Eduardo para evitar alguma represália contra Agenor. Pediu, no entanto que lhe fornecesse o telefone da Agencia em Fortaleza, que ela iria ligar para lá se passando por outra pessoa, para saber o endereço de Adailton em Recife.
Seu Souza e D. Amália foram esperar seu filho no aeroporto. Adailton que seis meses antes tinha apenas cabelos grisalhos estava com a cabeleira totalmente branca. De longe D. Amália quase não o reconhecera. Muita emoção reuniu novamente a família. Em casa depois de contar a triste estória em detalhes, Adailton falou de seus planos. Disse que iria comprar um apartamento perto deles ali mesmo em Boa Viagem. Explicou que queria morar só, porque havia combinado com seu sogro, ter um lugar a disposição dele em Recife, já que agora os dois iriam sempre que possível visitar um ao outro. Embora o Sr. Américo, seu sogro, fosse um homem forte, sua vida de sucesso comercial fora sempre abalada por grandes tragédias. Perdera a mulher e o único irmão em um acidente, e no entardecer da vida sua única filha daquela maneira. Por essa razão, combinara que vez por outra eles iriam se visitar, e queria está preparado para lhe oferecer o maior conforto possível. Quanto a sua vida profissional, conseguira sua transferência para Recife no Inps e iria tentar se associar novamente com os colegas que se desligara quando fora embora para Fortaleza.
Logo após comprar e ir morar no apartamento, Adailton entrou em contato com os colegas e fez proposta para retornar a sociedade no hospital. Foi aceito e muito bem vindo, já que o hospital carecia de capital de giro para ser expandido.
Duas semanas depois de recomeçar a sua vida, Adailton ligou para Mauricio do Banco do Brasil em Fortaleza. A notícia que recebeu a respeito do casamento de Marialva deixou-o desolado. Não porque ela tivesse se casado, mas por ter se casado há tão pouco tempo. A gravidez e o desenlace da tragédia com Gloria fizera com que ele deixasse de pensar em Marialva até a missa de sétimo dia. Logo que voltou a Recife, todas as noites se recriminava de nunca ter levado seus pais para Bela Vista para conhecer Marialva e D. Mimosa. Esperava fazê-lo um pouco antes do casamento, já que os seus pais só podiam se ausentar nos fins de semana. Se tivesse havido um maior relacionamento entre as famílias, Marialva com certeza teria alimentado a amizade, mesmo depois do rompimento do noivado. Toda noite colocava no seu som as musicas prediletas de Marialva. Sozinho na varanda olhando para o mar, relembrava suas noites em Enseada e nas noites de lua seus passeios na praça de Bela Vista, logo no início do namoro. A saudade corroia-lhe a alma. Ouvindo Ataulfo Alves, “o arrependimento quando chega, faz chorar oi! Faz chorar ! – A música o levava ao devaneio triste e solitário. Na imensidão do seu pensamento olhava aquele céu estrelado de Bela Vista que com Marialva dividia os pedidos de cada estrela cadente.Beijo puro de um amor sincero, juras de amor, relembradas com saudade e curtidas com as lágrimas do arrependimento. No outono da vida, perdera a esperança da primavera do amor...
Marialva não dormiu naquela noite. Por um lado sentia pena da desgraça de Gloria e pelo outro odiava Eduardo pela sua falsidade. Ao mesmo tempo voltara a sentir a felicidade, que era tanta, que não sabia como gastar. Adal ainda a amava, não se esquecera dela. Deveria estar no fundo do poço e ela iria traze-lo de volta a vida.
No dia seguinte as 19:00 como um relógio, Eduardo chegou. Recebeu-o friamente sem sequer deixasse que a beijasse na face. A estranha recepção deixou Eduardo intrigado. Sentaram-se no terraço sem que nenhuma palavra fosse pronunciada. Depois de algum tempo, Eduardo falou: Querida estais preocupada com alguma coisa? – Não Eduardo. Estou morrendo de saudade de Adal. – Que tipo de mulher você é! Como ousas falar desta maneira comigo? – Ouso e falo o que quiser e me der na cabeça! Quando começamos esse namoro, lhe avisei que amava outro homem. Continuo amando-o e o amarei por toda a vida. Não sei como suportei sua mediocridade por tanto tempo. Hoje resolvi por fim a essa farsa. Aqui e agora termina tudo que nunca começou. De hoje em diante nossas relações poderão ser unicamente comerciais se você quiser, em caso contrário amanhã mesmo encerrarei todos os negócios com o banco. Boa noite Eduardo!- Eduardo foi embora alucinado. Jamais esperaria uma atitude tão estúpida da doce e encantadora Marialva. A caminho de casa seus pensamentos se moviam para razão de tanta revolta de Marialva. Naquele cérebro diminuto e lavado pela ditadura nada além de um complô comunista poderia ter levado Marialva aquela atitude. Antes de chegar em casa resolvera ligar no dia seguinte para seu amigo “revolucionário” e denunciar Marialva como subversiva. Desde a festa de São João que desconfiara dela por ter convidado os empregados para se “misturar “ com os seus convidados de uma classe superior.
Dois dias depois Marialva foi presa na agencia do Inps e levada para delegacia local como chefe de um aparelho do MR-8 em Bela Vista. A cidade toda cercou a delegacia e os protestos obrigaram a pedir reforço em Recife. Marialva fora jogada numa cela para ser interrogada por um meganha imbecil a mando do DOPS. D. Mimosa fora socorrida no hospital, e depois acolhida na casa de Agenor. Marialva ficou incomunicável, mais a turba da cidade continuava a protestar. Mesmo com a chegada do reforço, a revolta popular era muito grande. A fazenda fora esmiuçada e devassada por agentes do DOPS a procura de material subversivo e armas. Sua biblioteca fora jogada no chão e alguns livros foram levados para delegacia. “Do contrato Social, e Julia “ de Rousseau e todos livros de Eça de Queiroz foram levados como prova de sua subversão. O delegado local, lavou as mãos e nem perguntou ao meganha chefe, a razão daquela prisão. Quando o Juiz Dr. Geraldo Lima tomou conhecimento, foi imediatamente a Delegacia. Apresentou-se como autoridade e perguntou qual a razão da prisão da professora. – Doutor, foi gente daqui que denunciou essa comunista. – Quem? Perguntou o Juiz. – O nome eu não sei, mas foi gente importante, porque a ordem veio do Dr. Secretario Costa Lima. Deve tratar-se de um engano. A professora Marialva, nunca foi política, nasceu aqui e daqui nunca saiu, alem de ser um exemplo para essa cidade. Quais as provas que o senhor tem contra ela além dessa denúncia anônima? - Muitas Doutor, muitas. Segundo o serviço secreto, no São João ela fez uma festa e convidou a elite da cidade e ao mesmo tempo todos os trabalhadores dela, para comerem na mesma mesa. Na batida encontramos livros subversivos escritos por um russo e por algum parente daquele comunista Queiroz, de Caruaru. Se o senhor quiser assistir ao interrogatório pode me acompanhar. – Mostre-me os livros, disse o Juiz. – Quando pegou o primeiro livro o Juiz disse: Eça de Queiroz é um dos maiores escritores da língua portuguesa, e quando escreveu esses livros o Brasil ainda era colônia de Portugal, por volta de 1860. São romances retratando a vida dos habitantes de Lisboa naquele século. Dê-me o livro russo. – Pediu o Juiz – Quem disse que Rousseau era russo? Rousseau era Suíço de língua francesa, foi músico e escritor, e viveu um século antes de Eça de Queiroz. A pronuncia deste nome é Russou e é de origem francesa. Não existe nenhum livro subversivo aqui. – Solte essa moça e prenda quem a denunciou. Vou ligar para Cel. Lima Rocha em Recife e explicar a situação. Leve esse aparato daqui embora para que essa cidade volte a tranqüilidade que sempre teve. – Doutor Juiz a responsabilidade é do senhor, se estiver enganado vai sofrer as conseqüências. – Dr. Geraldo foi até a cela, retirou Marialva e disse: D. Marialva desculpe a ignorância desses policiais. Vamos descobrir quem a denunciou e coloca-lo na cadeia. – Quando Marialva saiu amparada pelo Dr. Geraldo a multidão aplaudia e dava viva a professora. Ali naquela multidão estavam as pessoas que ela desconhecia que a amavam tanto. Seu trabalho dedicado de 16 anos com a educação primária e a sua dedicação no atendimento no Inps, fizeram dela uma líder natural que ela desconhecia. Dr. Geraldo colocou-a no carro e levo-a até a casa de Agenor onde estava D. Mimosa. Em frente a casa outra multidão esperava Marialva. Aplausos e vivas enquanto Marialva se abraçava com a mãe. Emocionada, D. Mimosa abraçou o Juiz e beijou-o várias vezes no que foi seguida por Marialva que até então não havia dado uma palavra desde que fora presa. Depois da saída do Juiz sobre aplausos, a turba foi se diluindo até a calma voltar totalmente a Bela Vista.
Do mesmo modo que em Portugal a ditadura de Salazar caía após 46 anos, o judiciário brasileiro começava a mostrar a sua cara. O ano de chumbo começara a ser incomodado pela legalidade. Hábeas Corpus de juizes em todo país contra as prisões ilegais e arbitrárias aos poucos iniciaria o processo de redemocratização do país. O presidente Geisel acuado, baixa um decreto-lei limitando a atuação dos magistrados. Proibia que juizes tivessem cargos de direção em entidades filantrópicas, além de só poder ensinar em faculdades com uma licença especial dos Tribunais. Por conta da lei Fleury promulgada pelo Presidente Médici, com intuito de proteger o maior assassino e torturador do golpe de 64, que concedia a liberdade a qualquer pessoa cujo processo estivesse em recurso de apelação, a justiça solertemente usava a mesma lei para libertar os presos e condenados arbitrariamente. O feitiço se volta contra o feiticeiro. A atitude corajosa e desprendida do Dr. Geraldo em Bela Vista seria o principio de uma nova era. Libertas quae sera tamem.-“Liberdade ainda que tardia”. O preceito da revolução de Tiradentes emerge das trevas, finalmente o Brasil reage a dez anos de ditadura implacável. Era o princípio, mas muita a luta e mártires ainda seriam conhecidos pela História.
Naquela noite já na fazenda, Marialva rememorava todos os acontecimentos dos últimos meses. Não precisou pensar muito para descobrir que seu alcagüete fora Eduardo. Ele seria a única pessoa que poderia está com raiva dela. Pelas palavras do Dr. Geraldo seria um dos convidados da festa de São João. A única pessoa da cidade que conversava com ela a respeito de política, também era aquele imbecil. Mesmo assim Marialva estava feliz. Iria arranjar uma maneira de contatar com Adal. Todas injustiças que havia sido vítima passaram despercebidas ante a proximidade de realizar seu grande sonho.
No dia seguinte ligou para o Banco do Brasil de Fortaleza para falar com seu Mauricio. Disse ser uma amiga de Bela Vista que soubera do seu infortúnio e queria lhe fazer uma visita. Mauricio sem pestanejar deu o endereço. Marialva perdeu a fala. O endereço indicado era o mesmo onde tinha seus apartamentos em Recife.O apartamento mobiliado dela era o 603 e o de Adal era o 604. – Alô! Alô! Mauricio gritava. Em poucos segundos o telefone deu sinal de ocupado.
A tarde Marialva foi fazer uma visita ao Dr. Geraldo para agradecer-lhe, já que no dia anterior a emoção não permitira. Logo após aos agradecimentos ela confidenciou ao juiz tudo que se passara entre ela e Eduardo. Contou toda a sua estória desde a chegada dele à cidade. Ao terminar o juiz disse: D. Marialva a senhora acertou na mosca. Temos um dedo duro na cidade. Tinha outra impressão desse rapaz. Infelizmente vamos ter que defenestrá-lo daqui. Vou falar com o Lima Rocha que embora seja revolucionário, é um homem justo e moderado e não compactua com esse tipo de coisa. Quando saiu do fórum já era quase seis horas. Aproveitou para ir até a casa de Agenor para também lhe agradecer. Agenor lhe contou que Eduardo durante toda manhã fizera diversas ligações para Brasília. Estava muito tenso e pela primeira vez não havia realizado a reunião matinal. Embora com toda aquela repercussão, não tocou no assunto com ninguém na agencia. Quando os clientes vinham falar no assunto desconversava, e procurava despacha-los com a maior brevidade. A maioria dos funcionários estavam desconfiados que fora ele o delator. Disse que provavelmente essa desconfiança ganharia a rua. Alguns clientes também estranharam a atitude de Eduardo. Como toda cidade ainda pensava que ele ainda era namorado de Marialva, algumas pessoas estranharam a sua ausência nos acontecimentos.
No dia seguinte foi como Agenor previra. O rompimento do namoro de Eduardo e Marialva ganhou a rua. Veloso, o funcionário do banco que não se entendia com Eduardo desde o primeiro dia, era amigo de um vereador do MDB que embora corrupto como os situacionistas, participara intensamente da manifestação em favor de Marialva na busca de conseguir votos na próxima eleição. Foi até ele e detonou a bomba. Contou tudo que Agenor lhe falara. Veloso reuniu seus asseclas e resolveram tomar uma posição.
Quando Eduardo saiu na manhã seguinte, o muro de sua casa estava pichado em vermelho: FORA CALABAR. Parou o seu carro, voltou até em casa e mandou que a empregada limpasse o muro. Sua surpresa maior foi quando chegou no banco. As portas de vidro estavam todas pichadas com a mesma frase.
Em todas as esquinas o comentário era o mesmo. Os clientes quando iam ao banco se recusavam a falar com Eduardo. Acuado, não esperava essa reação tão cedo. No dia anterior havia telefonado para Brasília solicitando a sua transferência por conta do ocorrido. Seus superiores para contornar o problema conseguiram que suas férias fossem concedidas de imediato ao tempo em que autorizaram a sua mudança do município para Recife até arranjar outra agencia para coloca-lo. Sem falar com nenhum funcionário, pediu um caminhão de mudanças no Recife, para ir embora no segundo expediente. Fez pessoalmente uma ata de transferência de cargo para o chefe administrativo, alegando que estava de férias e que provavelmente iria assumir outra agencia em outro estado. Fora o seu substituto e as três testemunhas, não falou com mais ninguém. Pegou os seus pertences e voltou para casa. Seu Genaro e D. Lídia ficaram em estado de choque. Junto ao caminhão da mudança veio um automóvel para levar seus pais e seu irmão imediatamente para Recife. As quatro da tarde como um bandido fugitivo saiu de Bela Vista atrás do caminhão de mudança. Não se despediu nem dos vizinhos. Aos covardes todo castigo é pouco.
Marialva ainda não havia contado a D. Mimosa que descobrira o paradeiro de Adal, nem tão pouco que ele era seu vizinho no apartamento em Recife. Apenas lhe contara a conversa de Eduardo com o colega de Fortaleza em que seu ex-namorado havia afirmado que ela se casara. A pretexto de descansar a cabeça e ver como estava o apartamento, convidou D. Mimosa para ir passar o fim de semana em Recife. Iriam na sexta feira pela manhã, já que conseguira uma licença especial do Inps e no Grupo Escolar, por conta dos acontecimentos. D. Mimosa ficou muito satisfeita, pois fazia quase seis meses que não ia à capital. Precisava comprar umas linhas de bordado sua distração atual e ver as novidades na Viana Leal que havia sido inaugurada em Boa Viagem.
Saíram por volta das 7:00 da manhã. No caminho Marialva contou o resto da história. Adal estava pensando que ela houvera se casado e vivia solitário no apartamento vizinho ao seu em Boa Viagem. D. Mimosa no primeiro instante perdeu a fala. – Que foi mãe? Está se sentindo bem? – perguntou Marialva. – È de alegria minha filha, nunca deixei de gostar do Adailton, só não falava para você não sofrer mais. Mas você, já lhe deu o perdão? De coração? – Mãe eu nunca em nenhum momento desses dez anos tive raiva de Adal por mais de uma hora. Sei também que ele jamais me esqueceu e que ainda me ama. Esses anos com Gloria deve ter sido o maior castigo de sua vida. Uma mulher que tenta matar o próprio filho por vaidade e ciúme não é boa companhia para ninguém, principalmente para Adal que era um homem de caráter. Ele deve ter caído na tentação e depois não teve como retroceder. Mas Deus escreve o certo por linhas tortas e tenho certeza que ao me ver ele voltará para mim e desta vez para sempre. Vou casar com ele, de véu e grinalda, virgem e de vestido branco na Igreja de Bela Vista, como papai sempre desejou e me educou para isso. D. Mimosa sorria e chorava ao mesmo tempo ao ver os olhos da sua filha minados de lágrimas, desta vez com lágrimas de alegria.
Naquela sexta feira Adal não trabalharia. Passara a noite de plantão no hospital e estaria de folga todo o fim de semana. Ultimamente procurava substituir seus colegas no plantão, já que só conseguia dormir pelas três da madrugada. Depois da notícia do casamento de Marialva, entrara em depressão e a cada dia, suas noites ficavam mais compridas e tristes. Colocava o som para funcionar com as músicas do gosto de Marialva e ia tomando umas doses até adormecer. Como sabia que Marialva gostava de poesia, começou a rabiscar alguns versos com intuito de conseguir manda-los pelo correio com um pseudônimo. Para que seu marido não desconfiasse, mandaria com o endereço do Grupo Escolar. Papeis de rascunhos amassados pela sala, tinha em todos os cantos. Só o primeiro poema ele guardara, mas não tivera coragem de manda-lo porque sabia que ela imediatamente descobria o autor. Sendo uma mulher casada, pelo seu caráter, sabia que jamais perdoaria tamanha ousadia. Assim mesmo, não rasgou. Guardou. Pela manhã, ficara na praia até as onze. Depois subiu ligou o som e colocou uma fita de Roberto Luna: Assim se passaram dez anos, sem eu o ver teus olhos, sem beijar tua boca, assim foi tão grande a pena ao relembrar que tu foste o meu primeiro amor... – Enquanto ouvia, lia relia o seu poema: Restos de Amor.
Quando Marialva foi abrir a porta do seu apartamento, escutou a música no apartamento ao lado. D. Mimosa também ouviu. As duas entraram silenciosamente. As duas suspiraram com alívio quando trancaram a porta. Descansaram um pouco porque o coração de ambas estava a mil. – Mãe que faço agora? – Bato na porta? – Faça o que o seu coração pede. Estais com 36 anos e ele com 39. Tu sabes toda a verdade e ele sabe de todas as mentiras. Acho que está na hora de você tomar uma decisão. Marialva levantou-se abriu a porta e tocou a campa do apartamento. – Um momento! –Ouviu quando o som baixado e os passos dirigindo-se até a porta. Adal de cabeça totalmente branca apareceu. Ficara branco como uma cera e só conseguiu dizer gaguejando: Ma ria alva! Ao tempo em que pronunciava olhava para as mãos a cata de uma aliança. – Recobrou o fôlego e disse respeitosamente: Que fazes aqui Marialva? - Sou sua vizinha, respondeu Marialva – Ainda atarantado falou: Com o seu marido? – Não, eu nunca me casei. Tudo que lhe disseram a meu respeito foi uma farsa de um dedo duro dessa maldita ditadura. Por conta dele fui até presa em Bela Vista essa semana. – O colóquio frio e distante, transformou-se. – Adal abraçou-a e entre soluços disse: Me perdoa meu amor! !Perdoa-me Marialva! - Chorando ficaram abraçados por longo tempo, sem que uma palavra mais fosse pronunciada.Ao cabo de algum tempo, beijou-lhe ternamente a face. Seguiram-se outros beijos até que os lábios se encontraram. A fome do amor e a sede da paixão ativaram as lembranças do passado e aos poucos a conversa fria e distante transformou aquelas duas almas no alvorecer de uma nova esperança. Sentaram-se, e entre carícias e beijos cada um foi desfiando o novelo de suas vidas desde a separação em 1964. Em dado momento, Marialva sentiu que estava sentada numa folha de papel. Pegou e começou a ler Restos de amor:
Quero te dar o Céu e o infinito,
Para afastar do coração o meu remorso.
Já que não posso falar tudo que sinto,
Deixe-me, falar tudo que posso.

Quando te neguei o último beijo,
Quando saí a procurar a liberdade,
Ao negar o teu último desejo,
Joguei fora a nossa felicidade.

Tantos anos passaram em nossas vidas,
Tanto amor por nós foi afagado,
Para curar as cicatrizes doloridas,
Das amarguras sucumbidas no passado.

Vamos recuperar o que perdemos
Para amenizar essa nossa dor,
E esquecer tudo que sofremos,
Se a paixão para nós é incolor,
Se separados esses anos nós vivemos,
Sem esquecer nossos restos de amor.

Meu amor poeta! Gritou Marialva – Foi para mim que fizestes? – Foi minha querida. Estava tentando ser um pouco de você. Iria manda-lo pelo correio como um anônimo. Depois perdi a coragem porque sabia que você descobriria o autor e isso só poderia aumentar o seu sofrimento. – Marialva levantou-se e disse: tenho uma surpresa para você. Pegou a sua mão, saiu do apartamento, atravessou o corredor e entrou no seu. – D. Mimosa! Minha querida D. Mimosa! Perdoa-me! – Abraçou-a ternamente por um longo tempo. – Meu filho o que fizeram com você? Pintaram o teu cabelo? – Não D. Mimosa. Ele pegou a cor da saudade e do passado que pensei nunca mais voltaria. Até hoje de manhã era o homem mais infeliz e solitário desta terra. Agora o sol nasceu de novo e vou viver outra primavera. - Abraçaram-se os três.
Antes de irem almoçar, Adal telefonou para os seus pais e convidou para almoçar juntos. Não disse que levaria companhia. O encontro das duas famílias selou definitivamente o futuro do casal. No almoço, Adal pela segunda vez pediu Marialva em casamento e desta vez na presença dos seus pais.
A noite os dois passearam na praia para relembrar os tempos de enseada. Em pouco tempo Marialva pediu para voltar para o apartamento. Aquela não era a sua praia. Luzes e carros destruíam a noite do seu reencontro. No apartamento Adal foi logo falando que iria tentar sua transferência para Bela Vista. Se não conseguisse pediria demissão e abriria uma clínica lá. Quanto a sua sociedade no hospital, deixaria novamente e ficaria apenas como sócio de capital. Com o dinheiro que seu sogro lhe dera daria para recomeçar a vida em Bela Vista. – Até então Marialva não havia lhe falado como estava Bela Vista. Nem havia dito que era uma próspera fazendeira fabricante de queijo. Deixou que ele tivesse a surpresa quando voltasse. – Quero fazer uma grande reforma na sua casa D. Mimosa. Vamos morar nós três juntos na Rua da Matriz como sempre a senhora desejou. – Não meu filho, não estamos morando mais naquela casa. Alugamos e estamos um pouco mais distante da cidade. Lá temos o sossego que na cidade não existe mais. O romantismo que tanto Marialva falava acabou-se. Onde nós moramos, Marialva construiu o romantismo que tanto vocês gostavam. Temos arvores, jardins e passarinhos como nos velhos tempos. – Quando você vai lá? – Amanhã mesmo, quando vocês partirem. Fico no hotel até resolver a papelada do casamento. Depois volto para Recife para resolver a minha vida profissional. Quero ir a Fortaleza falar com Seu Américo, contar toda estória que ele nunca soube e convida-lo para o nosso casamento. Sei que ele vai entender e com certeza virá para o nosso casamento. Quem sabe ele não casa com a senhora D. Mimosa? – Não meu filho essa sua velha já não pensa há muito tempo em companhia. Quero agora é ver minha casa cheia de netos.
No dia seguinte seguiram para Bela Vista. Ao chegar na fazenda Adal quase não acreditou. – Meu amor você fez isso tudo! – Adal isso é nosso. Foi com a venda da sua casa que comecei aqui. Primeiro um sítio só para me recordar dos bons tempos tranqüilamente. Depois fui comprando mais terra, aprendi a criar gado, fazer queijo e o resto veio por conta dos rendimentos de ações. – Quer dizer que aquela casinha rendeu isso tudo! – Não, não foi só ela. Foi a forças da esperança e certeza de que um dia você voltaria para mim.
Dois meses depois a musa de Bela Vista entrava vitoriosa na Igreja tendo como par Seu Américo que viera de Fortaleza com Adal um mês antes do casamento. Foi a maior festa de casamento em Bela Vista desde a sua fundação. Seu Américo patrocinou um show pirotécnico na saída dos noivos de vinte minutos ininterruptos. Alugou clube e convidou toda a cidade pela divulgadora do Padre. Encheu a praça de flores que mandou buscar em Recife e Garanhuns. Nas calçadas dezenas de garçons com bebida e comida a vontade para todo o povo de Bela Vista. No clube diante dos familiares e convidados especiais, Seu Américo pediu a palavra e disse: Hoje ganhei uma filha que perdi e o um filho que pensava tinha perdido. Ganhei um casal de amigos Joaquim e Amália e minha amiga e companheira Mimosa que serão de agora em diante minha família. Quando pensava que não tinha mais ninguém na vida, Deus se apiedou de mim e deu-me uma família e uma cidade para viver os restos de meus dias. Bela Vista agora será minha terra. – As palmas ensurdeceram o clube e saíram pela calçada afora como uma cadeia de dominó. A festa foi até o dia raiar. Pela meia noite Marialva e Adal seguiram para enseada para a mesma casa em que um dia eles namoraram.
Chegaram a Enseada e foram para beira mar. Marialva pegou a esteira que eles usaram no primeiro veraneio. Adal abriu o chapagne e com duas taças brindaram o amor. – Marialva meu amor, estamos no mesmo lugar, na mesma casa e sob o mesmo céu estrelado que um dia sonhamos viver um grande amor. Esta praia foi a testemunha do nosso passado de amor e paixão. Hoje começa novamente, desta vez para sempre. - Adal sou toda tua! - Alisando seus cabelos disse: seja paciente comigo meu amor, ainda sou virgem.
No outro dia pela manhã, passeava pela praia a última virgem dos anos sessenta que se tornara mulher. Agora ela aprendera a gastar a felicidade...

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